Estima-se que a prevalência da doença crônica na população pediátrica oscile entre 15 e 20% e, em decorrência dos avanços nos cuidados médicos, 90% delas avançam para a idade adulta, configurando a necessidade de um plano de transição desses pacientes para a Medicina do adulto. A Medicina de Transição é um campo emergente dentro da prática médica, que se concentra na transferência progressiva dos cuidados de saúde de jovens adultos com necessidades médicas para tratamento de doenças crônicas e/ou complexas que começaram durante a infância.
A doença crônica impõe às crianças e adolescentes e suas famílias adaptações e estratégias para seu enfrentamento e suporte às necessidades. Nesse sentido, o acompanhamento da família e da criança durante todo o processo do tratamento realizado pelo pediatra, hebiatra e equipe de saúde acontece em termos especiais, com o estabelecimento de vínculo de confiança e segurança na equipe de saúde, garantindo a integralidade do cuidado. Tão importante quanto o tratamento da doença em si, estão os cuidados diferenciados que a Pediatria oferece com uma abordagem levando em conta o contexto socioemocional e familiar em que os pacientes estão inseridos, pilares da boa prática pediátrica. Por isso, a transição para outro modelo de assistência, como acontece na Medicina do adulto é um período crítico na vida destes jovens adultos. Ao atingirem a idade adulta, muitos se veem perdidos em um sistema de saúde onde, na maioria das vezes, não encontram a mesma gama de atenção de cuidado e apoio que recebiam anteriormente. Isso pode resultar em lacunas e fragmentação dos cuidados, perda de continuidade e, em alguns casos, dificuldade para adesão à proposta terapêutica.
A Medicina de Transição busca abordar esses desafios, fornecendo uma abordagem coordenada e multidisciplinar para garantir a continuidade do tratamento e uma passagem suave e bem-sucedida para a Medicina do adulto. Isso envolve não apenas a transferência de cuidados de pediatras para médicos especializados em adultos, mas também a consideração de diversos fatores que garantam melhores resultados.
Por volta dos anos 2010, em alguns países, formaram-se grupos de estudo dos problemas relacionados à transição e houve elaboração de recomendações, programas e ferramentas para auxiliar profissionais de saúde, adolescentes e famílias a enfrentarem o processo.
Essas recomendações abordam as premissas que devem nortear a assistência a ser oferecida, como independência, autoadvocacia, educação em saúde e planejamento para o futuro. Uma das principais características da Medicina de Transição é o foco na autonomia do paciente. Os jovens adultos são incentivados a assumir um papel mais ativo em sua própria saúde, aprendendo a gerenciar suas condições médicas, entender seus tratamentos e tomar decisões informadas sobre sua saúde.
Dessa forma, é fundamental a decisão sobre o momento em que a transição deve ocorrer. A Academia Americana de Pediatria (AAP) recomenda que essa decisão seja baseada nas características e necessidades individuais do paciente e de sua família e não na idade cronológica. Nesse sentido, existem várias ferramentas práticas, como o Transition Readiness Assessment Questionnaire (TRAQ), elaborado e validado em 2008, nos Estados Unidos, e traduzido e validado no Brasil em 2018. Este questionário mede as habilidades necessárias para o sucesso da transição, assim como o progresso dos adolescentes em outras áreas, como educação, trabalho e vida diária. É composto de dois domínios, sendo que o primeiro avalia competências de autogestão (interpretação de prescrição, compreensão de efeitos colaterais do tratamento, manipulação de equipamentos médicos, agendamento de consultas), e o segundo, competências para autoadvocacia (comunicação com profissionais da saúde e gestão das atividades da vida diária, incluindo uso de recursos da escola e da comunidade).
No Canadá, a idade de transferência dos serviços de cuidados pediátricos para o atendimento a adultos é definida entre 16 e 19 anos com as seguintes recomendações:
Nos EUA, surgiu o Got Transition/Center for Health Care Transition Improvement (Centro para a Melhoria de Transição de Cuidados de Saúde), que introduziu o conceito Six Core Elements of Health Care Transition (Seis Elementos Essenciais de Transição de Cuidados de Saúde).
Os componentes incluem o estabelecimento de uma estratégia que habilite os adolescentes:
A abordagem multidisciplinar e a colaboração entre as equipes médicas também desempenham um papel crucial na Medicina de Transição. Os pacientes muitas vezes requerem cuidados de uma variedade de especialistas, e é essencial que esses profissionais trabalhem em conjunto para garantir uma abordagem integrada e coordenada.
Além disso, a medicina de transição reconhece a importância do apoio psicossocial durante esse período de mudança. Muitos jovens adultos enfrentam desafios emocionais e sociais ao lidar com a transição para a vida adulta, especialmente quando combinados com questões de saúde complexas. Portanto, os programas de medicina de transição frequentemente oferecem suporte para questões como ansiedade, depressão, isolamento social e dificuldades de ajuste.
Em suma, a medicina de transição é fundamental para garantir que os jovens adultos com necessidades médicas complexas e/ou crônicas recebam cuidados contínuos e inclusivos à medida que fazem a transição da pediatria para a medicina para adultos.
Atualmente, várias instituições e centros médicos em todo o mundo estão avançando no campo da Medicina de Transição, oferecendo serviços abrangentes e inovadores para jovens adultos com necessidades médicas complexas e/ou crônicas. Cada um desses centros oferece uma abordagem ampla e centrada no paciente para garantir uma transição suave e bem-sucedida para a medicina para adultos, garantindo um cuidado abrangente que leve em consideração não apenas as necessidades médicas, mas também os aspectos emocionais, sociais e psicológicos desses pacientes.
Bibliografia:
Matthew J. Meyers, Charles E. Irwin. Health Care Transitions for Adolescents – PEDIATRICS, Volume 151, number S1, April 2023.
Toulany, A; Gorter, J W; Harrison, M E. Appel à l’action: des recommandations pour améliorer la transition des jeunes ayant des besoins de santé complexes vers les soins aux adultes - Paediatrics & Child Health, Vol. 27, No. 5, 2022.
SBP. Documento científico - Adolescência: doença crônicas e ambulatórios de transição - Nº 19, julho de 2020.
Pastura, P S V C; Paiva, C G. Transição dos cuidados de pacientes com doenças crônicas da pediatria para a medicinade adultos: práticas de um hospital terciário no Brasil – revistadepediatriasoperj, volume 18, No. 2, junho de 2018.