Ciência e Ensino

Oxigenoterapia com Cânula Nasal de Alto Fluxo


Dr. Werther Brunow de Carvalho
Membro Titular da Cadeira n. 3 da Academia Brasileira de Pediatria


Dra. Cintia Johnston
Fisioterapeuta, PhD
Professora Orientadora
do Programa de Pós-Gradu- ação de Pediatria e Ciências da Saúde do Departamento de Pediatria da FMUSP

Introdução

A oxigenoterapia com cânula nasal de alto fluxo (CNAF) é uma modalidade de oxigenoterapia a qual permite fornecer misturas de gases aquecidos e umidificados por meio de uma cânula nasal de alto fluxo. Sistemas de oxigenoterapia que permitem fornecer acima de 8 L/min, como máscaras não reinalantes e máscaras de Venturi, também são considerados sistemas de alto fluxo. Entretanto, os sistemas de CNAF são considerados mais eficazes devido a permitir melhor controle e monitoração da fração inspirada de oxigênio (FiO2), temperatura do gás ofertado, assim como seu fluxo. O alto fluxo é fornecido empregando um gás fresco e aquecido a 37ºC, sendo completamente umidificada, com taxas de fluxo variáveis através do sistema. A fração inspirada pode ser titulada entre 0.21 a 1.0.


“Em minha opinião pessoal, neste momento existe uma utilização excessiva da técnica em pacientes pediátricos internados.”



    1. Os mecanismos de ação da CNAF são fundamentados em quatro características importantes:


  1. Lavagem do espaço morto da nasofaringe: o fluxo de gás é levado por uma cânula que oclua no máximo 50% do diâmetro das narinas. Essa é uma distinção fundamental em comparação com modos de ventilação não invasiva pressurizados, como a pressão contínua nas vias aéreas (CPAP) e os dois níveis de pressão nas vias aéreas (bilevel), na qual pretende-se ocluir em torno de 80% do diâmetro das narinas.
  2. Gás condicionado: as misturas de gases levadas pelos sistemas de CNAF devem ser adequadamente aquecidas e umidificadas para evitar o ressecamento da mucosa das vias aéreas e preservar a funcionalidade do epitélio mucociliar.
  3. Alto fluxo: a CNAF deve levar fluxos de misturas de gases maiores do que o pico de fluxo inspiratório do paciente no intuito de reduzir o esforço inspiratório do paciente.
  4. Alta velocidade: o gás levado em alta velocidade penetra profundamente as vias áreas, leva a fonte de gás fresco para mais perto da carina e vias aéreas inferiores gerar algum nível pressão positiva expiratória final nas vias aéreas, mas não existe (até então) a possibilidade de sua titulação e monitoração.

A CNAF apresenta efeitos benéficos por meio de diversos mecanismos:



  1. Redução da resistência inspiratória, ajudando a vencer a resistência das narinas e diminuindo o trabalho respiratório.
  2. Eliminação do espaço morto anatômico nasofaringe, gerando um reservatório de gás fresco na nasofaringe e diminuindo a reinalação de gás carbônico (CO2), particularmente importante em lactentes.
  3. Redução do gasto metabólico relacionado ao condicionamento de gás, e diminuição das perdas insensíveis de água.
  4. Melhoria da condutância das vias aéreas e transporte mucociliar, prevenindo o ressecamento das secreções das vias aéreas, ajudando a manter a integridade funcional do epitélio das vias aéreas.
  5. Fornecimento de baixos níveis de pressão positiva nas vias aéreas.


3 Principais indicações

A CNAF pode ser indicada em diversas situações clínicas que cursem com hipoxemia e ou hipercapnia, desde que a insufi- ciência ventilatória aguda (IVA) não seja grave e que o paciente mantenha o seu nível de consciência para permitir a respiração espontânea. Dentre as indicações, estão:

  • IVA leve ou moderada, exemplo: bronquiolite aguda;
  • Após a extubação traqueal: crianças crônicas complexas que cursem com hipotonia muscular e ou deformidades de caixa torácica; desnutrição grave; desmame prolongado (necessidade de mais de três testes de respiração espontânea ou mais de sete dias para que se consiga uma extubação traqueal com sucesso); pós-operatórios de cirurgia cardíaca complexa (categorias 4 a 6, segundo a classificação RACHS-1); displasia broncopulmonar (DBP); fibrose cística, entre outros;
  • IVA leve ou moderada após a extubação traqueal;
  • Suporte de oxigenoterapia e conforto para as vias aéreas para crianças em cuidados paliativos exclusivos ou terminais.

O uso da CNAF é crescente em pediatria e neonatologia, re- sultando em um maior interesse acadêmico. Entretanto, existe uma limitação de estudos sobre a segurança e eficácia da aplicação desta técnica em várias condições em pediatria (ex.: durante o transporte de crianças em terapia intensiva pediátrica). Portanto, novas questões, alertas e respostas estão surgindo progressivamente com a aplicação da técnica. Em minha opinião pessoal, neste momento existe uma utilização excessiva da técnica em pacientes pediátricos internados.


“A CNAF pode ser indicada em diversas situações clínicas que cursem com hipoxemia e ou hipercapnia, desde que a insuficiência ventilatória aguda (IVA)”


4 - Efeitos esperados

A racionalização fisiológica, envolvendo os mecanismos que ocor- rem durante a aplicação CNAF, estão listados na tabela abaixo:

Tabela - Mecanismos e descrição sobre os efeitos esperados com a utilização da c

  • Atresia de coanas/bloqueio da passagem nasal;
  • Respiração bucal (relativa, avaliar caso a caso);
  • Trauma ou cirurgia de nasofaringe;
  • Pós-operatório de neurocirurgia com abordagem de base de crânio;
  • Epistaxe ativa;
  • Fístula do sistema respiratório (relativa, avaliar caso a caso);
  • Pneumotórax não drenado (relativa, avaliar caso a caso).

Naturalmente, em pacientes em parada car- diorrespiratórias, choque, não cooperativos ou agitados, em coma ou com alteração grave do nível de consciência, com hemorragia gastrintestinal superior e disfunção bulbar grave, não se deve empregar a CNAF ou qualquer outra modalidade de ventilação não invasiva.

Leitura Complementar

  1. Slain KN, Shein SL, Rotta AT. The use of high- flow nasal cannula in the pediatric emergency department. J Pediatr (Rio J). 2017;93:36-45.
  2. Johnston C. Ventilação Não Invasiva em Neona- tologia e Pediatria. São Paulo: Editora Atheneu; 2018.
  3. Carvalho WB. Terapêutica de Oxigenoterapia utilizando a Cânula Nasal de Alto Fluxo. In: Car- valho WB. Ventilação Pulmonar Mecânica em Pediatria/Neonatologia, volume 3, in press.