INFECÇÃO PELO ZIKA VIRUS. UMA BREVE REVISÃO.
Heloisa Helena de Sousa Marques
Doutora em Pediatria pela FMUSP-SP
Departamento de Infectologia – SBP – Atualizado em 20/07/2016
Etiologia
O Zika virus (ZIKV) é um RNA vírus, do gênero Flavivírus, família Flaviviridae. Foi identificado em 1947, na floresta Zika, em Uganda e recebeu a denominação do local de origem, após a sua detecção em macacos sentinelas (Rhesus 766 e Rhesus 771) para monitoramento da febre amarela (1,2). A infecção foi diagnosticada, através de estudos sorológicos, em humanos em 1952 em Uganda e Nigéria. No entanto, o primeiro isolamento do ZIKV em humanos foi realizado no soro de uma menina nigeriana de 10 anos de idade que apresentava a doença no 5º dia, com febre e cefaléia, durante a investigação de um surto com suspeição de febre amarela (3).
Ao longo dos anos, foram detectados casos isolados em países de África, no final da década de 70 na Indonésia. A partir 2007 foram descritas epidemias na Micronésia e outras ilhas do Oceano Pacífico e, mais recentemente, no Brasil, e agora em vários países da América Latina, América Central e Caribe.
Até o momento, são conhecidas e descritas duas linhagens do vírus ZIKV, uma africana e outra asiática (4,5). Esta última é a linhagem identificada no Brasil e estudos publicados em 25 de novembro de 2015 indicam adaptação genética da linhagem asiática (6).
Modo de transmissão
O ZIKV é transmitido através da picada de mosquitos do genero Aedes, tendo sido isolado em 1948 a partir de um macerado de mosquitos da espécie A. africanus colhidos na floresta de Zika (7). Adicionalmente, este vírus veio a ser repetidamente isolado de mosquitos quer na África, como na Ásia, permitindo sugerir que espécies como A. africanus, A. aegypti e A. hensilliparticipem na sua manutenção em ambiente silvático (8-11). A competência vetorial para transmissão do ZIKV pelo A. aegypti e pelo A. albopictus impõe grande preocupação para a saúde pública. Estes artrópodes encontram-se amplamente distribuídos em zonas tropicais, subtropicais (A. aegypti) e temperadas (A. albopictus), abrangendo um enorme contingente de indivíduos suscetíveis (12-14).
Menos frequentemente, a transmissão do ZIKV tem sido relatada através da via sexual, perinatal (intraparto de uma mãe para a criança em período de viremia), por hemotransfusão e transmissão ocupacional (15-18). Não há relato de transmissão através do aleitamento materno apesar do RNA do ZIKV ter sido encontrado no leite humano (15).
A partir de outubro de 2015 foi relatado o aumento de crianças nascidas no Brasil com microcefalia. Devido à ocorrência temporal e geográfica de infecção pelo Zika vírus em gestantes em período anterior ao relato do aumento de microcefalia, uma possível associação com infecção pré-natal foi postulada. As evidências laboratoriais a partir de um número limitado de casos com microcefalia tem indicado para essa potencial associação (19-22).
Manifestações Clínicas
Doença aguda
O período de incubação varia aproximadamente entre três a 12 dias depois da picada do mosquito infectado (23). A maioria das infecções permanece assintomática (entre 60% e 80%) (24). As manifestações clínicas observadas, até o momento são: exantema, prurido e febre baixa ou ausência de febre, acompanhado ou não de mialgias, artralgia, edemas articulares e cefaleia. Os sinais e sintomas ocasionados pelo vírus Zika, em comparação aos de outras doenças exantemáticas (DENV, CHIKV e sarampo), incluem um quadro exantemático mais acentuado e hiperemia conjuntival, sem alteração significativa na contagem de leucócitos e plaquetas (25). Em geral, o desaparecimento dos sintomas ocorre entre 3 e 7 dias após seu início. No entanto, em alguns pacientes, a artralgia pode persistir por cerca de um mês (26). Na tabela 1, é apresentada uma síntese comparativa de sinais e sintomas das três doenças.
Tabela 1. Comparação de sinais e sintomas para Dengue, Chikungunya e Zika.
