COMISSÃO CIENTÍFICA

FEBRE DE OROPOUCHE                                                                                                  

A situação atual no Brasil

As arboviroses têm sido um tema relevante e constante de discussão no Brasil devido à circulação de vários dos vírus responsáveis causando surtos epidêmicos e/ou estabelecendo-se como endemias.

As arboviroses são as doenças causadas pelos arbovírus, assim denominados devido à conjunção silábica de arthopod-borne virus, que incluem os gêneros Flavivirus (causadores da dengue, Zika e febre amarela), Orthobunyavirus (responsável pela febre Oropouche) e Alphavírus (associados à chikungunya e vírus Mayaro). 

Devido à semelhança nos sinais e sintomas, o diagnóstico diferencial entre esses vírus torna-se desafiador1. O diagnóstico laboratorial das arboviroses não apenas identifica o patógeno responsável pela infecção, mas também desempenha um papel crucial na investigação de casos graves. Além disso, é fundamental para a vigilância epidemiológica e detecção precoce de novas epidemias2.

Desde 2023, a vigilância laboratorial das arboviroses tem verificado um aumento da circulação do vírus Oropouche, que antes estava restrito a 3 ou 4 estados das regiões Norte e Centro-Oeste, e agora, em 2024, foram descritos casos em praticamente todo o território nacional, totalizando 9.216 casos com diagnóstico laboratorial até 22/11/20243.

Dois novos aspectos surgiram entre os casos de Febre de Oropouche neste ano, a identificação de casos muitos graves e óbitos e de transmissão vertical documentada, eventos não relatados previamente. Este texto pretende ser um breve resumo da doença e deste novo cenário preocupante.

O Oropouche é uma doença causada por um arbovírus (vírus transmitido por artrópodes) do gênero Orthobunyavirus, da família Peribunyaviridae. O vírus foi isolado pela primeira vez em 1959 em Trinidade, em um trabalhador rural. O Orthobunyavirus oropoucheense (OROV) foi identificado pela primeira vez no Brasil em 1960, em uma amostra de sangue de uma bicho-preguiça (Bradypus tridactylus) capturada durante a construção da rodovia Belém-Brasília. O primeiro surto urbano ocorreu em 1961, em Belém (PA), com cerca de 11 mil casos, mas também pode ter como hospedeiro os quatis e os saguis. Dezenas de surtos foram descritos desde então, na região Amazônica e no Centro-Oeste, com alguns determinando até cem mil casos. Também já foram relatados casos e surtos em outros países das Américas Central e do Sul4-6.

Na vigilância genômica do OROV, já foram identificadas várias espécies denominadas de Iquitos, Madre de Dios e Perdões; e, devido às características de seu genoma, muitos rearranjos são possíveis. Neste surto atual no Brasil, a espécie é o resultado do rearranjo de segmentos de duas espécies virais7.8.

A transmissão do Oropouche é feita principalmente pelo inseto conhecido como Culicoides paraensis. Depois de picar uma pessoa ou animal infectado, o vírus permanece no inseto por alguns dias. Quando o inseto pica uma pessoa saudável, pode transmitir o vírus.

Existem dois tipos de ciclos de transmissão da doença: a) Ciclo Silvestre: em que bichos-preguiça e primatas não humanos (e possivelmente aves silvestres e roedores) atuam como hospedeiros. Há registros de isolamento do OROV em algumas espécies de insetos, como Coquillettidia venezuelensis e Aedes serratus. No entanto, o vetor primário é o Culicoides paraensis, conhecido como maruim ou mosquito-pólvora; b) Ciclo Urbano: onde os humanos são os principais hospedeiros do vírus. O inseto Culicoides paraensis também é o vetor principal. O inseto Culex quinquefasciatus, comumente encontrado em ambientes urbanos, pode ocasionalmente transmitir o vírus também9.

O período de incubação é de 3 a 12 dias sendo acompanhado por um quadro de sintomas bastante semelhantes aos da dengue: febre de início súbito, dor de cabeça intensa, dor muscular, dor retroorbital, fotofobia, náusea e diarreia. Em raras ocasiões foram descritas manifestações como meningite asséptica, síndrome de Guillain Barré, epistaxe e petéquias.

Em geral, os quadros são autolimitados, com duração de 2 a 7 dias e a viremia perdura por 2 a 5 dias, com redução de 72% no segundo dia; e 44% e 23% no quarto e quinto dia, respectivamente10. Pode haver recidiva da doença com a manifestação de sintomas após 1 a 2 semanas do início do quadro. A maioria evolui sem sequelas a longo prazo9.

É importante destacar que os profissionais de saúde estejam capacitados para suspeitar e diferenciar essas doenças por meio de cuidadosa avaliação dos aspectos clínicos, epidemiológicos e laboratoriais e orientar as ações de prevenção e controle, visto que não há tratamento específico, recomendando-se repouso e tratamento sintomático.

Alguns cuidados que devem ser orientados: 1) evitar o contato com áreas de ocorrência e/ou minimizar a exposição às picadas dos vetores; 2) usar roupas que cubram a maior parte do corpo; 3) aplicar repelente nas áreas expostas da pele; 4) realizar a limpeza de terrenos e de locais de criação de animais e o recolhimento de folhas e frutos que caem no solo; 5) usar telas de malha fina em portas e janelas9.

