COMISSÃO CIENTÍFICA

O que esperar da vacina da dengue em pediatria?

Juarez Cunha
Pediatra, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações – SBIm
Membro de Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria – SBP

Dengue – principais fatos

A dengue é uma infecção viral causada pelo vírus da dengue (DENV), transmitido aos humanos através da picada de mosquitos, principalmente de fêmeas infectadas da espécie Aedes aegypti. Atualmente, cerca de metade da população mundial corre o risco de contrair dengue, com uma estimativa de 100 a 400 milhões de infecções ocorrendo a cada ano. A dengue é encontrada em climas tropicais e subtropicais em todo o mundo, principalmente em áreas urbanas e semiurbanas. Embora muitas infecções por DENV sejam assintomáticas ou produzam apenas doenças leves, o DENV pode ocasionalmente causar casos mais graves e morte. Não existe tratamento específico para dengue/dengue grave, e a detecção precoce e o acesso a cuidados médicos adequados reduzem significativamente as taxas de mortalidade da doença. Várias medidas de controle do vetor estão disponíveis, mas não têm sido suficientes para controlar a doença.

Qual a situação da dengue no Brasil?

Até a semana 22 de 2024, foram notificados mais de 5,6 milhões de casos prováveis de dengue (incidência de 2.757 casos /100.000 habitantes), mais de 65 mil casos de dengue grave/dengue com sinais de alarme e 3.325 óbitos confirmados. A doença acomete todas as idades, principalmente adultos jovens, com o maior coeficiente de incidência na faixa etária de 20 a 29 anos. A maior proporção de casos graves concentra-se na faixa etária acima dos 80 anos. Na faixa etária de crianças e adolescentes com até 15 anos, são mais de 850 mil casos notificados até a semana 22 de 2024, com percentuais de casos graves que podem chegar em até 15%, sendo registrados até o momento 102 óbitos em menores de 15 anos. Observa-se a circulação simultânea de três sorotipos (1, 2 e 3) no Brasil, com a imensa maioria de DENV-1 e 2.

Vacinas contra a dengue

Duas vacinas contra a dengue são licenciadas no Brasil, Dengvaxia e Qdenga. Ambas são atenuadas, portanto contraindicadas para gestantes, nutrizes e imunocomprometidos. A vacina Qdenga é considerada preferencial, tanto pela Sociedade Brasileira de Pediatria – SBP como pela Sociedade Brasileira de Imunizações – SBIm, pelo esquema posológico mais conveniente (menor número de doses e término do esquema vacinal em menor tempo) e pela não necessidade de comprovação de infecção prévia pela dengue para sua administração. Por esses motivos e por ser a vacina incluída para vacinação de adolescentes de 10 a 14 anos pelo Programa Nacional de Imunizações – PNI em determinadas cidades do País, será a vacina comentada nesse artigo.

A vacina Qdenga é uma formulação tetravalente de vírus vivos atenuados, baseada no sorotipo 2 (DENV-2) geneticamente atenuado (Tetravalent Dengue Vaccine – TDV-2) com três vírus quiméricos, contendo os genes das proteínas pré-membrana e envelope do DENV-1, DENV-3 e DENV-4 dentro da estrutura genética do TDV-2. Sua imunogenicidade foi avaliada em 19 ensaios clínicos: 5 realizados em crianças,12 em adultos e 2 em adultos e crianças.

Embora altos títulos de AC neutralizantes estejam correlacionados com a eficácia, uma relação quantitativa entre títulos de AC séricos e a proteção não foi estabelecida. A eficácia clínica de Qdenga foi avaliada no estudo DEN-301, o estudo pivotal de fase 3, duplo-cego, randomizado, controlado por placebo. A eficácia vacinal (EV) foi avaliada em crianças e adolescentes de 4 a 16 anos em 26 locais de 8 países com dengue endêmica na Ásia e América Latina. A média de idade da população do estudo, de acordo com o protocolo, foi de 9,6 anos (desvio padrão de 3,5 anos), com 12,7% dos participantes nas faixas etárias de 4-5 anos, 55,2% de 6-11 anos e 32,1% de 12-16 anos. Destes, 46,5% eram da Ásia e 53,5% da América Latina, 49,5% eram do sexo feminino e 50,5% do sexo masculino. O ensaio incluiu 20.071 crianças que foram alocadas aleatoriamente para receber a vacina ou placebo numa proporção de 2:1 num esquema de 2 doses administradas com 3 meses de intervalo. Principais resultados: EV contra doença (80,2%) após 12 meses da segunda dose; EV contra hospitalização (90.4%) após 18 meses pós-segunda dose; EV de 76,1% para a prevenção de dengue clinicamente comprovada entre soropositivos para dengue e de 66,2% para soronegativos; EV variou por sorotipo do vírus da dengue: (DENV-1 de 69,8%, DENV-2 de 95,1%, DENV-3 de 48,9% e DENV-4 de 51%); Sustentada proteção foi observada até 4,5 anos contra hospitalização (84,1%) e doença dengue (61,2%) independente de exposição prévia; A vacina demonstrou eficácia por sorotipo na análise exploratória até 4,5 anos tetravalente entre indivíduos soropositivos (DENV-1 de 56,1%, DENV-2 de 80,4%, DENV-3 de 52,3% e DENV-4 de 70,6%). Não houve demonstração de eficácia contra o DENV-3 entre indivíduos soronegativos e, em função do limitado número de casos de DENV-4 não houve possibilidade de avaliação da eficácia entre indivíduos soronegativos. No geral, durante os ensaios clínicos, a vacina foi bem tolerada. Os eventos adversos mais frequentes relacionados à vacina foram locais (prurido, hematomas e febre).