Sinais/Sintomas | Dengue | Chikungunya | Zika |
Febre | ++++ | +++ | 0/++ |
Tempo de febre | 4-7 dias | 2-3 dias | 1-2 dias |
Mialgia/artralgia | +++ | ++++ | ++ |
Edema de extremidades | ++ | ||
Exantema maculopapular | ++ | ++ | +++ |
Frequência do exantema | 30%-50% | 50% | 90%-100% |
Prurido | + | + | ++/+++ |
Dor retroorbitária | ++ | + | ++ |
Conjuntivite | + | +++ | |
Linfadenopatia | ++ | ++ | + |
Hepatomegalia | +++ | ||
Leucopenia/trombopenia | +++ | +++ | |
Hemorragia | + |
Adaptado de (25,27)
Descrição dos quadros de microcefalia possivelmente associados à infecção intrauterina pelo Zika virus
Em 22 de janeiro o grupo Zika Embryopathy Task Force (SBGM–ZETF), da Sociedade Brasileira de Genética Médica publicou o relato de 35 casos de crianças portadoras de microcefalia e outras alterações neurológicas possivelmente relacionadas à infecção pelo ZIKV. Foram revistos os dados referentes á gestação (história de exposição, sintomas e testes de laboratório), exame físico das crianças e outras informações segundo um protocolo padronizado. A microcefalia foi definida como perímetro cefálico igual ou inferior a dois desvios-padrão para a idade gestacional e sexo da criança ao nascimento. Os autores referem ainda a dificuldade de confirmar o diagnóstico de infecção pelo ZIKV retrospectivamente. Dentre as mães, houve referência de presença de exantema em 26 (74%), sendo que em 21, durante o primeiro trimestre e em cinco, no segundo trimestre da gravidez. Todas as mães, mesmo aquelas que não tiveram exantema na gravidez referiram que ou residiam ou viajaram para áreas onde havia circulação do ZIKV.
Foram analisados os dados de 35 crianças, 25 (74%) crianças tinham microcefalia grave (Perímetro Cefálico (PC) menor que três desvios-padrão). Os achados de tomografia de crânio ou de ultrassom craniano transfontanela mostraram um padrão consistente de calcificações cranianas disseminadas, particularmente nas áreas periventriculares, parenquimatosas e talâmicas e nos gânglios da base e, estavam associadas em cerca de 1/3 dos casos com anormalidades de migração celular (lissencefalia, paquigiria). O aumento dos ventrículos secundário à atrofia cortico/subcortical também foi frequentemente relatado. Em 11 (33%) crianças foi observado excesso de couro cabeludo, indicando uma parada no crescimento cerebral, mas não do crescimento do couro cabeludo. Quatro (11%) das crianças tinham artrogripose, indicativo de envolvimento do sistema nervosos periférico. Todas as 35 crianças dessa coorte tinham testes negativos para sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovirus e vírus herpes simplex. Todas as amostras de líquido cefalorraquidiao foram encaminhadas para laboratórios de referência para realização de testes para identificar ZIKV, mas até o momento da publicação os resultados não estavam disponíveis (28).
No dia 4 de março de 2016 foi publicado mais um artigo de autores brasileiros no New England Journal of Medicine que estão avaliando a evolução de 88 gestantes do Rio de Janeiro que apresentaram exantema durante a gravidez. Dentre as 88 mulheres, 72 (82%) apresentaram teste positivo para ZIKV no sangue, urina ou ambos. A infecção aguda pelo ZIKV ocorreu entre 5 e 38 semanas de gestação. As manifestações clínicas mais frequentes foram exantema macular ou maculopapular descendente e pruriginoso, congestão conjuntival e cefaleia; 28% tiveram febre baixa e de curta duração. A ultrassonografia fetal foi realizada em 42 (58%) das mães positivas ZIKV e em todas as mães ZIKV-negativo. Anormalidades fetais foram detectadas em 12 (29%) de 42 das gestantes ZIKV-positivas e em nenhuma das 16 gestantes ZIKV-negativas. Os achados adversos encontrados até o momento (algumas gestações ainda estão em curso) foram morte fetal com 36 e 38 semanas de gestação (2 fetos), restrição do crescimento intrauterino com ou sem microcefalia (5 fetos), calcificações ventriculares ou outras lesões em SNC (7 fetos) e volume do fluido amniótico anormal ou fluxo da artéria umbilical alterado (7 fetos). Até o momento, oito das 42 mulheres que fizeram ultrassonografia tiveram os bebes e os achados ultrassonográficos foram confirmados. Os autores concluem que a despeito do quadro clinico ter sido leve nas gestantes, a infecção pelo ZIKV durante a gestação parece estar associado com desfechos graves, incluindo morte fetal, insuficiência placentária, restrição de crescimento fetal e lesões do sistema nervosos central(29).
