ÉTICA E BIOÉTICA

Aspectos éticos e bioéticos da gravidez na adolescência

Embora sendo substantivo feminino, não é realidade que a adolescência tenha sido engravidada! Então, pedimos licença aos léxicos, aos biólogos e aos literatos para engravidar o adolescente, este, sim, um substantivo de dois gêneros, dois seres humanos com idades entre 12 e 18 anos segundo o ECA (Lei 8069, de 13 de julho de 1990), um de cada gênero, que se engravidam e começam suas preocupações e tentações por uma solução para o “problema”.

A complexidade da avaliação situacional cresce em paralelo às grandes preocupações epidemiológicas quanto ao fenômeno “gravidez nos adolescentes”, expressão mais adequada que gravidez na adolescência e que tem o condão de envolver o adolescente masculino responsável.

A ética, preocupada essencialmente com o comportamento e a conduta humanos, aprecia quanto ao bem ou ao mal os fatos aqui comentados: sua natureza biológica, social, emocional, afetiva e espiritual.

A moral cuida das regras de conduta, dos costumes, num certo lugar e num certo tempo. Tais costumes das pessoas ou da sociedade se modificam com o passar do tempo, podendo vir a ser aceitos ou não; se aceitos consolidam-se naquele lugar e naquele tempo.

A bioética, como “ética das questões da vida”, ao fazer a ponte entre as ciências e as humanidades, procurando pormenorizar as inúmeras imbricações que dois seres adolescentes de gêneros opostos, impelidos por momentos de curiosidade e prazer nascente, a julgar-se autônomos, esquecem da possibilidade biológica de procriar um novo ser muitas vezes de futuro globalmente incerto. Não souberam ou não puderam sopesar suas responsabilidades. Não conseguiram negar, nem assentir e nem consentir; não estavam ambos esclarecidos e nem preparados em todos os sentidos, portanto órfãos de autonomia. Tornam-se, assim, carentes de acolhimento e de beneficência.

 Observa-se, de modo quase generalizado, que se procura solucionar, profilaticamente, o problema pelo lado da enfática orientação à adolescente (gênero feminino), esquecendo-nos do adolescente (gênero masculino) igualmente protagonista. Se, ocasionalmente ocorreu agressão sexual pelo uso da força, entra-se na esfera penal.

Para um tema tão complexo, cheio de dilemas, conflitos, problemas e até tragédias em suas análises, soluções e desfechos, vê-se uma vez mais que a educação no assunto se impõe; educar sobre sexualidade, seu alvorecer e despertar deve estar presente entre pais e mães, entre educadores, pediatras e toda uma sociedade responsável como se observa em países de primeiro mundo.

Conversar com os filhos jovens sobre sexualidade faz parte do aperfeiçoamento da humanidade a conseguir o início da atividade sexual para momento adequado, quando ela poderá ser compreendida em seu mais elevado entendimento do que é o amor.

Não se deve olvidar da importante vulnerabilidade da faixa etária dos adolescentes uma vez que são seres em reorganização exterior e interior, numa transição em que busca se entender como integrante de uma complexa vida gregária.

O artigo 227 de nossa Constituição de 1988 positiva que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Bem, se a Carta Magna fosse atendida como dever que é, não teríamos tanto sofrimento nesse grupo etário tão suscetível.

Nós, pediatras, do ponto de vista formal, temos um direcionamento: a Medicina do Adolescente está compreendida no exercício da especialidade Pediatria e os adolescentes e as adolescentes têm direito (derivado de nosso dever) de receber orientação sobre Saúde Reprodutiva.

Além de tal assertiva, o Documento Científico do Departamento de Medicina do Adolescente da SBP, datado de 16 de março de 2023, intitulado “Leis e Normas que embasam o atendimento do adolescente nas Unidades de Saúde” deixa claro que “é urgente a necessidade de implementação e ampliação de políticas públicas e programas voltados especificamente para a saúde do adolescente brasileiro pois trata-se de uma questão de direito à vida e ao futuro dessa população”.

Gravidez no período da adolescência é gravidez de risco: risco biológico, risco psicoafetivo, risco emocional, risco social, risco espiritual e risco humanitário; para todos os envolvidos.

A Pediatria é uma especialidade diferente, não se detém a partes do corpo de uma pessoa, mas ao todo do ser imerso em sua vida e em seu entorno, micro e macro.

O pediatra não deve se pautar em essência, na medicalização de seus atos profissionais, mas sim compreender a dimensão de sua abrangente missão de conduzir pessoas ao seu futuro saudável em todos os sentidos.

Mas também nenhum segmento da sociedade pode abrir espaço para profundos vazios éticos.

Como registrou Kübler-Ross: “Nenhuma teoria ou ciência do mundo ajuda tanto uma pessoa quanto um outro ser humano que não tem medo de abrir seu coração para seu semelhante”.

Segundo Serodio, apud Gallian, 2002, “a educação humanística do futuro médico não é saudosismo, é vanguarda”.

Lidar com a segurança dos seres em crescimento e desenvolvimento, lidar com os seres que compõem a adolescência é tarefa nobre de todos, é participar com responsabilidade do futuro da humanidade, é corroborar a evolução convencional, mas também transcendental do planeta.