Ruth Guinsburg & Maria Fernanda Branco de Almeida
Disciplina de Pediatria Neonatal da EPM-Unifesp
Programa de Reanimação da Sociedade Brasileira de Pediatria
Rede Brasileira de Pesquisas Neonatos
Para escrever sobre o professor Benjamin, nada como usar as palavras dele mesmo para mostrar, com apenas o começo de sua vida profissional, o seu papel fundador da Neonatologia na Escola Paulista de Medicina e sua influência na Pediatria da nossa Escola e do Brasil. Olhar, por meio da fala de nosso professor, pode dar uma tênue ideia do crescimento da ciência e da prática do cuidado neonatal a partir de meados da década de 1960 e de como a sua liderança moldou o desenvolvimento da neonatologia brasileira. As palavras são retiradas do Banco de Memória e Histórias de Vida da EPM-Unifesp, coordenado pelo professor Dante Gallian, diretor do Centro de História e Filosofia das Ciências da Saúde da Universidade Federal de São Paulo.
Diz o professor Benjamin, “sou descendente de uma família de judeus poloneses. O meu pai chegou aqui no Brasil, se eu não me engano, em 1934, e foi para Marília. Em seguida, ele trouxe minha mãe para o Brasil. Marília era uma cidade que estava apenas começando e, portanto, com quase nenhuma infraestrutura... Tanto é que eu nasci em Campinas; sou de 1936... Tive uma infância boa no sentido de morar no interior. Muito espaço, muita tranquilidade, muita liberdade. Em 1952, terminei o 1º colegial em Marília e vim para fazer 2º e 3º colegiais no Bandeirantes. Fiquei com muito medo de não conseguir acompanhar; foi difícil, tive que estudar muito. E eu vim para São Paulo com a ideia de fazer Medicina. Naquela época tínhamos duas opções: USP e Escola Paulista, que era uma escola nova. Não podíamos prestar nas duas escolas, os vestibulares coincidiam. Então, eu escolhi a Escola Paulista de Medicina.
No sexto ano, fiz o internato de Pediatria; entrei em contato pela primeira vez com crianças e imediatamente eu disse: “Está aí uma coisa que verdadeiramente me atrai, me apaixona...”. E eu fui o primeiro residente de Pediatria dessa Escola, em 1960. Era muito mais uma Pediatria de clínica, de puericultura. Não havia grandes avanços em termos de patologias, de conhecimento mais aprofundado e, principalmente, praticamente não se faziam trabalhos científicos na área naquela época. Então, eu me lembro de que a Pediatria tinha uma enfermaria muito pequena; se eu não me engano eram apenas três ou quatro leitos... Em 1961, eu passei à assistente voluntário... Mais tarde, a Rockefeller Foundation me contratou e eu passei para “Tempo Integral Geográfico” – como era a nomenclatura na época... Ela contratou uma série de médicos e isso alavancou muito o desenvolvimento da Escola. Foi uma época de muito estudo. Fazia intercâmbio, reuniões e me dedicava muito à Pediatria.
Em 1967, fui a Nova York fazer o Fellow em Pediatria Neonatal, área que eu tinha escolhido. Naquela época, esta área praticamente estava começando em nosso meio. Evidentemente eu fui muito temeroso – naquela época poucas pessoas saiam para intercâmbio, para estudar fora. E foi uma espécie de auditoria externa, porque eu não sabia o meu nível de conhecimento, o quanto a Escola tinha me preparado para ir para um centro desenvolvido como aquele, e eu diria que me orgulho demais da minha Escola porque acompanhei tranquilamente, não tive nenhuma dificuldade de aprendizado, de reconhecer, de conhecer o que eles estavam ensinando. O que foi muito evidente durante aquele estágio era observar a discrepância muito grande que havia entre lá e aqui, em termos tanto de recursos humanos quanto de materiais. Eu me lembro de espantar-me e de ter ficado chocado com a variedade de seringas, agulhas, ver todos aqueles equipamentos descartáveis; uma riqueza! Os estudos, os congressos, tudo com muita facilidade. Então valeu muito nesse sentido! E lá eu desenvolvi e trouxe todo o material para minha tese de doutorado, que defendi aqui em 1968. A tese foi sobre uma doença respiratória chamada Membrana Hialina, que hoje em dia chama-se “Síndrome do Desconforto Respiratório” e é, ainda hoje, a principal patologia respiratória que se observa em crianças prematuras. Então se estava nos primórdios do seu conhecimento; de qual era a sua histologia; se era uma deficiência de um fator surfactante ou não...
