Nesta primeira edição em seu novo formato, o Boletim da Academia Brasileira de Pediatria conversou com a Dra. Conceição Aparecida de Mattos Segre
Sua carreira se entrelaça profundamente com o movimento associativo da Pediatria e com o surgimento e amadurecimento da Neonatologia e da Perinatologia no Brasil, assim como nos estudos sobre Síndrome Alcoólica Fetal (SAF).
Além do texto que resume essa conversa, o QRcode leva até o vídeo com a íntegra da entrevista.
1. Doutora Conceição, seu nome e seu trabalho são reconhecidos em todo o Brasil e seu legado, admirado por gerações de pediatras. Mas para começarmos esta conversa, o que nos diria sobre quem é Conceição Aparecida de Mattos Segre?
Dra. Conceição Segre (CS): Eu diria que sou uma pessoa muito simples. Pediatra por escolha e neonatologista por paixão. Não me considero diferente, não me acho nada além disso.
2. O que a levou a escolher a Medicina e, em particular, a Pediatria?
CS: Sou muito curiosa, e sempre gostei muito de estudar para adquirir conhecimento e tentar mitigar toda aquela curiosidade inata. Entre poder ensinar e adquirir conhecimentos, acho que a Medicina foi perfeita para os meus objetivos. Dentro da Medicina, sempre procurei transmitir aos jovens estudantes e os residentes com os quais trabalhei, os conhecimentos que eu vinha adquirindo.
3. Ao longo de sua carreira, a senhora foi homenageada e teve seu trabalho reconhecido em diversas ocasiões. Um ponto que nos chamou atenção foi o seu papel pioneiro na Perinatologia no Brasil. O que pode nos dizer sobre a evolução desta área de atuação?
CS: A Perinatologia é uma área relativamente nova. Foi nos anos 1960 que o pediatra americano Alexander Schaffer introduziu o nome Neonatologia na literatura médica. Fiz concurso para o Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo, recém-inaugurado, em 1961, e fui trabalhar no berçário. Foi nessa época que eu comecei a me interessar por uma especialidade que estava nascendo, junto com o trabalho do Hospital. Depois, vieram outros trabalhos. Trabalhei na Maternidade-Escola de Vila Nova Cachoeirinha por muitos anos e dirigi o berçário. Passei praticamente toda a minha vida dedicada à Neonatologia, e à Perinatologia. Viajei muito por todo Brasil, em nome da Sociedade Brasileira de Pediatria, para difundir o estudo e o trabalho da Perinatologia, consequência da união entre a Obstetrícia e o cuidado do recém-nascido.
4. Sabemos que a senhora sempre foi inovadora, e que é reconhecida como uma das pioneiras na implantação do atendimento ao recém-nascido por pediatras em sala de parto. O que pode nos falar sobre isso?
CS: Essa é uma história curiosa. No começo dos anos 60, exatamente quando surgia a Neonatologia no mundo, estávamos preocupados com o atendimento ao recém-nascido que era feito ou pelo obstetra, que também estava ocupado com a mãe, ou pelo anestesista, e nenhum dos dois tinha a formação adequada para dar atendimento à criança. A mortalidade neonatal era muito alta. Eu e Dr. Mário Santoro Júnior, grande pediatra, que foi presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo e depois da Sociedade Brasileira de Pediatria, conseguimos uma audiência com o ministro da saúde, um nome muito famoso na época. Fomos atendidos cordialmente. Eu havia sido contemporânea de faculdade com esse ministro. Expusemos nosso ponto de vista: o pediatra devia fazer parte da equipe da sala de parto para o atendimento específico ao recém-nascido. Levamos dados, estatísticas, e quando terminamos nossa apresentação, esse ministro virou-se para nós e disse: “Eu entendo que vocês queiram aumentar o ganho do pediatra colocando-o na sala de parto”. Foi isso que ele entendeu. Nós saímos decepcionados e frustrados. Um tempo depois esse ministro saiu. Seu sucessor foi um ortopedista. Para nossa surpresa, foi publicada portaria sobre a necessidade e a obrigatoriedade da presença do pediatra na sala de parto. Em 2016, uma nova portaria do Ministério da Saúde confirmou essa obrigatoriedade. Nós trabalhamos e a Sociedade Brasileira de Pediatria conseguiu vencer esse obstáculo.
5. O que pode nos contar sobre sua trajetória na SBP e em outras entidades associativas?
CS: Desde que me conheço, atuei dentro da Sociedade Paulista e da Sociedade Brasileira de Pediatria. Já fui presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo, e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria. Sempre estive ligada e trabalhando dentro das associações que regem a carreira dos pediatras, e me orgulho muito disso. Não me arrependo, em absoluto, de ter enveredado pelo caminho associativo.
6. A Academia Brasileira de Pediatria está lançando agora seu novo boletim, como sucessor do Mercúrio, que teve a senhora como criadora e editora. O que pode nos falar sobre essa iniciativa?
CS: O acadêmico Edward Tonelli, de Minas Gerais, havia feito um boletim, que teve dois números editados, mas a ideia sucumbiu, não teve continuidade. A criação do Mercúrio surgiu a partir de um de nossos fóruns. Na ocasião, discutia-se sobre a comunicação entre os pediatras. O professor José Martins Filho, presidente da época, trouxe o tema à baila e eu defendi a ideia de que seria interessante que os acadêmicos pudessem se comunicar por meio de um boletim. Houve uma votação, a ideia foi aprovada, e o Dr. Martins me designou como editora dessa pequena publicação. Assumi e conduzi com muito gosto e, às vezes, com muita dificuldade porque nem sempre os acadêmicos estavam dispostos ou tinham tempo para colaborar. Fico muito satisfeita que ele tenha dado esse salto para a profissionalização, para sua consolidação naqueles objetivos iniciais e outros que venham a surgir. Me congratulo com a atual diretoria da Academia Brasileira de Pediatria por essa iniciativa de transformar aquele Mercúrio pequenininho, em um real instrumento de comunicação da Academia.
7. Como foi conciliar, ao longo de sua carreira, a sua vida familiar com a vida profissional?
CS: Eu diria que não foi muito fácil não. Fui casada (meu marido é falecido), tive dois filhos, tenho quatro netos e atualmente sou bisavó. Tenho dois bisnetos! Essa é uma trajetória em que existe bastante compreensão e colaboração do meu parceiro. Meu marido também era médico, clínico geral. Conseguimos contribuir de parte a parte para que cada um executasse seu trabalho respeitando os limites do outro. Isso exige esforço, trabalho, paciência e persistência.
8. Qual conselho ou mensagem daria aos jovens médicos que pensam em fazer residência em pediatria e seguir na área de atuação em Perinatologia?
CS: Eu diria que é preciso persistir. Não devem desanimar diante de obstáculos que certamente surgirão durante a carreira. Diria que devem procurar sempre estudar, se atualizar, eventualmente trilhando o caminho da pesquisa. A pesquisa em nosso País ainda é restrita. Então, que esses jovens estudem e, se tiverem oportunidade, que se dediquem a pesquisa, pois isso é muito importante dentro da Medicina.