Pediatra recebe carta de advertência do diretor técnico da unidade de saúde por ter se recusado a marcar mais do que 12 consultas em quatro horas de atendimento ambulatorial. A mesma queixa foi entregue pela direção à comissão de ética da unidade de saúde. Alega o especialista que, como atende quatro crianças ou adolescentes de primeira vez e a região onde atua carece de programas sociais e de áreas de atuação da Pediatria, necessita de mais tempo em algumas consultas para um atendimento adequado, o que o impossibilita de marcar um número maior. As justificativas do gestor são de que existe alta demanda e que, apesar dos pacientes de primeira vez, ocorrem não comparecimentos, e que algumas consultas são de fácil resolução, de revisão ou para resultados de exames.
É frequente nos ambulatórios do nosso país o agendamento de 16 atendimentos por turno ambulatorial de quatro horas, às vezes de até 20 para o mesmo período, inclusive por alguns dos chamados “planos de saúde”. Discussões como essa são comuns Brasil afora, às vezes com exacerbações semelhantes à apresentada. Tem razão o diretor técnico ou o médico pediatra?
Não existem regras definidas sobre esse problema, pelo visto, de difícil solução. O que se discute aqui é a questão do ponto de vista da ética médica e da bioética. O tempo de uma consulta não pode ser estabelecido previamente, já que a Medicina não é uma ciência exata e cada caso a ser atendido difere entre si, pois pacientes com a mesma doença podem reagir de maneira diferente e ter evoluções e complicações distintas, com andamentos diversos de atendimento. Além disso, há o tempo a ser dispensado para orientações de prevenção e de promoção da saúde.
O Ministério da Saúde não faz referência sobre essa dificuldade na Portaria 2.488, de 21 de outubro de 2011, que aprova a Política Nacional de Atenção Básica, e na Portaria 2.436, de 21 de setembro de 2017, que aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
O (re)conhecimento das estruturas disponíveis no sistema local de saúde, de cada Unidade Básica de Saúde (UBS) e das condições sociais e epidemiológicas da área onde está instalada, é fundamental para se discutir e determinar a média de atendimentos que poderá ser marcada para quatro horas de jornada, dependendo, igualmente, da experiência e capacidade do médico em questão para acolher, com segurança e qualidade, cada caso que lhe seja apresentado. Depreende-se, também, que a média indicada pode ser mudada em eventual alteração de uma ou mais variáveis.
O Código de Ética Médica (CEM) trata especificamente desse tema no capítulo sobre os direitos dos médicos, ajudando a solução: “É direito do médico decidir, em qualquer circunstância, levando em consideração sua experiência e capacidade profissional, o tempo a ser dedicado ao paciente sem permitir que o acúmulo de encargos ou de consultas venha prejudicar seu trabalho.”
Portanto, em última análise, deve o médico decidir o que é melhor para o paciente, procurando fundamentar sua deliberação ao balizar o número a ser atendido por turno de trabalho. O ideal seria cada instituição conhecer as variáveis, discutir com a equipe médica e perseguir uma solução que proteja o paciente e não prejudique o exercício ético e legal da medicina, dimensionando com maior adequação o quantitativo da equipe em cada turno ou plantão. Não está em discussão eventuais urgências ou emergências; estas deverão ser atendidas imediatamente. Apesar de o artigo se referir a atendimento ambulatorial, avalio pertinente tentar a mesma discussão em outras circunstâncias.
Outra contribuição do CEM nos lembra que no caso de uma instituição, pública ou privada, na qual as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais, “pode o médico recusar-se a exercer sua profissão. Nesse caso, comunicará com justificativa e maior brevidade sua decisão ao diretor técnico, ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição e à Comissão de Ética da instituição, quando houver”, com o devido cuidado de não incorrer em abandono de plantão ou de paciente.
Finalmente, não se pode, por certo, ignorar que toda decisão deverá objetivar o benefício do paciente à luz do princípio constitucional do melhor interesse da criança e do adolescente, como instrui o artigo 227 da Constituição da República e o Estatuto da Criança e do Adolescente.