Os primórdios
Na década de 1940, na região metropolitana de Porto Alegre (RS), de cada 1.000 nascidos vivos apenas 780 ultrapassavam os cinco anos de idade. Nesta época tanto na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, assim como nos hospitais privados, as crianças eram atendidas de modo disperso, sem atenção específica. Tornou-se imperativo a construção de um hospital exclusivo para crianças, seguindo uma tendência mundial de abertura de hospitais exclusivamente pediátricos. A oportunidade surge ao final da 2ª Guerra, quando ficou disponível um terreno no 4º distrito da cidade, que fora destinado à construção de abrigo antiaéreo. Aquela era uma região alagadiça, habitada por comunidades carentes mas, também, um local estratégico, pois situava-se na entrada da cidade, sendo facilmente acessível para pacientes vindos do interior do estado.
Com doações e aporte governamental, foi inaugurado em 1953, nesta área, o primeiro hospital pediátrico do Rio Grande do Sul, o Hospital da Criança Santo Antônio (HCSA), vinculado à Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (ISCMPA), com 10 mil m² de área construída e 250 leitos de internação clínica e cirúrgica. Teve como primeiros diretores pediatras de grande prestigio na comunidade gaúcha: Décio Martins Costa, Carlos Niderauer Hofmeister e Raul Gastão Seibel, os quais garantiram um crescimento constante da instituição, mesmo atendendo a uma população carente e desprovida de plano assistencial.
O HCSA notabilizou-se desde seus primórdios pelo atendimento de doenças infecto contagiosas. Dispunha de uma ampla área de isolamento onde eram atendidas crianças com poliomielite, difteria, sarampo, coqueluche, meningites, entre outras. Durante a epidemia de meningococos (1972 e 1973), o HCSA apresentou a menor taxa de mortalidade nesta epidemia entre os hospitais brasileiros pela adoção de um protocolo elaborado sob a liderança dos Drs. Gentil Bonetti e Benito Sovieiro. A partir da década de 1960, a disciplina de Pediatria e Puericultura da antiga Faculdade Católica de Medicina de Porto Alegre (atual Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre -UFCSPA) era totalmente ministrada nas instalações do HCSA, sendo seus professores responsáveis também pela assistência ali prestada, em conjunto com alguns médicos credenciados pelo antigo INAMPS. O HCSA foi um dos pioneiros no Rio Grande do Sul na oferta de vagas para residência de Pediatria, ainda nos anos primórdios dos anos 1960-1970, em uma época em que as bolsas eram escassas e obtidas junto a empresas e indústria.
Nas décadas que se seguiram, o HCSA foi ampliando sua atuação assistencial, com a incorporação de equipes de especialidades com grandes lideranças nas respectivas áreas, tais como: Cirurgia Pediátrica (Ubirajara I Motta, Hilberto Almeida), Neurocirurgia (Mario Coutinho), Cirurgia Plástica (Joel Barcellos), Radiologia (José Flores), Ortopedia (Mario Dirani e Celso Jacobus), Cardiologia (Céo Paranhos e Nestor Daut), Nefrologia (Décio Martins Consta Jr e Noemia Goldraich), Otorrinolaringologia (Antônio Macedo Linhares), Hematologia (Renato Faillace), Endocrinologia (José Dinis Breda), Gastroenterologia (Alfredo Cantalice neto e Themis Silveira), UTI Pediátrica (Katia Giugno, Tania R. Maia e Jefferson Piva), Dermatologia (Nelson Ricachinewsky), Pneumologia (Gilberto B. Fischer) e, finalmente, na década de 1990 a Cirurgia Cardíaca (Fernando Lucchese e Aldemir Nogueira).
Apesar das inúmeras reformas, ampliações e incorporação de tecnologia, o HCSA ao final dos anos 1990 enfrentava o dilema da duplicidade de recursos diagnósticos com a própria instituição-mãe (ISCMPA). O fato do HCSA estar distante da ISCMA tornava-se agora um impedimento para seu crescimento e progresso. Foi então definida pela construção de “novo” HCSA nas dependências da ISCMPA, em uma área central da região metropolitana de Porto Alegre. Assim, a antiga unidade encerrava suas atividades em 2002, quando contava com 266 leitos, 20 leitos de UTI pediátrica, unidade de Oncologia Pediátrica, unidades cirúrgicas, unidades de isolamento, emergência pediátrica com grande movimento.
