Rio de Janeiro, 1º de outubro de 2017.
O Brasil atravessa, no momento, uma de suas mais profundas e graves crises, com repercussão nas esferas política, econômica e social. Diariamente, lideranças e instituições são questionadas publicamente por seus atos, demostrando, infelizmente, o frágil apego a valores e princípios éticos e morais na condução do País.
Por outro lado, com a queda na produção, o desemprego e os altos preços lançam milhões de famílias na miséria, aumentando o fosso da desigualdade social, que é, de fato, o maior problema do País.
Neste cenário, os médicos pediatras têm, sem trégua, lutado por melhores condições de vida para as crianças e os adolescentes, cuidando do futuro da Nação, que, somente assim, poderá mudar. Preocupados com os inúmeros problemas que atingem esse segmento vulnerável da população, esses profissionais – com o apoio de sua entidade de representação - têm sinalizado aos gestores, de modo sistemático, uma pauta de reinvindicações urgentes.
É neste conturbado contexto que a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) vem a público conclamar mais uma vez todos os cidadãos e todas as instituições do País (públicas e privadas) a se unirem, efetivamente, em torno da defesa ampla, integral e sem concessões do maior patrimônio nacional: seus mais de 60 milhões de crianças e adolescentes, jovens com até 19 anos.
Ao submetê-los às consequências desse cenário complexo e de alta voltagem negativa, sem oferecer-lhes medidas de proteção nos diferentes campos da vida em sociedade, o Brasil corre o sério risco de comprometer o seu próprio futuro.
Nós, médicos pediatras, comprometidos historicamente com a defesa dessa população, recusamo-nos a ficar em silêncio diante tamanhos abusos e omissões. A criança é o único ser em situação de vulnerabilidade absoluta, que ruma em direção à aquisição de sua autodeterminação, tornando-se, aos poucos e ao longo do tempo, cada vez mais autônomo. Se a sociedade organizada não a proteger em sua integralidade, a criança chegará em sua vida adulta marcada por vieses pessoais e sociais e irremediavelmente corrompida.
Por isso, nesse outubro, mês dedicado à infância, apresentamos as seguintes propostas, as quais devem ser consideradas pelos gestores, pelos políticos, pelos magistrados, pelos membros do Ministério Público, pelos empresários, pelos trabalhadores, pelos pais e professores, por todos os brasileiros, como itens de uma agenda mínima (pública e urgente), cuja implementação ajudará no resgate dos direitos da infância e da adolescência.
Sendo assim, a SBP DEFENDE que:
NO CAMPO DA SAÚDE
- Os leitos de internação na rede pública sejam oferecidos em número necessário ao atendimento de crianças e de adolescentes em casos de tratamentos eletivos;
- Os medicamentos e outros insumos fundamentais ao bom atendimento nos hospitais, postos de saúde e outros serviços sejam disponibilizados aos profissionais e pacientes e seus familiares;
- Os pais e os responsáveis sejam conscientizados e orientados sobre a importância de se manter em dia o calendário de vacinação dos filhos, contrapondo-se à orientações contrárias e equivocadas;
- O pediatra, pela sua formação e capacitação para assistir e orientar as crianças e os adolescentes e suas famílias, seja devidamente valorizado e ocupe o papel central na assistência às crianças e aos adolescentes, colaborando com a promoção da saúde, a prevenção de doenças e a oferta de adequado tratamento em todas as unidades primárias, secundárias e terciárias;
- Programas para mudança de hábitos de vida, protagonizados por pediatras e toda a equipe de saúde, sejam estabelecidos, com foco no estímulo à alimentação correta; na promoção da atividade física, com criação de espaços e suporte profissional competente; e no repasse de informação sistematizada sobre como orientar o desenvolvimento intelectual das crianças e suas relações sociais saudáveis, sempre com respeito e dignidade.
