Roraima está no foco da atenção em saúde no Brasil. A chegada maciça de refugiados da Venezuela tem sobrecarregado os serviços locais da rede pública que está em alerta com o registro de casos suspeitos e confirmados de sarampo. Essa situação exige ainda mais dos pediatras que atuam na região – 59 deles sócios da Sociedade Roraimense de Pediatria (SRP) – que já convivem a tempos com falta de estrutura e de apoio para o desenvolvimento de suas ações.
Essa é a realidade descortinada pela presidente da SRP, dra. Adelma Alves de Figueiredo, que, em entrevista ao SPB Notícias, falou sobre as dificuldades enfrentadas nesse momento de crise e os riscos aos quais médicos e pacientes estão expostos. Graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (1992) e com residência em pediatria pelo Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), entre 1992-1994, dra. Adelma também é especialista em Gastroeterologia pediátrica pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), 2000-2001; e mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela mesma instituição, 2002. Desde 2003, é professora do curso de medicina da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e presidente da SRP há 6 anos.
“Estamos diante de uma situação preocupante. Roraima não possui estrutura que comporte um surto de sarampo ou de qualquer outra doença infectocontagiosa, apesar dos esforços locais”, ressaltou em sua entrevista, onde também crítica a possível contratação de médicos venezuelanos para atender os imigrantes e faz recomendações importantes para os pais e responsáveis pelas crianças e adolescentes que moram no Estado.
LEIA ABAIXO A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA
Estamos diante de uma situação preocupante. Roraima não possui estrutura que comporte um surto de sarampo ou de qualquer outra doença infectocontagiosa, apesar dos esforços locais"
SBP Notícias - Em sua opinião, quais os principais problemas e desafios decorrentes da entrada de refugiados venezuelanos para a Saúde, em Roraima?
Dra. Adelma Alves de Figueiredo - Pessoas com cultura, hábitos de vida e alimentação diversos do nosso, vindas de um país cuja cobertura vacinal pública é muito pequena e vivendo em grandes aglomerados, sem condições sanitárias adequadas, podem ser agentes de transmissão de uma série de doenças infectocontagiosas, tais como: sarampo, difteria, escabiose, pediculose, diversas viroses, gastroenterites bacterianas, pneumonias, tuberculose, entre outras. No atendimento nos hospitais e postos de saúde, há a dificuldade de comunicação, o que aumenta a chance de riscos para o paciente e para as equipes de saúde. Ainda existe o contexto de superlotação dos hospitais de Roraima, que já vivenciavam isso mesmo antes da chegada dos imigrantes. Além disso, a região passa pelo seu período de mais chuvas, que deve ir de maio a agosto. Ressalte-se que essa época é, historicamente, de grande demanda nas enfermarias e emergências, com sazonalidade das doenças respiratórias e gastroenterites. Por tudo isso e com essa crise humanitária em curso nos perguntamos: como será este ano, com 18 mil pessoas a mais?
SBP Notícias - De modo específico, como isso tem se refletido na assistência pediátrica no Estado?
Dra. Adelma Alves de Figueiredo – Essa crise tem causado sobrecarga nos serviços de saúde, desde a maternidade. Percebe-se quase nenhum planejamento ou acolhimento das famílias nos ambulatórios, haja vista que os refugiados não têm cartão SUS ou cadastro de domicílio para discriminar a área de abrangência da Estratégia Saúde da Família (ESF). Nenhuma puericultura é realizada para as venezuelanas, poucos deles têm acesso ou locomoção até as unidades básicas. Enfim, as crianças brasileiras saem prejudicadas, porque diminuíram as ofertas de vagas, mas as venezuelanas também não recebem assistência adequada.
SBP Notícias - O sarampo surge como um risco real, pois há casos suspeitos entre os refugiados. Roraima possui estrutura para fazer frente a essa ameaça? O que é preciso fazer?
Dra. Adelma Alves de Figueiredo – Estamos diante de uma situação preocupante. Roraima não possui estrutura que comporte um surto de sarampo (já são sete casos confirmados, até o momento) ou de qualquer outra doença infectocontagiosa, apesar dos esforços locais. Em 2017 também tivemos dois casos de difteria. No hospital infantil só temos três leitos de isolamento em enfermaria e um em UTI. A SRP vê que deveria ter uma barreira sanitária em Pacaraima, cidade fronteira com Venezuela, para assim vacinar todos que entram, não só contra o sarampo, mas contra outras doenças também, porque se entrar 800 pessoas por dia a barreira tem que ser feita lá. Claro que as pessoas que já estão na cidade de Boa Vista têm que ser vacinadas aqui, mas partir de agora com esse surto tem que ter lá essa barreira. Isso só pode acontecer por ordem do Governo Federal porque o Governo Estadual não tem autonomia, e essa barreira sanitária não foi liberada pelo Ministério Público.
