HOMENAGEM PÓSTUMA

Tributo ao dr. Júlio Dickstein

Dr. Júlio Dickstein nasceu em 1923, em São Paulo, e cresceu em Caçapava, no interior do estado. Um distúrbio gastrointestinal grave, depois diagnosticado como intolerância à lactose, marcou sua vida e o influenciou a querer ser pediatra desde pequeno. Ingressou na Faculdade Nacional de Medicina, no Rio de Janeiro, em 1943, e logo começou a trabalhar como propagandista do laboratório farmacêutico Moura Brasil, onde ficou durante os seis anos de sua formação médica.

Dr. Júlio Dickstein representou uma influência positiva para a carreira de inúmeros pediatras. Fica no coração de todos aqueles que conviveram com esse mestre o nobre exemplo do seu compromisso, ética e excelência profissional. Conforme salientou a atual presidente da ABP, Dra. Sandra Grisi, o Dr. Júlio foi um verdadeiro expoente da especialidade. “Manteve uma vida de profícua produção intelectual, bem como nas áreas de formação de novos pediatras e da assistência direta à população infantojuvenil, inclusive com memoráveis ações no campo social. Sua partida foi uma perda irreparável. A todos os amigos e familiares, a Academia expressa os mais sinceros sentimentos”.

Ao longo de sua extensa jornada, Dr. Júlio trabalhou em diversas frentes em prol da assistência das crianças e dos adolescentes brasileiros. Na Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), ocupou a presidência da entidade na gestão 1974-1975 e atuou, em diferentes momentos, em Departamentos Científicos, como o de Pediatria Ambulatorial, Terapia Intensiva e Cuidados Primários e nos Grupos de Trabalho sobre Previdência Privada e Comissão Eleitoral. Também foi um dos responsáveis pela expansão nacional da Sociedade e do Jornal de Pediatria (JPed).

Formou-se em 1949, na Faculdade Nacional de Medicina, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O pediatra sempre esteve à frente de seu tempo: foi o precursor no tratamento da eritoblastose fetal por exsanguíneotransfusão feita pela primeira vez no Brasil, por ele e Prof. Torres Barbosa, no Hospital dos Servidores do Estado (HSE); criou a primeira Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica da capital carioca, também no mesmo Hospital, que formou os primeiros especialistas nessa área; e inovou o processo de alimentação parenteral total em crianças utilizando um lipídio de soja.

Quando se formou, em 1949, já fazia estágio em Pediatria na Policlínica de Botafogo, com o Prof. Luis Torres Barbosa, introdutor da neonatologia científica no Brasil, que o aconselhou a fazer dois anos de Residência em Pediatria no Hospital dos Servidores do Estado (HSE). Como tinha facilidade em pegar a veia de uma criança pequena, muitas vezes era ele mesmo quem introduzia soro, medicamentos e sangue diretamente na venóclise.

Quando terminou a Residência, o serviço de Banco de Sangue do Hospital insistiu que Júlio Dickstein fosse contratado como hemoterapeuta. Em 1954, passou no concurso público e tornou-se pediatra do HSE. Em 1967, o HSE criou a primeira Unidade de Terapia Intensiva (UTI) infantil do Rio de Janeiro e Dickstein foi convidado a dirigi-la. Em 1979, foi convidado pelo diretor do Hospital, Dr. Aloysio de Salles Fonseca, para chefiar a Divisão Médica. No ano seguinte, por decreto presidencial, foi nomeado presidente do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS).

Em 1982, saiu do INAMPS, por divergência política, e foi trabalhar com Léa Leal na Legião Brasileira de Assistência (LBA), onde implantou as ações básicas de saúde no Brasil: vacinação, estímulo ao aleitamento, terapia de reidratação oral e ensinamentos básicos de higiene para a mãe cuidar de seu filho. Em 1993, aposentou-se da Medicina e passou a trabalhar voluntariamente, atendendo meninos de rua na Fundação São Martinho, no Rio de Janeiro.

Como militante associativo, começou a participar da SBP assim que se formou. Quando assumiu a Presidência desta, em 1974, a Sociedade tinha uma única sala no Centro do Rio, com dois funcionários. Na época, as ações da instituição se restringiam à cidade do Rio de Janeiro, seus presidentes e membros eram, em sua maioria, cariocas e a entidade era, de fato, uma sociedade "carioca" com o termo “brasileira” no nome. A mensalidade paga pelos associados mal dava para custear a tiragem de dois ou três números de Jornal de Pediatria por ano.

Para se tornar nacional, a Sociedade deveria inicialmente incorporar São Paulo e Minas Gerais, já que outras sociedades eram inexistentes ou menos expressivas. A Sociedade Paulista se tornava muito independente e a Paranaense e Gaúcha também cresciam. Por iniciativa de Júlio Dickstein e Fernando Nóbrega, de São Paulo, a SBP e a Sociedade de Pediatria de São Paulo estreitaram relação, e Nobrega foi eleito o primeiro presidente realmente nacional. Em seguida deveu-se também a ele a eleição de Navantino Alves Filho, de Minas Gerias, para presidente.

Dickstein também conseguiu um patrocinador para o Jornal de Pediatria, saneou as dívidas da SBP e liderou a compra de três salas no Colégio Brasileiro de Cirurgiões, onde a entidade instalou sua nova sede desde então. A partir daí, a SBP passou a ser cada vez mais brasileira e digna do respeito dos pediatras.

A formação e atualização de pediatras e a consequente melhoria no atendimento à criança eram as principais preocupações de Júlio Dickstein. Ele se revelou um pediatra preocupado com a coletividade no HSE e no INAMPS, e fez um trabalho de grande relevância na Legião Brasileira de Assistência e na SBP.

Com a criação da Academia Brasileira de Pediatria (ABP) por Dr. Mario Santoro, em 1997, seu nome logo foi incluído entre os primeiros 30 acadêmicos fundadores da ABP, ocupando a cadeira número 1, cujo patrono é Carlos Arthur Moncorvo de Figueiredo.

Na ABP, foi o responsável pela criação e realização anual dos Fóruns da ABP para a comunidade, realizados já em várias capitais brasileiras.

Júlio Dickstein, viúvo da sra. Mary Dickstein, faleceu aos 100 anos de idade e deixou filhos e netos, bem como um inestimável legado de dedicação e amor à pediatria brasileira.

Que Deus o tenha!