NO CAMPO DOS DIREITOS HUMANOS E SOCIAIS
- Toda criança e adolescente tenha direito ao ensino de qualidade, preferencialmente em período integral (em todas as fases do aprendizado), com acesso a conteúdo que lhes permita desenvolver seus conhecimentos e sua noção de cidadania, bem como construir sua personalidade com valores e princípios calcados no respeito, na ética, na solidariedade e na dignidade;
- A escola seja um ambiente priorizado pelas políticas públicas, com: a valorização dos professores e outros profissionais da área; a elaboração de diretrizes de ensino com ampla participação da sociedade; e a definição de conteúdos que contemplem temas contemporâneos, debatidos pela sociedade;
- O acesso à creche em tempo integral seja assegurado a todas as crianças, como um direito da educação infantil, sendo esse serviço disponibilizado com infraestrutura necessária e pessoal capacitado;
- As mulheres contem com todo o suporte para oferecerem o leite materno aos seus filhos, o que inclui medidas, como a ampliação do tempo de licença-maternidade; a criação de núcleos de apoio nos ambientes de trabalho; a criação de unidades em todas as maternidades para assistirem as lactantes durante todo o período da amamentação; e a realização de campanhas permanentes de orientação e estímulo ao aleitamento.
NO CAMPO DA SEGURANÇA PÚBLICA
- A segurança de crianças e de adolescentes, bem como de seus espaços preferenciais de frequência (escolas, centros esportivos, núcleos comunitários etc.), seja objeto de atenção especial das autoridades policiais para que não se repitam trágicos episódios de mortes e sequelas geradas por conflitos com criminosos;
- As medidas para conter a violência no trânsito foquem no bem-estar dos jovens (passageiros e pedestres) para que os números atuais de mortalidade por causas externas nessa área, os quais afetam fortemente as estatísticas com essa população, sejam reduzidos de forma urgente;
- Uma política ampla e eficaz de proteção para crianças e adolescentes no ambiente digital (internet e suas redes sociais) seja colocada em prática, com urgência, para evitar casos de aliciamento e abusos, entre outros;
- Medidas para prevenir, no País, o desaparecimento de crianças e de adolescentes sejam tomadas, evitando-se que muitos desses jovens se tornem vítimas do tráfico de órgãos, da exploração sexual e do trabalho escravo.
NO CAMPO DAS RELAÇÕES HUMANAS E FAMILIARES
- Por suas características próprias e pela sua situação de extrema vulnerabilidade, toda criança e todo adolescente conte com a proteção da sociedade, garantindo-lhes as condições ideais ao seu pleno desenvolvimento;
- A criança e o adolescente sejam protegidos da exposição a elementos com conteúdo sexual e violento e que promovam comportamentos impróprios, como o consumo de álcool e outras drogas, o que é hoje possível nos lares com o fim da Classificação Indicativa para televisão, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2016;
- A família, com todo apoio possível por parte das instituições, seja fortalecida como o centro das relações com a criança e com o adolescente, ajudando-os a serem formados para a vida em sociedade. Com esse objetivo, devem ser oferecidas as condições para que esse processo se realize. Contudo, na impossibilidade ou na falta de interesse por parte dos pais, o Estado deve assumir essa responsabilidade, com a promoção de políticas públicas adequadas;
- O Estado promova ações contra abusos de qualquer natureza cometidos contra crianças e adolescentes; elabore programas de prevenção à gravidez na adolescência; proíba e puna os exploradores do trabalho infantil; desenvolva projetos voltados ao empoderamento dessa população pediátrica, incentivando sua autoestima, seu crescimento intelectual e cognitivo, e suas relações e vínculos calcados na solidariedade e não na competição.
CONCLUSÃO
O Brasil tem a oportunidade de escrever o seu futuro. As recentes ações de combate à corrupção dão provas de que ainda há chances de se coibir abusos que, às vezes, nos fazem colocar em dúvida nosso projeto de Nação.
No entanto, não se pode limitar a retomada de nossos compromissos com esse acerto de contas com o passado. É preciso estender essa esperança a partir de uma atenção máxima às crianças e aos adolescentes brasileiros, oferecendo-lhes perspectivas de cidadania, de inclusão, de respeito, de educação, de saúde e de proteção, em todas as circunstâncias.
Diante dessa agenda apresentada e defendida pela SBP, espera-se que não estejamos apenas no início de mais um Mês de Outubro, pautado pelo comércio e pela efemeridade das comemorações do Dia 12.
Que seja, sim, um marco, um momento oportuno, para começar um novo tempo, com consequências positivas para as futuras gerações de brasileiros
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA
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