Neste surto atual no Brasil, os pesquisadores destacam a ocorrência de dois óbitos no Estado da Baia de mulheres jovens, não estavam grávidas, com menos de 30 anos de idade e sem comorbidades que iniciaram com quadro de febre, mialgia, dor retro-orbitária e cefaleia, que progrediram rapidamente para falência respiratória, hipotensão, sangramento, dor abdominal e morte11,12. E também descritas até o momento três mortes fetais, duas identificadas ao nascer, com 30 e 31 semanas de gestação, e a outra criança nascida viva com anomalias congênitas (microcefalia, agenesia de corpo caloso, malformações articulares) e que morreu com 47 dias de vida. Estes casos foram relatados nos estados de Pernambuco, Acre e Ceará, mostrando, deste modo, a disseminação para outras regiões além da Amazônia12,13.

Outra descrição preocupante foi a confirmação da relação causal da infecção pelo OROV durante a gravidez e a transmissão vertical e dano fetal. Os primeiros três casos de microcefalia foram identificados no estado do Acre, lembrar que a triagem laboratorial, para as outras causas de microcefalia, foi realizada e negativa para todos os patógenos testados. O grupo de pesquisadores da Fundação Evandro Chagas e de outras instituições públicas e universitárias investigaram em outras 65 amostras de líquor e/ou sangue de crianças com microcefalia de causa não definida do período compreendido entre janeiro de 2015 a dezembro de 2021, e identificaram mais três casos de microcefalia, dois do estado do Acre e um do estado do Pará, com positividade de ELISA IgM para Oropouche nas amostras de líquido cefalorraquidiano. E, nesta publicação, também detalham os achados anatomopatológicos das amostras disponíveis do caso fatal desde ano, do bebê que morreu com 47 dias, em que avaliaram: fígado, baço e coração onde o vírus não foi detectado; e cérebro, rins, pulmões e líquido pleural detectou-se RT-qPCR OROV e imuno-histoquímica positiva em cérebro, rins e pulmões. As crianças sobreviventes permanecem em acompanhamento nos serviços de saúde. Assim, a transmissão vertical do OROV está ocorrendo no Brasil desde 2016 14.

Finalmente, como explicar este diverso comportamento do OROV no Brasil se seria a apenas a presença de uma nova variante que tem uma taxa de replicação mais intensa e rápida, com capacidade de se multiplicar in vitro em células do sistema nervoso central, mas os pesquisadores concordam que a nova variante não seria o único fator. As mudanças climáticas com aumento da temperatura, alteração do regime de chuvas e o desmatamento na Amazônia estariam também contribuindo para a ampliação da ocorrência do maruim e obrigando os insetos a ocuparem mais densamente as áreas urbanas15.

Referências bibliográficas

1. Fonseca LMDS, Carvalho RH, Bandeira AC, Sardi SI, Campos GS. Oropouche Virus Detection in Febrile Patients’ Saliva and Urine Samples in Salvador, Bahia, Brazil. Japanese Journal of Infectious Diseases. 2020;73(2):164-5.

2. Zhang Y, Liu X, Wu Z, Feng S, Lu K, Zhu W, et al. Oropouche virus: A neglected global arboviral threat. Virus Res. 2024;341:199318.

3. Ministério da Sáude. Saúde de A-Z. Oropouche.Painel epidemiológico em https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/o/oropouche/painel-epidemiologico acesso em 22/11/2024

4. Files MA, Hansen CA, Herrera VC, et al. Baseline mapping of Oropouche virology, epidemiology, therapeutics, and vaccine research and development. NPJ Vaccines 2022;7:38.

5. Anderson CR, Spence L, Downs WG, Aitken TH. Oropouche virus: a new human disease agent from Trinidad, West Indies. Am J Trop Med Hyg 1961;10:574–8.

6. Travassos da Rosa JF, de Souza WM, Pinheiro F de P, et al. Oropouche Virus: Clinical, Epidemiological, and Molecular Aspects of a Neglected Orthobunyavirus. Am J Trop Med Hyg 2017;96:1019–30.

7. Pan American Health Organization / World Health Organization. Strategy on Regional Genomic Surveillance for Epidemic and Pandemic Preparedness and Response. 2022. Available at: https://www.paho.org/sites/default/files/csp30-r9-e-regional-genomic-surveillance_0.pdf

8. Naveca FG et al., Emergence of a novel reassortant Oropouche virus drives persistent outbreaks in the Brazilian Amazon region from 2022 to 2024. www.virological.org.

9. Ministério da Saúde. Oropouche.https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/agosto/oropouche-conheca-os-sintomas-as-formas-de-transmissao-e-prevencao-do-virus. Acesso em 25 de novembro de 2024.

10.Pinheiro FP, Hoch AL, Gomes MLC, Roberts DR 1981a. Oropouche virus. IV. Laboratory transmission by Culicoides paraensis. Am J Trop Med Hyg 30: 172-176.

11. The Lancet Infectious Diseases. Oropouche fever, the mysterious threat. Lancet Infect. Dis. 2024, 24, 935.

12. Martins-Filho PR; Carvalho TA; Dos Santos CA. Oropouche fever: Reports of vertical transmission and deaths in Brazil. Lancet Infect Dis 2024, 24: e662-663.

13. Cecarelli G, Branda F, Scarpa F, Ciccozzi M, Alcantara LCJr, Giovanetti M. Oropouce virus infection: differential clinical outcomes and emerging globa concerns of vertical transmission and fatal cases. Int J Inf Dis 2024, doi 10.1016/.ijid.2024.107295

14. das Neves Martins FE, Chiang JO, Nunes BTD, Ribeiro BFR, Martins LC, Casseb LMN et al. Newborns with microcephaly in Brazil and potential vertical transmission of Oropouche virus: a case series. Lancet Infect Dis. 2024 Oct 15:S1473-3099(24)00617-0. doi: 10.1016/S1473-3099(24)00617-0. Online ahead of print.

15. Stam G. Oropouche à espreita. Revista da FAPESP 2024, 343: 54-55.