Em entrevista ao Boletim da Academia Brasileira de Pediatria (ABP), Dr. José Luiz Egydio Setúbal conta um pouco sobre sua carreira na especialidade, além de abordar temas como pesquisa e a parte social da Medicina. Titular da cadeira nº 29 da ABP, o acadêmico também é presidente da Fundação José Luiz Egydio Setúbal, aporte assistencial do Hospital Sabará, e vice-presidente do Instituto Pesquisa e Ensino em Saúde Infantil (Pensi), que promove atividades de pesquisa, ensino e sociais voltadas à criança e ao adolescente.
- Doutor, por que o senhor decidiu cursar Medicina e especificamente escolher a Pediatria? O senhor teve alguma influência?
Bom, eu venho de uma família de empresários. Não tive uma influência familiar na escolha e acho que a Medicina atraía muito mais na função de ajudar as pessoas. Acho que eu não me lembro muito porque eu escolhi ser médico, mas, desde adolescente, essa era a minha vontade. Mas eu tenho muito claro o motivo da escolher ser pediatra. Durante a faculdade, para mim, era claro que eu queria fazer uma carreira clínica dentro da Medicina e, ao final do curso, eu fiquei muito em dúvida entre fazer Pediatria ou Infectologia, e acabei decidindo pela primeira, muito pela função desta naquela época. Não foi a Pediatria que eu acabei fazendo, ou, pelo menos, não só o que eu acabei fazendo, que era a prevenção de doenças e promoção da saúde, que o pediatra fazia muito isso com a puericultura. E, para mim, o fascinante de ser pediatra era poder acompanhar aquele ser humano desde o nascimento até ele se tornar adulto. Então, essa foi a razão pela qual optei pela Pediatria.
- O senhor tem um lema de que crianças e jovens saudáveis tornam-se adultos saudáveis, gerando um ciclo e fazendo com a que sociedade seja mais justa e igualitária. Para o senhor, então, tudo começa na infância em todos os aspectos? Por quê?
Aí, não sou eu que falo. As pessoas que estudam. O James Heckman, que é o Prêmio Nobel de Economia de 2000, se não me engano, e é professor em Chicago, têm muitos estudos mostrando a importância da primeira infância, dos primeiros 1000 dias, como dizem os americanos, na formação do indivíduo. Então, a chance de uma criança, principalmente nos primeiros cinco, seis anos, que está no ambiente saudável e é saudável, de se tornar um adulto produtivo, que tenha um bom índice de aprendizado e que tenha uma saúde mental equilibrada e que seja uma pessoa socialmente responsável é muito alta, ao contrário daquela que está num ambiente que ele chama tóxico, de um estresse tóxico.
Então, se ela está cercada de violência, se ela está cercada de um ambiente não saudável, que não tenha esgoto, que não tenha água, que seja um ambiente ecologicamente deteriorado e emocionalmente também, então se ela é cercada por violências ou pobreza, desnutrição, a chance de ela se tornar uma pessoa com problemas de cognição, quer dizer, ela já não vai aprender, ao contrário do outro que gera um círculo virtuoso, esse vai gerar um círculo vicioso.
Ela não vai aprender, não vai ter um bom emprego, ela não vai ter uma boa saúde, não vai ter uma saúde mental adequada e vai ser quase que um peso social para aquela sociedade.
- Ao longo dos anos, o senhor adquiriu o Sabará Hospital Infantil, instituiu a Fundação que leva seu nome e criou o Instituto PENSI, do qual é vice-presidente atualmente. Qual é a relação entre os três, como eles se interligam?
Quando eu adquiri o Hospital Sabará, para quem é de São Paulo, ele era um pronto-socorro, tinha um pequeno hospital com 40 leitos e com um pronto-socorro muito ativo e muito grande, com renome. E ele foi comprado num plano de ele se tornar uma fundação, e os recursos que o hospital gerasse iriam sustentar a perenidade dessa fundação. E essa fundação ia se dedicar ao advocacy, a defesa da saúde, da infância e da adolescência.
O projeto do hospital visava transformá-lo num hospital pediátrico nos padrões mais americano. Nos Estados Unidos tem muito o que eles chamam de children hospital, que é uma visão de atendimento infantil um pouco diferente do que a gente tem aqui no Brasil. E como toda instituição, vamos dizer, que faz uma Medicina, não vou chamar séria, mas vamos dizer de impacto, ela está sempre acompanhada de uma boa assistência com uma parte de pesquisa e uma parte de ensino e educação. Então, esse projeto, que envolve essa fundação que leva o meu nome, envolvia isso: a assistência feita pelo hospital e a parte de ensino, pesquisa e educação feita pelo Instituto Pensi.
- E o senhor falou justamente do hospital pediátrico e, pesquisando sobre ele, a gente vê que ele é completamente voltado para o público pediátrico. Qual é a importância de ter um ambiente hospitalar assim para o atendimento de casos simples aos mais complexos?
É muito importante por vários motivos, mas não só isso a que você está referindo, à ambiência do hospital. Ele é importante porque, na maioria dos hospitais, as crianças que internam são menores de sete, oito anos. Então, são crianças que, ainda na fase de desenvolvimento pouco entendimento do que está acontecendo. Isto é, ter um ambiente que é menos estressante facilita para que essa criança tenha uma adequação ao tratamento e uma permanência menos estressante.