SBP Notícias - O Ministério da Saúde estuda a contratação de médicos venezuelanos para atender esse grupo especificamente por meio do programa Mais Médicos. A senhora acha essa medida necessária? Ou os brasileiros poderiam assumir essa tarefa?
Dra. Adelma Alves de Figueiredo – Não concordo com essa medida, pelos seguintes motivos: o problema não é só o número de médicos, mas principalmente a falta de estrutura física e logística, que já era deficitária mesmo sem a chegada dos refugiados. Há apenas um hospital infantil para todo o Estado e países vizinhos. Os insumos não são suficientes, faltam medicamentos básicos para serem distribuídos à população. Médicos estrangeiros não conhecem nossos serviços e não teriam a articulação necessária para a resolução dos casos na rede. Como sabemos, o empenho pessoal de cada médico e sua articulação na rede muitas vezes tem sido o fator diferencial para a resolução dos casos.
SBP Notícias - Qual a contribuição que os pediatras do Brasil e de Roraima, de forma específica, podem oferecer para a superação desse quadro?
Dra. Adelma Alves de Figueiredo – Nossa grande ajuda é manter o atendimento à população que chega aos "hospitais", como temos feito todos os dias. Uma ótima medida seria colocar pediatras nos postos de saúde e descentralizar o atendimento da especialidade. Não há pediatras nas equipes de saúde da família. Também seria bom receber apoio técnico na consolidação de estratégias na área de saúde para acolhimento, diagnóstico situacional e elaboração de plano de trabalho com metas a curto (vacinação, suplementações e orientações sanitárias), médio (manutenção das anteriores e assistência) e longo prazos (inserção planejada dos venezuelanos no sistema de saúde).
SBP Notícias - Nesse momento, os médicos pediatras precisam estar mais atentos no momento de fechar diagnósticos?
Dra. Adelma Alves de Figueiredo – Sim. Estamos com quadros de sarampo que a maioria de nós, pediatras, nunca tinha visto, bem como um óbito por difteria no ano passado. Acredito que doenças já superadas ou raras, como epiglotite por hemófilos e pneumo, meningococcemia, e outras, voltarão a se apresentar.
SBP Notícias - Quais suas recomendações aos pediatras que atuam em Roraima e para a população em geral?
Dra. Adelma Alves de Figueiredo – A população deve estar atenta e manter o calendário vacinal atualizado e evitar aglomerações, ficando alerta para o boletim com a situação epidemiológica que é divulgado periodicamente. Também deve oferecer acolhimento humano em todo e qualquer caso, independente da nacionalidade. Com relação aos médicos, devem manter a atenção e o acolhimento humano muito bom que já praticam. Muitos deles, inclusive, participam de ações sociais nos seus horários de folga e estão engajados em campanhas de alimentação.
SBP Notícias - Além do problema enfrentado com essa crise de caráter humanitário, com a chegada em massa dos venezuelanos, quais os problemas que a Saúde e a Pediatria enfrentam no Estado? Quais as principais carências?
Dra. Adelma Alves de Figueiredo – A saúde em Roraima, de forma especial a pediatra, sofre com a falta de estrutura física e de logística na rede básica. Não existem gineco-obstetras fazendo pré-natal e nem pediatras fazendo puericultura. Assim o atendimento fica centralizado num único hospital. Os pacientes chegam em fase avançada de doenças que poderiam ter sido evitadas se o médico pediatra treinado tivesse tido a oportunidade de agir no tempo adequado. Aqui, no estado, não conseguimos atuar na prevenção de patologias da infância. Outra dificuldade é o número elevado de parturientes adolescentes e sem pré-natal ou com esse serviço oferecido de forma inadequada. São cerca de 800 partos mês na única maternidade do estado, com mais de 20% de parturientes menores de 20anos.
SBP Notícias - O tema saúde tem sido tratado com a devida prioridade pelas autoridades locais? Por quê?
Dra. Adelma Alves de Figueiredo – Não, pelas diversas situações apontadas anteriormente.
SBP Notícias - A Sociedade de Pediatria de Roraima tem participado de iniciativas para enfrentar essas carências e dificuldades?
Dra. Adelma Alves de Figueiredo – Até o momento a nossa Sociedade não foi convidada a participar da construção de políticas para esta situação. A grande maioria dos pediatras locais é associada, mas não conseguimos fazer ações mais efetivas pela sobrecarga de trabalho que já sentimos desde o ano passado. Muitos têm atendido junto a grupos da sociedade civil organizada que se formam para oferecer abrigo, comida e atendimento aos refugiados.
PED CAST SBP | "Neuroblastoma"
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