As brincadeiras infantis são fundamentais para o adequado desenvolvimento físico, psicológico e social de crianças e adolescentes, sendo que a impossibilidade de vivenciar plenamente essa etapa lúdica do crescimento pode gerar graves consequências à vida adulta. O alerta vem da antropóloga e professora da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Regina Tavares, autora do livro “Brinquedos e Brincadeiras”, que enfatiza o valor do “brincar” como patrimônio cultural imaterial e de socialização.
Segundo a especialista, diferentes áreas da ciência têm alinhado cada vez mais seus campos de estudo e demonstrado a relevância dos jogos e atividades da infância. “Faz décadas que as ciências sociais estudam a representatividade das brincadeiras dentro do contexto social de diversas culturas. Recentemente, o avanço da tecnologia e neurociência permitiram entender alguns dos processos que nosso cérebro estabelece quando brincamos. O que reforça a importância desse ato como condição essencial para a evolução qualitativa de nossa espécie”, diz.
A antropóloga explica que inúmeras brincadeiras servem como representações e ensaios para a vivência em sociedade, visto que grande parte das habilidades humanas não são inatas, mas ensinadas e transmitidas de uma geração para a outra. “Quando aprendemos desde novos a brincar em conjunto, em roda ou de mãos dadas, reforçamos o valor de comunidade, de que as condições necessárias para a vida dependem da harmonia entre os pares”, exemplifica.
ERA DIGITAL – O advento das novas tecnologias tem impactado a forma como as crianças estabelecem seus relacionamentos interpessoais. De modo geral, os jogos eletrônicos e o uso constante da internet vêm substituindo as brincadeiras tradicionais e alguns dos efeitos desse novo modelo já pode ser observado na saúde de crianças e adolescentes.
Os alertas da antropóloga convergem para as orientações da Sociedade Brasileira de Pediatra (SBP), que, no ano passado, divulgou um manual de orientação sobre o tema Promoção da Atividade Física na Infância e Adolescência. Segundo a publicação, as atividades ao ar livre, por exemplo, ajudam no fortalecimento e desenvolvimento de músculos e ossos, devendo ser realizadas pelo menos três vezes por semana.
Além disso, o documento recomenda que o tempo de tela para a população de 6 a 19 anos seja de no máximo duas horas por dia, excluídas, entretanto, as horas gastas para a realização de tarefas escolares. Dr. Mauro Fisberg, do Departamento de Nutrologia da SBP, afirma que as orientações representam uma forma de chamar a atenção dos pais e especialistas para a questão.
“Os pediatras devem estar aptos a identificar quando o paciente apresenta um interesse excessivo no mundo virtual e em jogos eletrônicos. O acesso à tecnologia é benéfico e irreversível, o que precisamos é orientar e, principalmente, incentivar também outras práticas, como brincadeiras ao ar livre e em grupo”, salienta.
RELACIONAMENTO – Regina Tavares acredita que as habilidades de convívio social precisam ser desenvolvidas na rua, junto àqueles que são diferentes do indivíduo. “Quando a criança dedica muito tempo apenas ao computador, ela perde a oportunidade do contato olho a olho e de trocar experiências. A adolescência em especial é uma fase de descobertas que precisam ser compartilhadas. Infelizmente, estamos vivenciando tempos em que a grande dificuldade está nos relacionamentos humanos”, afirma a especialista.
Entre as ações que podem ser estabelecidas para incentivar a prática das brincadeiras infantis está a construção de cidades com mais espaços reservados às crianças, como parques públicos e praças. Além disso, a antropóloga afirma que é necessário o incentivo permanente de pais, da escola e de toda a comunidade para que se possam preservar as práticas infantis. “Não devemos perder atributos culturais tão preciosos em nome da evolução tecnológica”, destaca.
DISTÚRBIOS – Segundo o dr. Mauro Fisberg, muitos pediatras já constatam em consultório alguns dos malefícios advindos da mudança no perfil das brincadeiras infantis, dentre elas, diagnósticos cada vez mais precoces de distúrbios de comportamento e depressão. “Tudo o que as brincadeiras englobam – seja correr, pular, tocar – faz parte do processo de desenvolvimento infantil de explorar os próprios sentidos. Atualmente, é cada vez mais fácil encontrar crianças multitarefadas. São tantas atividades e compromissos que não há tempo suficiente para aquilo que deveria ser algo genuíno da infância”, comenta.
Conforme indica o especialista, os pais devem ser os responsáveis por introduzir a criança no universo lúdico das brincadeiras e, no decorrer dos anos, incentivar e permitir que haja tempo para a prática de atividades tipicamente infantis, pois, nesse período, o ócio representa uma possibilidade de desenvolver aptidões básicas, que serão necessárias à vida adulta, como a criatividade, o bom convívio social, entre outras.
“Quando a criança brinca, o desenvolvimento ocorre de forma espontânea e gradual. A cada idade, existe o interesse em aspectos específicos. No início da vida prevalece a descoberta de cores, formatos e texturas. Mais tarde, a atenção se volta para jogos mais complexos que envolvem habilidades físicas, disciplina, imaginação e raciocínio lógico”, afirma.
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