Publicado/atualizado: março/2019
Departamento Científico de Gastroenterologia
O termo microbiota intestinal (MI) se refere aos microrganismos que colonizam o trato gastrointestinal (TGI); embora exista maior conhecimento acerca dos microrganismos bacterianos que ali habitam, sabe-se que também existem fungos, parasitas e vírus. Entenda-se por “colonizam” a capacidade do microorganismo aderir, multiplicar-se e, portanto permanecer no TGI ao longo do tempo. Microorganismos introduzidos no TGI, como bactérias ingeridas através do consumo de suplementos probióticos ou através de alimentos contaminados, não colonizam o TGI, e têm uma ação passageira no mesmo..
A MI desempenha diversas ações importantes no ser humano, podendo estas ações ser para a saúde, ou para a doença, dependendo da composição da MI (equilíbrio entre microrganismos potencialmente benéficos e maléficos) e da relação que ela estabelece com o hospedeiro. As principalmente funções são: antibacteriana, imunoestimulante e metabólicas. A função antibacteriana se refere à capacidade da MI impedir a colonização por novas bactérias indesejáveis. Este fenômeno é conhecido como “resistência à colonização” ou “efeito barreira”. A resistência à colonização acontece por alguns mecanismos: a MI instalada no ser humano forma uma barreira mecânica, impedindo que as novas bactérias se liguem à parede intestinal; os microrganismos existentes consomem rapidamente e de forma muito eficaz os nutrientes que chegam ao intestino, matando as novas bactérias “de fome”; e também através de um mecanismo ativo, os micróbios sintetizam e liberam substâncias ação antimicrobianas, capaz de destruir “os invasores”.
A MI exerce efeito muito importante para a maturação do sistema imune. A parede intestinal é muito rica em células imunes, e estas células são estimuladas pelos elementos que se aproximam da parede do intestino, sendo os microrganismos da MI o principal estímulo para as mesmas. Sem o estímulo adequado da MI, o sistema imune se torna frágil, propenso a infecções e ainda mais... ele se torna “mal regulado”... o que significa que responderá de forma desorganizada, reagindo de forma exagerada ao que não deveria reagir, provocando doenças como alergia e doenças auto-imunes.
A função metabólica se refere à ação que a MI exerce na degradação de resíduos que chegam aos cólons, com produção de novos produtos advindos desta degradação. Substratos que chegam ao lúmen colônico não digeridos servem de “alimento” para as bactérias, eles serão degradados, formando-se novos produtos que são reabsorvidos pela mucosa colônica, ocorrendo o chamado salvamento energético. Quando a MI executa esta ação metabólica de forma inadequada, pode haver o surgimento de doenças como a obesidade e o autismo.
Diferentes estratégias têm sido propostas para manipular as populações microbianas e promover a saúde, entretanto, a MI uma vez estabelecida (processo que é concluído em terno de dois anos de idade), tem tendência a manter uma composição estável, muito resistente a intervenções transitórias. Ou seja... os dois primeiros anos de vida correspondem à melhor “janela de oportunidade” para se atuar, garantindo a instalação de uma “boa” MI, que possa desempenhar ações benéficas ao longo da vida.
Os principais fatores que interferem no tipo de MI que irá se instalar no indivíduo são: tipo de parto, aleitamento materno e uso de antibióticos. Os primeiros microrganismos que chegam ao ambiente intestinal são muito importantes, pois irão influenciar a permanência ou não, dos microrganismos subsequentes. Devido a isto, a via de nascer exerce uma forte influência sobre a composição da MI ao longo da vida. A criança que nasce por parto vaginal adquire os microrganismos da microbiota vaginal materna, usualmente rica em lactobacilos (microrganismos sabidamente benéficos ao ser humano). Já a criança que nasce por meio de parto cesariano, adquire como microrganismos iniciais aqueles existentes no ambiente hospitalar, resultando em maior colonização por bactérias do gênero Clostridium (relacionado ao surgimento de doenças); e na pele humana, como bactérias do tipo estafilococos e estreptococos (também relacionadas ao mau funcionamento da microbiota).
Logo após o parto o tipo de alimentação que o bebê receberá será extremamente importante para a sobrevivência ou não dos microrganismos benéficos. As crianças que recebem aleitamento materno têm a MI rapidamente dominada por grande quantidade e tipos específicos de bifidobactérias, associadas a várias funções benéficas para o bebê e que restringem o crescimento de microrganismos não desejáveis. Isto ocorre, pois o leite materno possui vários componentes que favorecem a este resultado, entre eles, um dos mais importantes, é a presença de grande quantidade de substratos que têm a função específica de nutrir, auxiliando na proliferação de determinadas bifidobactérias. Estes substratos são chamados oligossacarídeos do leite materno (estes oligossacarídeos não existem em nenhum produto industrializado). Crianças em uso de fórmulas infantis desenvolvem uma MI mais diversa, com menores quantidades e tipos diferentes de bifidobactérias, com a presença também de bacteróides, enterobactérias, enterococos e clostridium.
Embora de grande importância para o tratamento de algumas doenças, o uso de antibióticos terá impacto negativo sobre a organização inicial da MI. O uso de antibióticos causará a destruição de algumas bactérias presentes no intestino, sendo que, as bactérias benéficas costumam ser mais frágeis, havendo uma depleção mais rápida e importante das mesmas. Ocorre então um desequilíbrio na composição da MI, passando a predominar as bactérias que resistiram ao antibiótico (usualmente maléficas ao ser humano). Tal desequilíbrio pode ser transitório (o que também pode trazer consequências ruins) ou permanente, dependendo do tipo do antibiótico e do tempo ou recorrência do seu uso. O uso de antibióticos no primeiro ano de vida está associado a complicações como a maior ocorrência de doenças alérgicas e obesidade. Recomenda-se uso muito criterioso de antibiótico neste período.