Jefferson Pedro Piva
Presidente e Membro Titular da Cadeira n. 30 da Academia Brasileira de Pediatria
O Virus Sincicial Respiratório (VSR) é encontrado nas mais diversas regiões do planeta, causando anualmente doença respiratória em aproximadamente 33 milhões de crianças, gerando 3,6 milhões admissões hospitalares e 100 mil mortes. Lactentes no primeiro semestre de vida, com história de prematuridade ou doenças congênitas representam um grupo especial de vulnerabilidade desenvolvendo quadros mais graves e com maior mortalidade. É interessante destacar que, nos últimos 20 anos, excetuados os dois anos de pandemia de COVID-19, se observa um aumento progressivo no número de hospitalizações por bronquiolite viral aguda, tanto em emergências como em UTI pediátricas. Esse fenômeno é observado inclusive em países desenvolvidos que dispõem de excelente infraestrutura assistencial e grande facilidade de recursos.
A primeira tentativa de imunizar lactentes contra o VSR ocorreu nos anos 60, sendo realizada com três doses de vírus inativado. Além de induzir a uma pobre produção de anticorpos neutralizantes, o grupo de crianças vacinadas apresentou pior evolução clínica (maior necessidade de internações e maior mortalidade) durante o surto de VSR no inverno de 1966-1967. Frente a estes resultados frustrantes, a ideia de produzir uma vacina anti-VSR parecia ser uma utopia, mas (felizmente) não foi abandonada por completo.
Baseados na tecnologia e conhecimentos adquiridos com a produção de vacinas durante a epidemia de COVID-19, pesquisadores associados ao laboratório Pfizer desenvolveram a vacina bivalente VSR prefusão F (RSVpreF), para ser administrada em gestantes, visando a produzir IgG especificas que seriam transferidas pela placenta e protegeriam o recém-nascido nos primeiros seis meses de vida. Os resultados preliminares de estudo placebo controlado envolvendo mais de 7.000 gestantes de 18 países diferentes foram publicados recentemente (1). Observou-se que os bebês do grupo de gestantes que recebeu dose única IM da vacina RSFpreF entre 24 e 36 semanas de gestação, houve redução significativa na necessidade de internação hospitalar pelo VSR quando comparado ao grupo placebo. Os pesquisadores destacam que diferentemente da vacina com vírus atenuado, a vacina RSVpreF induz rápida e elevada produção de anticorpos (IgG), sendo que ¾ destes são transferidos ao feto até o final da gestação. Adicionalmente, não foram observadas reações adversas relevantes associados à vacina. Entretanto, em estudo similar envolvendo a vacina anti RSV do laboratório GSK foi detectado um aumento de partos prematuros no grupo de mães vacinadas. (2) Este e outros possíveis desfechos adversos necessitam de análise mais detalhada em função dos diversos fatores de confusão associados.
Mesmo que ainda estejamos frente a resultados preliminares e sujeitos a comprovação, tais achados permitem uma boa dose de otimismo, pois, abre-se nestes estudos a perspectiva da redução de milhares de internações hospitalares por bronquiolite viral aguda em todo mundo. De outro lado, conhecendo a fragilidade da infraestrutura assistencial pediátrica instalada em nosso país, vislumbramos que aquela enorme afluência de crianças com intenso sofrimento respiratório para serem atendidas em UPAS ou emergências pediátricas superlotadas e, muitas delas, transferidas em ambulâncias precárias para UTI pediátricas distantes, torna-se-ão imagens do passado.
A se confirmarem estas possibilidades, a nova vacina anti-VSR poderá entrar para a galeria dos grandes avanços da medicina. Neste sentido, deve-se saudar a perseverança de cientistas e pesquisadores nessa luta que dura mais de seis décadas e, finalmente, poder modificar a história e evolução das infecções por VSR em nosso planeta. Aguardaremos com otimismo as próximas publicações nesta área.