Em entrevista para esta edição do Boletim da Academia Brasileira de Pediatria (ABP), a Dra. Themis Reverbel, membro da cadeira n. 18 da ABP, falou não só sobre a Pediatria, mas também sobre a criação do Programa de Transplante de Fígado para Crianças no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e como sua paixão por teatro ajuda no trato com seus pacientes.
Doutora, como a senhora escolheu a Medicina?
Eu estive pensando e existem diferentes razões para as pessoas fazerem Medicina: ou porque tem algum modelo que a gente queira se espelhar, algum modelo na família de um profissional exitoso ou porque quer estabilidade profissional, a questão financeira.
Bom, no meu caso, apesar de eu me chamar Themis, que é o nome da deusa da justiça, aquela que é representada com os olhos vendados para dizer que a justiça é cega, de meu pai ser um advogado apaixonado pela profissão e de não ter ninguém médico mais próximo na família, reza o folclore familiar que eu, desde pequena, disse que ia fazer Medicina. Inclusive, contam que, quando eu ganhava bonecas, eu abria para ver o que tinha dentro. Então, eu acho que curiosidade é uma coisa que certamente influenciou a minha escolha. Por outro lado, eu gosto muito de gente, de conversar, de estar próxima.
Então, de uma certa forma, é ainda a curiosidade de olhar mais, olhar mais para dentro, como eu fazia com as bonecas. Então, eu acho que curiosidade, um certo desafio intelectual e, sobretudo, gostar de gente.
E a Pediatria, como ela entrou na sua vida?
A Pediatria entrou tarde na minha vida. Tenho 85 anos e continuo trabalhando porque o tempo não conta muito para mim. Nunca deixei de fazer alguma coisa em função de tempo. A Pediatria não foi a minha primeira escolha. Ela entrou tarde e eu fui sendo conquistada gradativamente pelas crianças e pelos adolescentes.
Me formei em Medicina, fui fazer residência de Gastroenterologia muito estimulada por um professor excepcional, que se chamava Jorge Pereira Lima. Fiz, na realidade, Gastroenterologia de adulto no fim da década de 60 e comecei a me dar conta que não havia, à época, medidas e explicações do aparelho digestivo em relação à criança.
Comecei a estudar e gostei. Foi muito interessante. Meu chefe, na ocasião, me permitiu ter um setor na Enfermaria de criança, e isto aqui na época foi absolutamente inovador. Quando eu penso, vejo com satisfação que foi uma sensação boa, de dever cumprido, porque isso ocorreu na década de 60.
Comecei a me aprofundar, gostei muito e fui sendo conquistada pelas crianças. Mas não foi a minha primeira escolha. A primeira foi o aparelho digestivo.
E, falando sobre essa sua escolha pela Gastroenterologia, a senhora foi influenciada pelo seu professor?
Acho que isto é interessante porque fica muito saliente a figura do mentor, a figura do professor. Isso é fundamental. Tive como modelo um professor que era brilhante, o professor Pereira Lima, exigente ao máximo, crítico, severo e permanentemente controlando a gente. Uma cultura médica realmente invulgar. Ainda não havia me formado e como aluna do sexto ano o procurei para fazer um estudo. Foi o primeiro estudo científico que fiz e foi icterícia em recém-nascido prematuro.
Olhando agora, 60 anos depois, eu me dei conta que, antes de eu me formar, já estavam mais ou menos definidos os dois temas que me encantariam e que conduziram meu interesse pela minha vida afora: as doenças do fígado, o funcionamento do fígado, as suas doenças e a repercussão disso nas crianças.
Iniciei a Gastroenterologia Pediátrica aqui no sul do país, não havia nada. Na década de 70, chegou dos Estados Unidos um colega pediatra no Rio de Janeiro, chamado Aderbal Sabrá. Ele tinha feito fellow em formação em Gastroenterologia, e em Petrópolis, no Rio de Janeiro, ele fez uma primeira reunião.
E, para essa primeira reunião, ele chamou seis colegas, que foram, além dele, obviamente, o Ulisses Fagundes Neto e o Jamal Wehba, de São Paulo, Francisco Pena, o Chico Pena, de Belo Horizonte, o Mairon Lima, de Brasília, e eu aqui do Sul. Éramos seis. E nós originamos e estipulamos, vamos dizer assim, o início da Gastroenterologia Pediátrica. E originamos também o primeiro Departamento da Sociedade Brasileira de Pediatria com interesse em aparelho digestivo.
