EDITORIAL

Emergência Pediátrica no Brasil e os desafios de uma jovem área de atuação

A escolha da especialidade e a satisfação profissional de médicos resultam de um conjunto de variáveis interrelacionadas, dentre os quais destacam-se: a) Atuar em uma área assistencial desafiadora com estimulo constante para o crescimento profissional aliados à incorporação crescente de novos conhecimentos científicos, habilidades e tecnologias; b) Poder exercer sua atividade dentro de um sistema com requisitos mínimos de qualidade, infraestrutura e normas, podendo assim beneficiar um grande número de pessoas com sua atuação; c) Obter, por sua atuação e qualificação, uma remuneração compatível com sua responsabilidade e, também, o reconhecimento de seus pares. (1)

A especialidade de Emergência Pediátrica é uma área formadora de recursos humanos já que sua dinâmica exige profissionais que tenham desenvolvimento de habilidades técnicas, competências em diagnóstico rápido, manejo de situações críticas e execução de procedimentos técnicos essenciais, todos aliados a tomadas de decisões rápidas, experiência multidisciplinar e sensibilidade humanística.

Essa experiência abrangente transforma a emergência pediátrica em um campo essencial para a formação de médicos e outros profissionais da saúde, que desenvolvem suas competências técnicas e humanas baseadas em treinamento em situações de alta complexidade e aprendizado contínuo, resultando em modelos capazes de impactar na saúde pública.

Os recentes relatórios do sistema de vagas oferecidas nos EUA para programas de residência médica, revelam que os programas pediátricos de Neonatologia, Medicina Intensiva, Cardiologia e Emergência lideram em termos de oferta e procura de vagas. Dentre estes, o programa de Emergência Pediátrica destaca-se com uma taxa de 98% de preenchimento das vagas oferecidas (2,3).  Paralelamente, pediatras com estas certificações estão entre os mais bem remunerados naquele país, com ganho anual oscilando entre 320 mil dólares (UTI pediátrica), 300 mil dólares (Neonatologista) e 290mil dólares (Emergência Pediátrica). (4)

O Serviço de Emergência em nosso país, por uma série de fatores, é ainda uma área sem a identidade necessária e com uma realidade muito distante do acima apresentado. Neste setor crítico e desafiador atuam profissionais com diversas qualificações profissionais, mas poucos destes titulados em Emergência e/ou que se identifiquem com a especialidade. Parte deste problema se deveu a uma disputa política e ideológica envolvendo diversos atores (Clínica Médica, AMB, CFM, CNRM) que se estendeu até 2016, quando a Emergência foi finalmente reconhecida como especialidade e sendo premiada com programas de residência na especialidade e também na área de atuação em Emergência Pediátrica. Assim, apenas há oito anos o primeiro degrau foi ultrapassado, havendo um longo caminho a percorrer.

A regulamentação vigente para serviços de Urgência e Emergência foram publicadas pelo Conselho CFM há 10 anos (CFM 2077/2024 e CFM 2079/2014), quando ainda a especialidade não era reconhecida e, portanto, com uma realidade distante da atual. Torna-se, portanto, imperioso que os órgãos de saúde de nosso país e sociedades médicas envolvidas normatizem e regulamentem esta área vital para a população brasileira, a exemplo do que foi realizado no passado, com as unidades de medicina intensiva adulto, pediátricas e neonatais. Nesta regulamentação, deve haver hierarquização dos serviços, sendo classificados por sua complexidade, volume de atendimento, recursos materiais e humanos. Neste último aspecto, o número de profissionais com titulação na área deve ser um fator diferencial decisivo, inclusive, com impacto na remuneração destes especialistas.

Como observado em outros países, a partir da organização dos serviços de emergência é possível haver uma maior fixação de profissionais nestas áreas com impacto na eficácia assistencial e na geração de conhecimentos. As sociedades de Emergência nos países desenvolvidos estão entre as maiores e mais respeitadas sociedades científicas, exercendo grande influência nos programas de saúde e na produção de conhecimentos. Sem esta interação das sociedades científicas com os organizadores do sistema urgência e emergência de nosso país, seguiremos oferecendo para pacientes e profissionais de saúde um espaço carente em infraestrutura, pouco resolutivo, oneroso e dissociado dos avanços da saúde secundária e terciária oferecida nos diversos hospitais das regiões onde tais serviços estão localizados.

O que vemos hoje é um ciclo perverso que necessita ser rompido. A demanda crescente de pacientes necessitando de atendimentos de urgência exige serviços ágeis, organizados, hierarquizados e liderados por médicos experientes nesta área. Entretanto, a longevidade (fixação) médica nestes setores é muito baixa, com alta rotatividade e sendo precocemente exercida por jovens colegas sem a experiência e habilitação necessária. O resultado todos conhecemos: baixa resolutividade, aumento de custos por excesso de exames e insatisfação profissional. Mesmo quando ocorrem iniciativas de cativar este profissional com uma remuneração diferenciada, o que se observa é a falta de interesse para atuar em um sistema desorganizado, com alta demanda e carente de infraestrutura, gerando enorme insatisfação profissional e a sensação de ineficiência.

O desafio está posto! Ter a área de atuação reconhecida com programas de residência credenciados em emergência é apenas uma parte deste complexo sistema. Para atrair e formar especialistas nesta área se requer ações maiores com a organização e hierarquização do sistema, privilegiar os serviços com médicos titulados e, finalmente, a produção consistente de conhecimentos através de pesquisas e inovação nesta importante área da medicina.

Referências bibliográficas

  1. Starmer AJ, Duby JC, Slaw KM et al. Pediatrics 2010;126(5):971-81
  2. https://hospitalmedicaldirector.com/results-of-the-2022-internal-medicine-and-pediatric-subspecialty-fellowship-match/ (acessado em 29/11/20244)
  3. https://www.nrmp.org/about/news/2021/12/nrmp-pediatric-specialties-match-results/ (acessado em 29/11/20244)
  4. https://physiciansthrive.com/physician-compensation/pediatrician/#pediatrician_pay_by_subspecialties (acessado em 29/11/20244)