O “novo” HCSA e sua relevância na pediatria nacional
Em outubro de 2002, o HCSA muda para o centro da cidade, unindo-se aos outros 7 hospitais do complexo hospitalar da Santa Casa, em um prédio construído com verba de doações da comunidade gaúcha. Foram erguidos 8 andares, sendo 4 deles de internação clínica e cirúrgica, um andar inteiro de bloco cirúrgico, com sete salas e 14 leitos de recuperação, um andar de UTI pediátrica com 30 leitos, um andar para centro de imagens e ambulatórios de Pediatria e especialidades pediátricas. Inicialmente, a emergência pediátrica destinada aos pacientes oriundos do sistema único de saúde era separada da emergência pediátrica de convênios e particulares, posteriormente, estas foram unificadas. O perfil do hospital mudou, acompanhando as mudanças da própria pediatria. As subespecialidades cresceram, especialmente as cirúrgicas. Ao longo dos últimos anos, o hospital tornou-se referência de neurocirurgia (Jorge Bizzi e André Bedin), cirurgia da epilepsia (Eliseu Paglioli), cirurgia pediátrica geral (Rafael Dyel e Fabrício Barcelos), inclusive com o primeiro caso de cirurgia robótica pediátrica do RS (em 2023), cirurgia cardíaca (Aldemir Nogueira, Daniel Hoyer e Paulo Roberto Prates), cirurgia torácica (Cristiano Andrade, Júlio Espinel, José Carlos Felicetti), otorrinolaringologia (José Lubianca), cirurgia ortopédica e de coluna (Sílvio Coelho, Nilson Rodrigues, Sérgio Zylberstein e Samuel Conrad), cardiologia intervencionista (Carlo Pilla), equipe anestésica pediátrica (Nilton Delatorre e Pedro Dutra), infectologia (Fabrízio Motta), oncohematologia pediátrica e transplantes de órgãos. Atualmente, é o único hospital pediátrico brasileiro com capacidade para realizar transplante de coração, rim, fígado e pulmão (equipe do José Camargo). O primeiro tx renal pediátrico realizado no RS, foi na Santa Casa, em 1977. Desde 2002, os transplantes renais pediátricos do estado são assistidos no HCSA, pela equipe da Clotilde Garcia e Viviane Barros, tornando o RS o segundo com maio número de transplantes do país (933 procedimentos ao longo de 46 anos). Em relação aos transplantes hepáticos houve duas fases. A primeira, de 2000 a 2008, equipe liderada por Antonio Kalil e Alfredo Cantalice Neto e as médicas Cintia Steinhaus e Carmen Vinhas Santos. A segunda fase, a partir de 2013, se mantém até os dias de hoje já contabiliza mais de 100 transplantes pediátricos. A equipe é chefiada por prof. Antonio Kalil e Flavia Feyer e é constituída por Cristine Trein, Angelica Lucchese, Mayra Machrye Rodrigo Mariano. Na condução clínica do programa, a chefia é da professora Cristina Targa Ferreira e da médica Melina Melere. Colaboram Carolina Soares da Silva, Cintia Steinhaus, LuizaNader, Vanessa Scheeffer e Matias Epifanio.
O hospital mantém convênio com instituições internacionais, como Barcelona, associado ao Centro de Medicina Fetal, possibilitando cirurgias intraútero, Instituto Brugada, realizando ablações de arritmias graves (Salomão Shames) e Riccardo Superina, italiano radicado em Chicago, nos EUA. Desde 2016, o professor Superina realiza anualmente, no HCSA, procedimentos cirúrgicos inovadores em pacientes com hipertensão de vários estados do país que vêm buscar atendimento especializado.
Desde o final do século passado, as malformações congênitas tornaram-se a segunda principal causa de mortalidade infantil, sendo as cardiopatias congênitas a principal. Assim, em 2015, novamente uma ação da comunidade, liderada pelas Voluntárias pela Vida e visando atender a demanda diária de leitos para atendimento de crianças portadoras de malformações e suas correções, foi construída uma nova UTI pediátrica, no subsolo do hospital, ajudando a suprir uma necessidade do estado em leitos de terapia intensiva. Foram acrescentados 10 aos já existentes 30 leitos da UTI pediátrica.
Para termos ideia do volume de atendimento no HCSA, no ano de 2023, foram realizados 96468 consultas, 11545 internações, 7894 cirurgias, 21723 exames radiológicos e 49 tx pediátricos, incluindo crianças não só do RS, mas de outros estados da federação, procurando procedimentos que não são realizados em sua região de origem.
Passaram pela direção do hospital Erico Faustini (responsável pela transição do velho com o novo HCSA), José Felicetti, responsável pela obtenção do selo da Joint Commission para o HCSA (primeiro hospital pediátrico a obter), Themis Reverbel da Silveira, fomentando ensino e pesquisa e aumentando a ligação com o núcleo acadêmico da UFCSPA com a criação do Programa de Pós-Graduação de Pediatria, além de gerar o embrião do atual Instituto Materno Fetal. Desde 2019, Fernando Lucchese é o diretor do hospital, fortalecendo os serviços e propiciando o crescimento de todas as especialidades cirúrgicas.
Atualmente, o hospital conta com 160 leitos de internação, 16 leitos de emergência pediátrica, liderada por Aline Botta, 40 leitos de terapia intensiva, com Claudia Ricachinevsky, Viviane Angeli e Raissa Rezende, 14 leitos de sala de recuperação, sendo um dos 8 hospitais que compõem a Cidade da Saúde que é a Irmandade Santa Casa de Porto Alegre.