A senhora também foi a fundadora do Programa de Transplante de Fígado do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Como foi a criação desse programa? Quais foram os desafios que a senhora enfrentou e os seus colegas?
Isso foi muito depois. Nessa época, já trabalhava, tinha feito vários concursos e o Departamento de Pediatria, era professora de Pediatria e de Gastroenterologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e na Universidade de Ciências da Saúde, hoje em dia, que era chamada de Faculdade Católica. Já tínhamos montado um serviço bem constituído, recebíamos pacientes de várias partes do país dentro da Gastroenterologia.
Sempre me dirigi mais para fígado e vias biliares e me dei conta que eu não podia ajudar integralmente os pacientes se eu não tivesse um programa de transplante. Isso porque, na ocasião, os pacientes mais complexos nós encaminhávamos para São Paulo para fazer o transplante porque não havia no sul do país nenhum programa dirigido a crianças.
No Hospital de Clínicas nós conseguíamos fazer diagnósticos muito importantes e detalhados, mas o tratamento falhava porque só tínhamos até um certo ponto. Então, me dando conta disso, comecei a tentar sensibilizar colegas para, numa equipe multidisciplinar, criar transplante, porque não havia nem o de adulto no Hospital. Isso é algo original porque, usualmente, os programas pediátricos em hospitais gerais ocorrem depois de adulto. O presidente do Hospital ficou sensibilizado, concordou com as minhas ponderações e, assim, começamos. Quase três anos depois, em março de 1985, nós transplantamos a primeira criança pelo SUS no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Como médica, acho que a experiência maior, mais significativa que eu tive na vida foi acompanhar os pacientes com transplante.
Na época, nós não fazíamos o transplante na modalidade de intervivo, em que o doador pode ser uma pessoa viva e que doa um fragmento do fígado. Os doadores eram sempre cadavéricos. Então, a experiência vivida de compartilhar de um lado a esperança de vida de um paciente que vai receber transplante e, de outro, a dor das famílias que perdem alguém, muda a gente para o resto da vida. Acompanhar isso foi uma coisa fantástica. Tu podes avaliar nas pessoas as qualidades que são fundamentais para que um transplante ocorra: confiança, generosidade, entrega, coragem.
Hoje, perto de 300 crianças já foram beneficiadas e uma colaboradora minha desde essa época chamada Sandra Vieira, que é da Bahia, e veio fazer um estágio conosco, continua o programa. É um aprendizado permanente, é um exercício de humildade. Realmente algo muito especial. Foi uma coisa maravilhosa que eu acompanho até hoje com grande satisfação.
Gosto de salientar que o transplante atinge toda a instituição. Todo mundo trabalha junto, desde a pessoa que recebe o órgão no meio da noite, àquela que facilita a entrada no hospital, passando também por quem dá a última sutura e cuida do paciente. Nós, no Brasil, somos privilegiados porque temos um serviço de organização de transplante modelar, um dos países no mundo em que mais transplante se faz. E gosto de salientar que fazemos pelo SUS com grande sucesso.
A senhora fala com tanta paixão sobre o transplante, sobre o programa de transplante. Como a senhora vê a continuidade dele?
Ninguém passa impunemente por um transplante, nem quem recebe, nem quem faz o transplante. As pessoas que hoje continuam com o programa são minhas quase filhas: se formaram comigo, continuam lá, eu me sinto participando até hoje. Com grande frequência, estou junto, não na realização do transplante, mas acompanhando o programa.
Eu não sei bem como te responder isso, mas eu me sinto ainda partícipe do programa. Todos os anos, em março, a gente lembra de inúmeros casos, inúmeras pessoas que ajudamos. Atualmente, os programas de transplante de fígado para criança existem em várias regiões do Brasil, do Sul ao Norte. Mas há 30 anos, não, e muita coisa mudou em relação ao transplante.