Agora, mais do que isso, acho que um hospital dedicado ao público infantojuvenil necessita ter o profissional da saúde com expertise em atender esse público. Então, no Sabará, o especialista é um pediatra especializado na naquela especialidade. Em muitos hospitais gerais, não. Quem atende aquela criança é um especialista, que é diferente de ter um pediatra especializado naquela doença, ou uma enfermeira que gosta de atender criança, fisioterapeuta que também é especializada em criança, e assim vai. Para você ter uma ideia, a gente tem no Sabará 30 tipos de máscara respiratória, que adequa o tamanho da criança, o tipo de doença que ela tem, provavelmente não tem nenhum outro hospital no Brasil que tenha tantos tipos de máscaras para crianças.
- Então, não basta ser só um hospital adaptado, é ter o profissional especialista, mas também especialista em atender ao público infantojuvenil.
E que gosta de atender criança. Então, o nosso técnico de Radiologia tem paciência para pôr a criança no exame e acalmar a criança, ou a pessoa que está atendendo também tem, ela sabe lidar com a família. Então, tudo isso, no conjunto das coisas, faz muita diferença.
- E saindo um pouquinho dessa questão, na sua opinião, a filantropia e o conhecimento científico são importantes para o avanço do cuidado pediátrico e até para promover novas políticas públicas, sendo pilares importantes para avanços do cuidado pediátrico a nível nacional? Por quê?
A nossa fundação tem esse propósito. Ela tem uma parte grande de pesquisa que ajuda a embasar políticas públicas. Temos pesquisas feitas juntamente com Ministério da Saúde para detecção precoce e tratamento de autismo, estou falando aqui especificamente de autismo. Mas nós também atuamos junto ao Congresso, dando embasamento científico para os legisladores que farão as leis para as políticas públicas.
No caso da Fundação José Luiz Setúbal, a gente atua em três áreas predominantemente, que é imunização, saúde mental, com o recorte da violência doméstica contra a criança, e segurança alimentar. Fazemos ou patrocinamos pesquisas e fóruns de políticas públicas uma vez por ano, realizando os levantamentos dessas pesquisas, e esse material depois é disponibilizado tanto no nosso portal quanto em material impresso, que é trabalhado junto aos deputados e senadores nas comissões especificas do tema.
- E ainda falando sobre questões de políticas públicas, para o senhor, quais são os principais desafios que o Brasil ainda enfrenta em relação à infância e à juventude?
Em um levantamento que nós fizemos em 2018, escolhemos esses três temas como prioritários para o Brasil. Naquela época, as taxas de imunização já estavam caindo. Elas vêm caindo desde 2015. Agora, este ano, parece que elas deram uma estabilizada e a curva deve voltar a subir. Mas a insegurança alimentar já era um problema, com a pandemia ela voltou ou ela aumentou muito. Hoje, se calcula que mais ou menos 30% das crianças estão com um nível de desnutrição e de insegurança alimentar muito grave.
E a violência também. Com a pandemia, a saúde mental foi abalada tanto nos jovens, que as taxas de suicídio aumentaram e os níveis de ansiedade, depressão e de jovens que necessitam de medicação aumentaram muito e, consequentemente, também a violência contra a criança, principalmente as mais vulneráveis, que são as crianças menores, é um problema sério.
Agora, tem todo o problema com as populações indígenas que, no começo desse ano, foi denunciado, da população ianomâmi. Mas aí é um problema muito grave que o Brasil precisa enfrentar, mas é um problema de uma minoria. Então, significativamente, o número de crianças é muito menor, embora seja um problema humanitário grave.
- O senhor gostaria de deixar alguma mensagem para quem nos assistir e estiver começando na Medicina, algo que o senhor gostaria de ter ouvido quando começou e não ouviu, algum conselho?
Eu tenho muito contato com jovens, até porque nós temos programa de Residência e recebemos muitos estagiários, não só residentes como acadêmicos de Medicina. E sempre me perguntam isso. E eu não sou um otimista para quem está se formando porque o número de pessoas, de médicos que estão entrando no mercado de trabalho este ou o médico quase uma commodity.
O que eu aconselho para a pessoa que quer praticar uma boa Medicina e quer ser reconhecido como um bom profissional é que faça uma boa Residência e procure se formar cada vez melhor, porque é o que vai diferenciá-lo dentro da profissão. Porque se só existe vaga para pouco mais de um terço dos médicos que se formam e as faculdades estão formando médicos aparentemente com uma capacidade de praticar a Medicina ruim, então a formação depois da faculdade é muito importante.
Para se praticar uma boa Medicina, ser um médico responsável e realizado não só do ponto de vista financeiro, mas do ponto de vista pessoal, ético, responsável, com bom desfecho para os pacientes, que procure se formar numa boa Residência e continue estudando para realizar o seu sonho.
- Qual sua mensagem final sobre a função do pediatra?
O pediatra, especificamente, pensando naquela pergunta que você fez da atuação em cima das crianças, ele pode ter um papel preponderante mesmo na saúde do indivíduo no decorrer da vida. E acho que essa função de promover a saúde e prevenir a doença, que é uma coisa que está na moda hoje quando se fala em saúde pública, talvez o pediatra tenha essa função social muito importante.