Ciência e Saúde

Síndrome pós COVID-19 em crianças e adolescentes

Prof. Dr. Clovis Artur Almeida da Silva
Professor Titular do Departamento de Pediatria da FMUSP

A pandemia causada pelo “severe acute respiratory syndrome coronavirus-2” (SARS-CoV-2) e sua doença associada, a “coronavirus disease 2019” (COVID-19), têm acometido raramente crianças e adolescentes, mas com potencial de gravidade e sequelas futuras. Entre abril de 2020 e abril 2021, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), recente estudo multidisciplinar evidenciou que 102/5,951 (1,7%) de todas as hospitalizações com COVID-19 confirmadas laboratorialmente ocorreram em crianças e adolescentes. Neste estudo, o espectro clínico da COVID-19 foi variado e 8% dos pacientes apresentaram uma forma grave da doença denominada “multisystem inflammatory syndrome in children” (MIS-C). Cerca de 80% destes pacientes apresentaram pelo menos uma condição crônica e 91% sobreviveram a esta doença infecciosa.

Crianças escolares e adolescentes sobreviventes da COVID-19 podem ter inflamação persistente, autoimunidade, curso crônico da infecção e agressões isoladas ou concomitantes de vários órgãos e sistemas, tornando esta nova doença potencial condição crônica e impactando prospectivamente aspectos da qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) física e mental.

COVID-19 longa é definida por pelo menos um sinal ou sintoma clínico persistente após 3 meses do início da infecção aguda pelo SARS-CoV-2, particularmente naqueles com novas manifestações ou piora de sintomas anteriores.

No HC-FMUSP, COVID-19 longa pediátrica confirmada laboratorialmente foi evidenciada em 23% dos pacientes, com mediana de duração entre COVID-19 e seguimento de 4.4 meses (0.8-10.7). Os mais frequentes sintomas persistentes foram: cefaleia (19%), cefaleia recorrente e importante (9%), fadiga (9%), dispneia (8%) e dificuldade de concentração (4%). Disfunção miocárdica confirmada pelo ecocardiograma ocorreu em 22%, resultando sequelas cardíacas. Comparações entre pacientes com COVID-19 confirmados laboratorialmente na consulta de acompanhamento longitudinal versus controles negativos para infecção por SARS-CoV-2 foram também realizadas. Ambos os grupos evidenciaram similares idades, salário mínimo familiar mensal e índice de massa corporal, assim como similares frequências de sexo masculino, etnia e doenças pediátricas crônicas pré-existentes. Um fato relevante foi que as medianas dos escores físico e escolar do instrumento de QVRS validado para o português do Brasil (“Pediatric Quality of Live Inventory 4.0”) foram significantemente menores nos pacientes com COVID-19 versus controles.

Além disto, outras pesquisas prospectivas do HC-FMUSP avaliaram os sistemas cardiovasculares e pulmonares nos pacientes que sobreviveram a MIS-C após infecção pelo SARS-CoV-2, utilizando PET-CT com amônia N-13, dilatação do fluxo braquial e teste de esforço cardiopulmonar. Estes estudos indicaram que pacientes com MIS-C apresentavam fluxo miocárdico reduzido, disfunção endotelial e menor capacidade cardiopulmonar nas visitas após 6 meses da infecção por SARS-CoV-2. Estudos futuros serão necessários para avaliar se estas alterações permanecerão a longo prazo. 

Assim, sendo, pacientes pediátricos com COVID-19 apresentaram impacto longitudinal nos parâmetros de QVRS, principalmente nos domínios físico e escolar, reforçando a necessidade de uma abordagem multiprofissional e multidisciplinar prospectiva para esses pacientes. Acompanhamento de crianças e adolescentes pela equipe clínica após a COVID-19 é imprescindível em todos os pacientes, particularmente naqueles com MIS-C. Reforço da vacinação para COVID-19 é ainda uma prioridade em todas as consultas pediátricas, para aumentar a adesão e confiança dos pacientes e familiares nas vacinas.