Hoje, com grande frequência, o doador que pode ser utilizado em criança, é um familiar, portanto, vivo, em que se retira fragmento do órgão. E isso facilitou muito a questão da doação, que é sempre inferior à necessidade. Nós estamos sempre atrás. Queremos e temos sempre a necessidade de um número maior de doações. Mas é isso. Eu acho que ninguém passa impunemente por um transplante. A gente se modifica de uma certa forma, se humaniza mais ainda.
Alguns professores dizem que são professores porque precisavam ser, naquele momento, professor. Não é nem a questão financeira, precisava ser para que aquela disciplina pudesse evoluir. E a senhora? Por que a senhora foi professora? Um pouco de cada? Ou tem algum outro motivo?
Um pouco de cada porque eu acho que, primeiro, aquilo que eu disse desde o início, gosto de gente, gosto de jovem e acho que é um privilégio a gente se manter viva na comunidade, então a chance de trabalhar com os jovens é extremamente enriquecedor. Por outro lado, como eu já disse também, sou curiosa e, então, a necessidade que se tem da atualização permanente, do estudo contínuo me encanta. E adoro ser professora. Além disso, acho que há um espírito maternal em querermos formar jovens e participar da vida deles. Não tem relação com a questão de financeira. Todos nós sabemos que não se ganha bem sendo professor, quando muito, é razoável.
Creio que essa mistura de curiosidade e vontade de ajudar e, ao mesmo tempo, se sentir desafiada permanentemente pelos alunos me encanta. Aos 85 anos ainda dou aula e adoro. Vou ser professora até o fim da vida. Outra questão também é a necessidade de a pessoa estar sempre atualizada. Agora, por exemplo, eu estou com três livros sobre inteligência artificial, e é um tema que há 40 anos não se falava, que os alunos me perguntam, e é interessante. Na minha área, por exemplo, hepatologia, recentemente, recebi da Associação Norte-Americana - que eu sou sócia - um material maravilhoso sobre inteligência artificial e fígado. Então, eu passo para os alunos e gosto dessa dinâmica.
Gosto de saber que eu participo do futuro deles.
Para senhora, o que significa a Academia Brasileira de Pediatria?
Penso que o conceito mais significativo para o médico, não me entenda mal, não é o que a sociedade tem dele e até mesmo nem o que os pacientes fazem dele. Acho que a coisa mais importante é o conceito os seus colegas fazem dele. Então, é isto: ter sido eleita pelos colegas para integrar a Academia Brasileira de Pediatria é, portanto, para mim, um orgulho muito grande. A cadeira 18, a que eu ocupo e que antes tinha sido do Braga e depois do Izrail Cat. Bom, então, pertencer a essa organização, que é sabidamente de elite, de profissionais que têm interesses comuns, e saber que eu posso colaborar na solução, levantar questões, problemas que afetam as crianças brasileiras e as suas famílias, realmente é um privilégio.
Então, respondendo à sua pergunta, pertencer a um grupo é fundamental. E este grupo me deixa envaidecida. É isso.
E o que a Academia Brasileira de Pediatria representa também para os outros pediatras e para os novos pediatras? Qual é a representatividade da Academia?
Bom, em termos pessoais, para mim foi eu me assegurar que eu tenho um bom conceito e que os pares me deram esta alegria.
Recordo perfeitamente quando eu ingressei na Academia, em 2014, porque eu respondi a um edital de abertura de vagas. Me candidatei, submeti meu nome, que foi aceito, e me lembro que quem me conduziu no dia, na sessão que foi tão bonita na Bahia, foi o atual presidente, meu querido amigo Jefferson Piva, e minha amiga de vida inteira, professora Luciana Silva. Então foi, para mim, um momento quase mágico.
É extremamente significativo pertencer a este grupo e é um grupo que também fala com a comunidade. Não são só uns 30 participantes falando entre si. Nós temos a preocupação de levar o conhecimento, dúvidas e esclarecimentos para a comunidade. Os Fóruns de Pediatria, por exemplo, durante os Congressos Brasileiros de Pediatria. Os fóruns, que são responsabilidade da Academia, são muito interessantes. Discutem-se os assuntos mais diversos, desde a importância das telas para as crianças até cuidados da adoção de crianças e assim por diante.
