Ciência e Ensino


Alergia e doenças de inverno

Dr. Nelson Rosário Filho

Membro Titular da Cadeira n. 27 da Academia Brasileira de Pediatria

Com a chegada da estação fria do ano, as infecções respiratórias se tornam causa frequente de consultas pediátricas. Infecções de vias aéreas superiores (IVAS) de natureza viral predominam e muitas vezes são seguidas de complicações bacterianas, como otites médias e sinusites. A pesquisa de agentes virais nas secreções respiratórias foi introduzida em laboratórios clínicos permitindo a identificação de vírus respiratórios como VSR (Vírus Sincicial Respiratório), rinovírus, influenza, entre outros.

Na maioria dos pacientes, o RSV resulta em infecção do trato respiratório provocando sintomas semelhantes aos do “resfriado comum”, que podem durar até duas semanas e geralmente são autolimitados. A infecção por RSV pode resultar em comprometimento do trato respiratório inferior, causando morbidade e mortalidade consideráveis ​​em certas populações de pacientes, como lactentes e idosos. (1)

A bronquiolite viral aguda (BVA) é uma afecção sazonal caracterizada por obstrução das pequenas vias aéreas em lactentes. A doença tem habitualmente seu curso natural, mas em alguns casos ocorrem complicações que levam estas crianças a períodos de hospitalização com elevada morbidade e dependência de oxigênio suplementar para manutenção de saturação de oxigênio satisfatória. Contudo, há muita controvérsia sobre o tratamento da BVA que, além de oxigenioterapia, fisioterapia respiratória, hidratação e suporte nutricional, medidas como corticoterapia e uso de broncodilatadores são pouco eficazes. Alguns serviços usam inalação com solução salina hipertônica para melhorar a eliminação de secreções e alívio da obstrução bronquiolar.

Atualmente, estamos participando de um estudo intervencional de Fase 3, randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, projetado para avaliar a eficácia e segurança de medicamento experimental EDP938 por via oral em lactentes e crianças (≥28 dias a ≤3 anos de idade) com infecção comprovada por RSV, o que pode abrir nova possibilidade terapêutica.

Na prevenção de infecção pelo RSV há imunização passiva com palivizumabe e, para ser introduzida em breve, imunização ativa em crianças, com vacinas dirigidas à proteína F de fusão das partículas virais às células epiteliais. Há estudos também com imunização de gestantes no último trimestre de gravidez para prevenir doença na criança. (2)

Outra população de risco para morbidade na infecção por RSV são os idosos. Estudo recente demonstrou a eficácia e segurança da vacina contra a doença respiratória aguda associada ao RSV em adultos com mais de 60 anos de idade. (3)

Há 154 estudos de vacinas e biológicos para RSV listados em clinicaltrials.gov de diversos fabricantes cujos resultados são aguardados.

Nessa estação do ano, os pacientes alérgicos sofrem por apresentarem crises na vigência de infecções virais respiratórias, pela variação brusca de temperatura ambiente, por aumento da distribuição de poluentes atmosféricos nas inversões térmicas e por maior exposição a aeroalérgenos no ambiente domiciliar.

Há uma relação entre infecção por RSV e o desenvolvimento de asma. (4) Gern & Busse sugeriram duas hipóteses para esta relação. A primeira, a infecção pelo RSV interferiria no desenvolvimento normal dos pulmões e em sua maturação imunológica, favorecendo a sibilância recorrente. Pela outra hipótese, infecção pelo VSR seria o estímulo para a sibilância em crianças predispostas, por susceptibilidade genética (pais com asma) ou por alteração da função pulmonar.(5,6)  

Cerca de metade das crianças infectadas por RSV desenvolve sibilância recorrente.

Crianças nascidas prematuras em países de baixa e média renda correm maior risco de infecções respiratórias em comparação com crianças nascidas a termo. Isso destaca a necessidade de estratégias preventivas, incluindo a imunoprofilaxia do RSV. (7)

Outro vírus que é desencadeante de crises de asma é o rinovírus humano (HRV), agente etiológico do resfriado comum. Metapneumovirus, coronavirus, parainfluenza e influenza são outros comuns em coinfecções. (8) 

Se há algo para prevenir IVAS nesse período do ano, especialmente em lactentes e escolares, a vacina para Influenza é o destaque. Imunização passiva para RSV em populações de risco deve ser proporcionada para reduzir o risco de complicações por RSV. No meio tempo, aguardamos novos recursos profiláticos e terapêuticos para infecções respiratórias virais, o que, além de reduzir a morbimortalidade de doenças respiratórias, pode ser um preventivo de asma para os atópicos.

Referências:

1-Stein RT, Bont LJ, Zar H, et al. Respiratory syncytial virus hospitalization and mortality: systematic review and metaanalysis. Pediatr Pulmonol 2017; 52: 556-69.

2- Kampmann B, Madhi SA, Munjal I, Simões EAF, Pahud BA, Llapur C, et al. Bivalent Prefusion F Vaccine in Pregnancy to Prevent RSV Illness in Infants. N Engl J Med. 2023;388(16):1451-1464.

3- Walsh EE, Pérez Marc G, Zareba AM, Falsey AR, Jiang Q, Patton M, et al. Efficacy and Safety of a Bivalent RSV Prefusion F Vaccine in Older Adults. N Engl J Med. 2023;388(16):1465-1477.

4- Blanken MO, Rovers MM, Molenaar JM, Winkler-Seinstra PL, Meijer A, et al.  Dutch RSV Neonatal Network N Engl J Med 2013;368:1791-9.

5- Gern JE, Busse WW. Relationship of viral infections to wheezing illnesses and asthma. Nat Rev Immunol 2002;2:132-8. 

6- Chong-Silva DC, Rosario NA. Respiratory syncytial virus: from discovery to treatment. Virus Reviews and Research, 2014;19:1. 

7- Diggikar S, Paul A, Razak A, Chandrasekaran M, Swamy RS. Respiratory infections in children born preterm in low and middle-income countries: A systematic review. Pediatr Pulmonol. 2022;57(12):2903-2914

8- Jones MH, Escremim de Paula F, Chong D, Bugarin G, Notario G, et al. The burden of single virus and viral coinfections on severe lower respiratory tract infections among preterm infants: a prospective birth cohort study in Brazil. Pediatr Infect Dis J. 2014;33(10):997-1003.