Também tem sido identificadas manifestações oftalmológicas, publicadas por pesquisadores brasileiros, em que 29 crianças com microcefalia, originárias da Bahia, foram avaliadas e 10/29 (34,5%) apresentavam anormalidades oculares (pigmentação focal da retina, atrofia coriorretiniana, anormalidades do nervo óptico, subluxação do cristalino, coloboma na íris etc) sendo que em 70% dessas, as lesões eram bilaterais. (30).
Outras informações poderão ser encontradas no Protocolo de atenção à saúde e resposta à ocorrência de microcefalia relacionada à infecção pelo vírus Zika, do Ministério da Saúde do Brasil no seguinte endereço eletrônico (31). http://combateaedes.saude.gov.br/images/sala-de-situacao/04-04_protocolo-SAS.pdf
Síndrome de Guillain-Barré (SGB)
Recentemente, foi observada uma possível correlação entre a infecção ZIKAV e o aumento de ocorrência de síndrome de Guillain-Barré (SGB) em locais com circulação simultânea do vírus da dengue (32,33). O mesmo tem sido observado no Brasil.
Diagnóstico
O diagnóstico da infecção ou doença aguda é baseado na detecção do RNA viral em espécimes clínicos de pessoas agudamente doentes ou infectadas. O período virêmico parece ser curto, permitindo a detecção do vírus durante os primeiros 3 a 5 dias depois do início dos sintomas. O vírus tem sido detectado na saliva com maior frequência do que no sangue dentro da primeira semana de doença (34) e também tem sido detectado na urina por mais de 10 dias (35). A partir do 5º dia de evolução é possível o diagnóstico sorológico (ELISA ou imunofluorescência) através de pesquisa de anticorpos IgM e IgG anti-Zika. Tem sido relatado reações cruzadas com outros flavivírus como o vírus da dengue e da febre amarela, o que pode dificultar o diagnóstico, e nas fases iniciais os títulos têm sido muito baixos (36) . Recomenda-se a confirmação por técnica de neutralização, soroconversão ou o aumento de quatro vezes os títulos, em amostras pareadas da fase aguda e de convalescência. Os resultados deverão ser interpretados segundo a avaliação do estado vacinal contra a febre amarela e de exposição prévia a outras infecções por flavivírus, particularmente pelos vírus da dengue. (37,38).
No Brasil, recentemente, a ANVISA (fonte: www.anvisa.gov.br) aprovou o registro de cinco diferentes produtos para detecção de infecção pelos três vírus, Zika, Dengue e Chikungunya, tanto os testes moleculares como os sorológicos. Para maiores detalhes, ler a nota da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica (39).
Toda a rotina para o diagnóstico de crianças nascidas com microcefalia ou outras alterações possivelmente relacionadas com a infecção intrauterina está detalhadamente descrita nos documentos oficiais, cuja última versão foi publicada em fevereiro de 2016 (30).
Bibliografia
4.Balm MND, Lee CK, Lee HK, Chiu L, Koay ESC, Tang JW. A diagnostic polymerase chain reaction assay for Zika virus. J Med Virol 2012; 84(9):1501–5.
Acta Med Port 2015 Nov-Dec;28(6):760-765 .
33.Oehler E, Watrin L, Larre P, Leparc-Goffart I, Lastere S, Valour F, et al. Zika virus infection complicated by Guillain-Barre syndrome–case report, French Polynesia, December 2013. Euro Surveill. 2014;19.
39.Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial. Posicionamento oficial da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial referente ao diagnóstico laboratorial do Zika vírus.