Então, o que significa é estar junto num grupo de elite refletindo e tentando levar para a comunidade não científica também o nosso pensamento. Creio que devemos participar de coisas cada vez mais em contato com a comunidade. Na minha época de jovem médica nós não víamos com simpatia os colegas que faziam propaganda, nós dizíamos "fulano está fazendo propaganda, está falando no rádio, está aqui, ali". Hoje, eu considero da mais absoluta importância que se esforce em conversar com a comunidade.
A senhora tem um lado artístico e quase seguiu a carreira no teatro e não na Medicina, é verdade? E como foi esse envolvimento com o teatro? E como se decidiu pela Medicina e não quis o teatro?
Bom, é verdade. Quando jovem, bem jovem, eu tive dúvidas. Tive dúvidas do que eu queria ser do ponto de vista profissional. E não, a coisa não começou com o teatro. Muito antes disso, eu fiz muitos anos de piano, de dança e mais tarde é que eu fiz teatro amador. Houve um espetáculo aqui em Porto Alegre, o Hamlet, e eu fui a Ofélia e adorei. E tempos depois eu era uma guria, tinha 15, 16 anos, e tinha que me preparar para o vestibular. Na época, só tínhamos aqui a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e eu estava numa dúvida enorme, não sabia o que fazer. Nós podíamos fazer, na ocasião, dois vestibulares completamente diferentes e eu fiz os dois. Fiz para arte dramática e Medicina, ambas na UFRGS.
Bom, passei nos dois e cursei os dois. Então, era uma situação muito especial. De manhã eu era uma, de tarde eu era outra. É claro que isso não podia durar muito. Isso aconteceu porque eu tinha dúvida e gostava das duas coisas, mas também porque eu vou confessar, Medicina, naquela ocasião, era muito chata. Era puramente teoria, nós não tínhamos, como existe agora, e isso é uma mudança fantástica, nenhum envolvimento com o paciente, nem com as famílias. Até o terceiro ano, então, era pura teoria.
Estava achando muito monótono nesses anos iniciais e, apesar de vir de uma família do interior de São Gabriel, meus pais entenderam a minha dúvida. Nós tínhamos uma amiga muito próxima nossa, que morava em Paris, uma francesa chamada Nadine. Eles consentiram que eu passasse um ano em Paris. Brinco que foi meu ano sabático. Um ano pensando.
Me matriculei na Sorbonne e fiz tudo aquilo que todo mundo faz na civilização francesa: fiz francês, fiz literatura e fiz música, inclusive música da Idade Média. Em Paris, eu era bem próxima da Embaixada Brasileira e do pessoal da Embaixada. E, nela, frequentava um médico muito chamado Nathaniel Adlet que viu que tinha uma guriazinha que estudava Medicina no Brasil.
Um dia, nós estávamos num jantar, e ele me perguntou "Tu gostarias de visitar algum hospital? Tu conheceste algum hospital daqui?". Eu disse "Não". Eu não conhecia nada, eu só ia a cinema e teatro em Sorbonne. "Tu não gostarias de ir em um hospital?", "Gostaria". E ele me levou para o Hospital Saint-Louis, que é um hospital de Dermatologia. Os primeiros pacientes em que eu toquei foram pacientes franceses e, para mim, foi um momento mágico. Era o que me faltava para eu saber o que fazer na vida. Era gente, eu gosto de gente, então eu precisava era desse contato. E, ao fim desse meu ano, que eu chamo ano sabático, eu voltei para Porto Alegre e nunca mais deixei de ver paciente, eu faço até hoje, o meu maior prazer.
Essa paixão pelo teatro, pela literatura, pela música, a senhora acha que isso também ajuda no dia a dia da Pediatria, a lidar com as dificuldades da profissão, a lidar com os pacientes ou então até a distrair quando tem algum dia difícil?
Gostaria de fazer algum comentário especificamente em relação ao teatro porque inicialmente parece que não há nenhuma relação entre esses campos que são assim tão distintos: Medicina, paciente, doença, dor e teatro. Mas na realidade existe uma relação, e ela é, na minha opinião, plenamente perceptível em dois momentos. O primeiro deles é na comunicação com os pacientes. E o outro momento, sem dúvida alguma, é quando a gente vai expor algum material porque aprendemos a falar com o público.
