Editorial

A importância do paliativismo pediátrico e neonatal: cuidados essenciais para uma Pediatria abrangente

Prezados pediatras e membros da Academia Brasileira de Pediatria,

É com grande entusiasmo que abordamos um tema crucial para o desenvolvimento da Medicina Pediátrica: o paliativismo pediátrico e neonatal. Reconhecemos a relevância de ampliar o conhecimento sobre esta área especializada que desafia e complementa a atuação dos pediatras dedicados ao cuidado integral das crianças e adolescentes.

A OMS publicou sua primeira definição de cuidados paliativos em 1990. Depois, ela foi revisada e atualizada em 2002 para a que usamos até hoje, em que estabelece os cuidados paliativos como uma abordagem que melhora a qualidade de vida de pacientes e suas famílias que enfrentam os desafios associados a doenças graves, com foco na prevenção e alívio do sofrimento. Essa abordagem considera aspectos físicos, psicossociais e espirituais e é aplicada desde o diagnóstico até o final da vida.

Segundo Zeni¹, os cuidados paliativos podem ser precoces ou se referirem aos cuidados de fim de vida. Nos cuidados precoces, o conceito atual propõe oferecer cuidados paliativos com o objetivo de aliviar o sofrimento em fases iniciais, de preferência, logo após o diagnóstico de uma doença incurável. Nesses casos, o paciente possui uma doença crônica, mas ainda passível de ser controlada com tratamentos modificadores de doenças. Outros tratamentos que prolongam a vida ainda podem oferecer benefícios, e a condição pode-se prolongar por anos. Geralmente são pacientes com doenças com curso arrastado crônico, por exemplo, alguns linfomas de baixo grau. O autor destaca que essa definição muda radicalmente o conceito de que cuidados paliativos se restringem a pacientes terminais, ou seja, que se aproximam da morte. O conceito permite ainda enxergar doença como um espectro, que vai desde um pólo em que predomina o tratamento modificador da doença e os cuidados paliativos têm menor papel até o polo oposto, em que os cuidados paliativos são exclusivos, pois o tratamento modificador da doença já não é mais eficaz. Assim, durante grande parte do curso clínico os cuidados paliativos e o tratamento modificador podem coexistir.

Já os cuidados de fim de vida são definidos por Zeni como uma parte importante dos cuidados paliativos e, usualmente, se referem ao manejo dos pacientes que se aproximam do fim da vida, quando fica claro que o paciente está em estado de franco declínio (estado terminal). Nessa fase, o tratamento modificador da doença não é mais eficaz, e os tratamentos que prolongam a vida passam a ser fúteis. Os objetivos do cuidado passam a ser cada vez mais exclusivamente paliativos.

De acordo com Zoboli², os cuidados paliativos pediátricos, assim como os cuidados paliativos em adultos, é uma abordagem focada na promoção da qualidade de vida e no alívio do sofrimento apresentado por crianças e adolescentes com condições que limitam e/ou ameaçam a vida. No entanto, também apresentam particularidades em relação à população adulta.

A nova morbidade pediátrica – que se seguiu com a mudança da epidemiologia ao longo dos anos, ou seja, da fase em que a prática clínica era assoberbada por doenças infectocontagiosas para a fase atual – se observa, com o avanço da tecnologia, maior sobrevida de pacientes com doenças ameaçadoras da vida, como as malformações congênitas, alguns tipos de câncer e doenças como fibrose cística, AIDS e outras que exigem tratamentos intensivos e que, após fase aguda, apresentam condições crônicas, os cuidados paliativos se impõem.

Neste contexto, é fundamental que os pediatras estejam familiarizados com os princípios e práticas do paliativismo pediátrico e neonatal. Ao adquirirem este conhecimento, torna-se possível identificar os pacientes que se beneficiariam desse tipo de cuidado e, assim, oferecer um suporte adequado em momentos delicados e complexos. Ao compreender e aplicar os princípios do paliativismo pediátrico e neonatal, os pediatras poderão contribuir para uma assistência mais abrangente, que reconhece a individualidade de cada criança e sua família. A importância deste conhecimento é evidenciada pela necessidade de oferecer suporte emocional, orientação e informações claras aos familiares, ajudando-os a tomar decisões difíceis e auxiliando na construção de um ambiente de cuidados compassivos e acolhedor.

A Sociedade Brasileira de Pediatria, por meio de seu Departamento Científico de Medicina da Dor e Cuidados Paliativos, tem editado documentos técnicos sobre o assunto, além de promoção de eventos referentes ao tema. A Academia Brasileira de Pediatria, coerente com seus objetivos, discute os aspectos históricos, éticos e bioéticos desse novo arsenal de conhecimentos, além de fomentar a necessidade de todos os pediatras se atualizarem nesse tema.

Referências bibliográficas

1) Zeni, E. M. “Introdução aos Cuidados Paliativos: História e Princípios”. In: Cuidados Paliativos: da Clínica à Bioética. VATTIMO, F. Q.; BELFIORE, E. B. R.; ZEN, J. H. J.; SANTANA V.S. São Paulo: Cremesp, 2023.

2) ZOBOLI, I.; MARÇOLA, L.; POLASTRINI, R. T. V.; BARBOSA, S. M. M. “Cuidados Paliativos Pediátircos.” In: Cuidados Paliativos: da Clínica à Bioética. VATTIMO, F. Q.; BELFIORE, E. B. R.; ZEN, J. H. J.; SANTANA V.S. São Paulo: Cremesp, 2023.

3) Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento de Medicina da Dor e Cuidados Paliativos. Disponível em: https://www.sbp.com.br/departamentos/medicina-da-dor-e-cuidados-paliativos/. Acessado em 08/08/2023.