Recomendações da vacina Qdenga pela OMS e PNI

A Organização Mundial de Saúde – OMS sugere considerar a introdução em locais com alta carga de dengue e alta intensidade de transmissão: na faixa etária de 6 a 16 anos de idade; 1-2 anos antes do pico de incidência específico por idade de hospitalizações relacionadas à dengue; em 2 doses de 0,5 ml, aplicadas via SC, no intervalo de 0 e 3 meses.

No Brasil, a incorporação da vacina contra a dengue ao Sistema Único de Saúde – SUS foi oficializada em dezembro de 2023, licenciada dos 4 aos 60 anos. No início de 2024, o PNI definiu a inclusão da vacina por critérios epidemiológicos, disponibilidade de vacina, faixa etária e melhor equilíbrio entre população vacinada e extensão territorial.  Ficou estabelecida a idade dos 10 aos 14 anos, em 521 municípios. Por baixa adesão à campanha de vacinação, posteriormente foram contemplados mais municípios nesse quantitativo.

Até março de 2024, com mais de 340 mil doses aplicadas, identificou-se um sinal de segurança para reações de hipersensibilidade e anafilaxia: 16 casos de anafilaxia (4,4/100.000 doses administradas), sendo 3 casos de choque anafilático (0,8/100.000 doses administradas). Nenhum dos casos evoluiu ao óbito. Apesar de ser um evento raro, a ocorrência desses eventos se encontra acima do observado para outras vacinas, levando o PNI a estabelecer várias ações que compõem as boas práticas para vacinação segura. Foi mantida a recomendação de continuidade da vacinação, uma vez que, até aquele momento, os benefícios superavam os riscos.

Recomendações da vacina Qdenga pela SBP e SBIm para crianças e adolescentes

A SBP e a SBIm recomendam a vacina para todas as crianças e adolescentes a partir de 4 anos de idade, independente da doença já ter ocorrido anteriormente ou não. Obs.: após uma infecção pelo vírus da dengue, recomenda-se um intervalo de 6 meses para iniciar a vacinação.

Mensagem final

Dengue é um problema de saúde pública mundial, com números crescentes. No Brasil, em 2024, foi observado um aumento importante de casos, casos graves e mortes por dengue, acometendo todas as faixas etárias. Uma maior gravidade de óbitos é observada entre os idosos. Em um cenário complexo com várias outras arboviroses concomitantes ocorrendo, é fundamental a sensibilização dos profissionais para o reconhecimento da dengue e capacitação para as adequadas condutas terapêuticas, pois salvam vidas. A vigilância em saúde é fundamental, avaliando em especial se um novo ciclo de DENV-3 está iniciando e se a vacina protegerá esse tipo de forma adequada.

Uma série de medidas de controle do vetor estão disponíveis, mas não têm sido suficientes para controlar a doença. Temos disponíveis vacinas contra a dengue seguras, eficazes, recomendadas pela OMS, PNI e pelas sociedades científicas. Porém, ao mesmo tempo, crescem os desafios: reverter a baixa adesão vacinal; ter mais resultados de efetividade e segurança na vida real; e ter maior disponibilidade da vacina, assim como adequada informação e comunicação, para ampliar para outras faixas etárias.

Bibliografia consultada:

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Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, Informes semanais sobre as Arboviroses. Informe Semanal nº 16, Centro de Operações de Emergências, SE21, 28 de Maio de 2024. Disponível em https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/a/arboviroses/informe-semanal/informe-semanal-no-16.pdf/view. Acesso 05/06/2024.

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Tricou V, et al. Long-term efficacy and safety of a tetravalent dengue vaccine (TAK-003): 4·5-year results from a phase 3, randomised, double-blind, placebo-controlled trial. Lancet Glob Health. 2024 Feb;12(2):e257-e270.

 WHO SAGE. Disponível em https://terrance.who.int/mediacentre/data/sage/SAGE_eYB_Sept2023.pdf. Acesso 05/06/2024.

Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, Departamento do Programa Nacional de Imunizações, Coordenação-Geral de Farmacovigilância. NOTA TÉCNICA Nº 7/2024-CGFAM/DPNI/SVSA/MS. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/notas-tecnicas/2024/nota-tecnica-no-7-2024-cgfam-dpni-svsa-ms/. Acesso em 03/06/2024

Sociedade Brasileira de Pediatria, Documento Científico. Departamento Científico de Imunizações. Nº 89, 11 de Agosto de 2023. Nova Vacina Dengue: Recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/24154d-DC_-_Nova_Vacina_Dengue-Recomendacoes_SBP.pdf. Acesso 05/06/2024.


Sociedade Brasileira de Imunizações, Nota Técnica Conjunta SBIm/SBI/SBMT - 03/07/2023 (atualizada em 21/03/2024). Vacina dengue 1,2,3 e 4 (atenuada) Qdenga® Disponível em: https://sbim.org.br/images/files/notas-tecnicas/nota-tecnica-sbim-sbi-sbmt-qdenga-v6.pdf. Acesso 05/06/2024.