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Imunidade nas crianças

Publicado/atualizado: junho/2024

Ekaterini Goudouris - Departamentos - Imunologia Clínica

Antonio Condino-Neto - Departamentos - Imunologia Clínica

O sistema imunológico é um complexo de células, tecidos e órgãos que tem como objetivo principal nos defender de agentes do meio exterior. Em relação à imunidade das crianças, a primeira coisa que é imprescindível compreender é que, à semelhança do que ocorre com outros órgãos e sistemas do organismo do ser humano, o amadurecimento acontece aos poucos. Uma criança não nasce sabendo falar ou andar. Ao nascimento, o sistema imunológico também não está funcionando como o de um adulto, é imaturo e progressivamente vai aprimorando e adquirindo funções.

A função mais importante de nosso sistema imunológico é nos proteger de agentes infecciosos. No contexto de um sistema imunológico imaturo, infecções são bastante frequentes, particularmente nos primeiros três anos de vida. Você sabia que crianças dessa faixa etária podem apresentar 8 a 12 infecções respiratórias virais ao ano, principalmente se frequentarem creches ou instituições de educação infantil? Algumas crianças, por diversos motivos, sofrem mais do que outras e é muito comum que os pais e responsáveis procurem por medicamentos que possam melhorar sua imunidade. Um ponto importante é que há características genéticas que promovem diferenças no funcionamento do sistema imunológico entre os indivíduos.

Até o momento, não há evidências científicas fortes de que exista um medicamento ou produto natural que, de fato, promova amadurecimento mais rápido ou que melhore o funcionamento do sistema imunológico imaturo de uma criança de baixa idade. Muitos microelementos como vitaminas (C e D, por exemplo) e sais minerais (ferro e zinco, por exemplo) são essenciais para o bom funcionamento do sistema imunológico, mas não há evidências de que administrá-los como suplemento alimentar, quando não há uma deficiência identificada, seja capaz de melhorar seu funcionamento.

Alguns agentes externos podem contribuir para melhorar ou para prejudicar o funcionamento do sistema imunológico. Existem algumas evidências científicas nesse sentido, embora não se possa afirmar que tudo o que será aqui mencionado tenha o efeito benéfico ou maléfico que lhe é atribuído em todas as pessoas.

Alguns fatores que sabidamente promovem uma boa saúde também promovem uma boa saúde imunológica. Os mais importantes são:

  • alimentação equilibrada, priorizando alimentos naturais e preparações culinárias,
  • atividades físicas moderadas, regulares e ao ar livre,
  • horas de sono adequadas para a faixa etária e
  • convívio em ambiente harmonioso. Para as crianças, o cuidado com amor e carinho é fundamental para um crescimento e desenvolvimento adequados. 

Aplicar as vacinas recomendadas é imprescindível para a proteção contra infecções, mas também traz um benefício ao funcionamento do sistema imunológico. Existem evidências de que uma vacina contra um determinado agente infeccioso pode proteger contra outros agentes infecciosos diferentes, por meio de um estímulo geral ao sistema imunológico.

Atualmente sabemos que ter uma microbiota (microrganismos que habitam em nossas superfícies, como a pele, sistemas respiratório e digestório) saudável é bem importante para o funcionamento do sistema imunológico. A microbiota atua no amadurecimento do sistema imunológico e, por outro lado, sofre a influência desse. Alguns fatores favorecem o desenvolvimento de uma boa microbiota nas crianças:

  • parto vaginal,
  • aleitamento materno exclusivo até os seis meses e, idealmente, continuado até os dois anos de idade,
  • alimentação rica em fibras e variada, priorizando alimentos naturais, ao introduzir outros alimentos, aos seis meses A presença de ácidos graxos de cadeia curta na alimentação estimula microrganismos protetores, que os digerem produzindo metabólitos com ações benéficas no sistema imunológico. São o que chamamos de prebióticos.

Probióticos são microrganismos que poderiam contribuir para o equilíbrio de nossa flora intestinal, reduzindo a presença de agentes causadores de doenças. Sua eficácia e alcance terapêutico ainda são objeto de estudos, portanto, devem ser utilizados mediante indicação de microrganismos aprovados pela ANVISA e pelo pediatra da criança.

Um dos elementos que mais prejudica a composição da microbiota em crianças é o uso de antibióticos, muitas vezes, infelizmente, desnecessariamente. O uso frequente de antibióticos promove o que chamamos de disbiose, um desequilíbrio de nossa flora, que, por sua vez, causa uma desregulação do sistema imunológico, facilitando infecções e processos inflamatórios.

Muitas condições outras podem prejudicar o funcionamento de um sistema imunológico que já é imaturo em crianças, aumentando o risco de infecções graves e/ou repetidas como por exemplo: prematuridade, baixo peso ao nascer, doenças genéticas, exposição ao cigarro e outros poluentes, e desnutrição por alimentação inadequada ou doenças.

O mais importante é procurar promover uma boa saúde geral, além de manejar adequadamente as condições clínicas e evitar os fatores ambientais que prejudicam a imunidade, particularmente o consumo de alimentos ultra processados e o uso desnecessário de antibióticos. Além disso, é preciso ter sempre em mente que nossas crianças precisam de tempo e cuidado para crescer, se desenvolver e amadurecer, incluindo o seu sistema imunológico!