Encontrei recentemente um renomado professor de Pediatria que vislumbra, neste século 21, uma progressiva redução da importância e abrangência da Pediatria. Seu prognóstico se baseia em alguns fatos como: a impressionante redução na mortalidade infantil (de 170 mortes no 1º ano de vida para cada mil nascidos vivos nos anos 1970, para menos de dez, na atualidade); a baixa taxa de fecundidade (reduzindo-se de 6 gestações nos anos 1960 para as atuais 1,9 gestações por mulher fértil), causando, inclusive, inversão da pirâmide populacional brasileira; a erradicação de inúmeras doenças através de ampla cobertura vacinal; melhorias no saneamento básico e urbanização, assim como, o aumento da rede de saúde primária a disponível, entre outras.
Essa previsão pessimista me lembrou um editorial publicado no Journal of Pediatrics em 1937 de autoria de John L Morse, o qual vaticinava: “É evidente que as oportunidades para pediatras a partir de agora não serão tão grandes como foram no passado. Há 40 anos a pediatria era um campo virgem sendo agora hipercultivado!.... Meu conselho aos jovens médicos: escolha a Geriatria ao invés da Pediatria”. Neste editorial, o autor desconsiderou as mudanças que já ocorriam no mundo naquela época e que trariam enormes benefícios e novos desafios para a assistência pediátrica no planeta. Mesmo considerando a baixa capacidade de prever o futuro baseado em fatos do passado, é importante revisar o caminho percorrido para identificar os acertos que nos trouxeram ao estágio atual, assim como para vislumbrar novas tendências. Pois, o futuro vai se desenhando a partir de um conjunto de novas realidades e desafios.
Estima-se que uma em cada três crianças nascidas hoje em países desenvolvidos possa atingir os 120 anos de vida. Entretanto, em países como o Brasil e Índia, com suas enormes diferenças, os desafios da Pediatria para os próximos anos mantêm algumas pendências do passado ainda não resolvidas, tais como a mortalidade neonatal (onde ocorre mais de 50% dos óbitos no 1º ano de vida), o recrudescimento de doenças preveníveis em função de queda na cobertura vacinal e regiões com dificuldades de infraestrutura (saneamento básico), entre outras. Por outro lado, novos desafios frutos de todo o desenvolvimento e progresso já se apresentam em nossa realidade, destacando-se: i) o aumento no número de crianças com complexidade médica (doenças genéticas, cardiopatias, doenças neurológicas, autismo, obesidade, diabetes, neoplasias etc.), que representam hoje 15% a 18% da população infantil; ii) distúrbios associados aos novos valores e configuração social (exposição precoce a álcool e drogas, excesso de tempo de telas de computadores, atividade sexual precoce, gravidez na adolescência, cyberbullying, aumento no número de suicídio, violência, entre outras); iii) readequação de uma matriz assistencial que possa atender a esta nova demanda. Iniciando por uma rede primária resolutiva que contemple e inclua o atendimento de crianças e adolescentes com complexidade médica. Seguindo-se por uma rede assistencial hierarquizada e regionalizada permitindo o fluxo bidirecional de pacientes mais complexos (referência e contrarreferência). Finalizando com o aumento de leitos de alta complexidade na rede hospitalar visando dar a retaguarda necessária a esta nova e crescente população da pediatria.
Neste contexto, o pediatra deverá também adequar-se, incorporando novas qualificações e habilidades. Tomando por base o que é proposto pela Associação Médica Canadense para os médicos exercerem a Medicina no novo século, poderíamos elencar seis áreas de interesse que o pediatra deveria, idealmente, dominar para atender às demandas e desafio deste neste novo século: a) constante atualização na aquisição de novos conhecimentos, competências e habilidades; b) intensa curiosidade científica e motivação para inovações; c) atitudes proativas na promoção da saúde de crianças e adolescentes; d) atuar como líder de equipe de saúde multiprofissional; e) desenvolver a perspectiva administrativa gerenciando recursos de saúde; e f) otimizar sua capacidade de comunicação.
Pelo acima exposto e contrariamente à previsão pessimista de meu colega, entendo que a Pediatria seguirá sendo uma especialidade fundamental no cenário da saúde da população. Entretanto, este protagonismo somente ocorrerá se nos adequarmos com a rapidez necessária aos novos desafios que se apresentam.