Eu dediquei minha carreira para construir a disciplina Neonatal. Eu tenho impressão que a Escola Paulista foi a primeira escola do nosso meio em ter uma disciplina formal de Pediatria Neonatal. Hoje em dia, no mundo todo, é o setor da área pediátrica, talvez, mais concorrido, mais estudado. Até porque, nesses países desenvolvidos, mortalidade infantil é mortalidade Neonatal. Eu me orgulho muito desta disciplina, seu alto nível científico e ético, dedicação inserção na universidade e comunidade.
A Escola Paulista de Medicina é uma extensão da minha família. A Escola é minha casa, minha vida. Eu costumo dizer que tiramos água de pedra, com todas as dificuldades, com todos os obstáculos nós conseguimos ter uma trajetória belíssima da qual podemos nos orgulhar bastante.”
O professor Benjamin construiu assim uma carreira belíssima, sendo professor titular da disciplina que ele tanto amava entre 1978 e 2006. O professor foi chefe de Departamento da Pediatria da EPM-Unifesp e presidiu a Comissão de Pós-Graduação da Pediatria por 12 anos, moldando gerações de cientistas interessados na área da saúde da criança. O professor teve uma atuação vibrante nas diversas instâncias institucionais, fazendo sempre parte das discussões que tem moldado o caminho da nossa Escola.
Vale lembrar que o professor Benjamin também participou ativamente da vida associativa e espalhando sua influência além da Neonatologia, pois foi fundador da Sociedade de Pediatria de São Paulo, presidiu por dois períodos o Comitê de Terapia Intensiva da Sociedade Brasileira de Pediatria, pertenceu ao Departamento de Neonatologia da SBP por quatro períodos, sendo seu presidente em dois deles, foi membro dos Departamentos de Bioética da Sociedade Brasileira de Pediatria e Sociedade de Pediatria de São Paulo e membro do Conselho Curador da Fundação Sociedade Brasileira de Pediatria. Em 2006, foi eleito Acadêmico Titular da Academia Brasileira de Pediatria, ocupando a cadeira n. 10, cujo patrono é o professor Pedro de Alcântara.
Assim, o professor Benjamin soube plantar ideias e estimular os profissionais a dar o seu melhor para o desenvolvimento da ciência e da assistência nas áreas de cuidados intensivos neonatais, seguimento do prematuro e bioética em pediatria. Formou inúmeros discípulos e criou amigos em todos os lugares por onde passou e exerceu sua liderança, que extravasou, em muito, os muros da Escola Paulista de Medicina. Sua atuação nos Departamentos de Neonatologia e Bioética da Sociedade de Pediatria de São Paulo e da Sociedade Brasileira de Pediatria, além da Academia Brasileira de Pediatria, deixou marcas em todos os que conviveram com ele. Marcas de doçura, delicadeza e interesse genuíno pelo próximo, que sempre ficarão em nossos corações.
E nós, docentes, médicos, residentes, todos aqueles que foram e são formados sob a influência desse olhar humanista e generoso do professor Benjamim, consideramos ele um verdadeiro mestre. Por quê? Segundo uma estória recolhida por Martin Buber dos judeus que viviam na Europa Oriental:
Dois sábios conversavam e um deles pediu que o outro lhe dissesse as palavras de seu mestre. -- Os ensinamentos do meu mestre – replicou o primeiro – são como o maná celeste que penetra no corpo e dele não sai. Como, porém, o segundo insistisse, o primeiro sábio abriu a camisa sobre o peito e exclamou: -- Pois olhai dentro do meu coração! Aprendereis então o que é o meu mestre. |
Querido professor Benjamin, se você olhar para nossos corações, você vai se ver em todos eles.