Então, a comunicação dos pacientes em primeiro lugar e depois como palestrante em seminário, mesa-redonda, enfim, como professor, inclusive. Quando a gente colhe a história dos doentes, quando a gente faz a anamnese, é importante valorizar os diferentes cenários e suas complexidades. Enfim, o cenário onde está inserido aquele paciente, as histórias dele, o comportamento, a capacidade de se colocar no lugar do outro com empatia, viver outra vida. A gente aproveita, então, a habilidade que desenvolveu no teatro, sobretudo quando a gente faz, por exemplo, o treino de improvisação no teatro; a gente muitas vezes tem que improvisar numa consulta.
Acho que isso pode ajudar o dia a dia do médico clínico no consultório. Por outro lado, existem estudos robustos, sérios, bem conduzidos, internacionais, de vários tipos, que mostram para os alunos nos anos iniciais de Medicina - até para refinar a sensibilidade deles - o que significa ter uma deficiência grave. Existem estudos em que colocam tampões nos ouvidos dos alunos para que eles sintam o que sente um paciente surdo. Existem estudos extremamente interessantes que colocam, por exemplo, pedras nos sapatos para que os alunos se sintam como um paciente com claudicação intermitente, com dificuldade de deambulação e, enfim, vários tipos. Além do clássico: colocar venda nos olhos, apagar todas as luzes para ver como as pessoas se sentem privadas de visão.
No fundo, isso é teatro, é viver outra vida. É teatro colaborando, no dia a dia do cuidado médico. Eu acho que isto é bom, não é que a gente vai representar para os pacientes, mas a possibilidade de viver outras vidas e de aprofundar e ver através, que é o que a gente faz com o teatro. É um dia a dia médico que pode ser ajudado pelo teatro. Só falando no teatro. Nem vou falar em outras artes, música, pintura etc.
A senhora tem algum conselho para os jovens pediatras, ou algo que gostaria de ter ouvido quando começou a sua carreira e não ouviu?
Esta pergunta vale um milhão de dólares, eu acho. Gostaria de ter tido um melhor conhecimento de várias coisas, mas uma delas, sem dúvida alguma, de alguns aspectos da história da Medicina. Por exemplo, todos nós conhecemos o juramento de Hipócrates, 400 anos antes de Cristo, mas poucos conhecem os aforismos de Hipócrates. E o primeiro deles, gostaria que me tivesse sido apresentado. “A vida é curta. A arte é longa. A ocasião, fugidia. A experiência, enganadora. O julgamento é difícil.” Para mim, este aforismo mostra, de uma maneira exemplar, o perigo que é do conhecimento adquirido apenas pela experiência. Não é que não se valorize experiência, é claro que valoriza, mas ela é menor. O que realmente interessa é a qualidade. A qualidade que a gente só adquire na academia, na universidade, na biblioteca, no estudo, sendo aluno e professor.
E eu tive um professor maravilhoso chamado Mário Rigatto que dizia: "Isso tudo a gente adquire na pesquisa, porque a pesquisa é o real, ela é a real semente do progresso". Então, o que eu gostaria que me tivessem dito? Que experiência não é tudo, que a gente tem que estudar e estudar porque o progresso vem do estudo.
Adoro mitologia e gosto imensamente da imagem do deus romano chamado Janus, que, aliás, origina o mês de janeiro, o início do ano. E ele tem duas faces. E, para mim, essas duas faces representam os dois caminhos, um representa o presente, o outro representa o futuro. Em relação à Pediatria, a que representa o presente nos mostra a importância do cuidado permanente, vacinar as crianças, orientar os pais, falar com a família, isto é o presente, o que tem que fazer. Mas o futuro, que é a outra face, essa é a expectativa, essa é o progresso. Essa é o que virá com a pesquisa, a inovação, a inteligência artificial, novos tratamentos para câncer, e por aí vai. Então Janus, para mim, é a nossa vida. A gente tem que ter duas faces.
A gente não pode ficar só no presente. A gente tem que olhar o futuro independentemente da idade. O pessoal brinca comigo: "Que isso, Themis, tu tens 85 anos, estás aí estudando coisa nova". E eu respondo: "Estou estudando inteligência artificial e estou maravilhada".