Publicado/atualizado: junho/2023
Departamento Científico de Oncologia
A maior parte dos casos de câncer diagnosticados em adultos em todo o mundo apresentam uma relação direta com fatores de riscos ambientais, incluindo o ambiente ocupacional. A OMS e a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) avaliam que cerca de 80% do total de casos de câncer pode ser atribuído ao ambiente. O período entre a exposição e o diagnóstico do câncer relacionado ao trabalho é longo. Um alerta importante é que não há níveis seguros de exposição a agentes cancerígenos.
De acordo com INCA, a maior fração atribuível observada para as exposições ocupacionais e câncer relacionado ao trabalho diz respeito ao câncer de pulmão. Cerca de 20% dos casos desse tipo de neoplasia em homens, poderia ser evitado, caso não houvesse exposição ocupacional à um grande número de agentes presentes nos ambientes de trabalho (amianto, metais, sílica, radônio, produtos da exaustão de motores a diesel, por exemplo). Para prevenir o câncer relacionado ao trabalho e ao ambiente, é necessário observar três eixos fundamentais, ou seja, a vigilância da doença, da exposição e dos trabalhadores ou população de expostos.
Sim, há diversos fatores externos, presentes no meio ambiente e outros internos, como hormônios, condições imunológicas e mutações (alterações) genéticas, que podem interagir de diversas formas, determinando o aparecimento do câncer nos adultos.
Entre os fatores de risco externos para o câncer no adulto estão uso de tabaco, bebidas alcoólicas e alimentos processados, além da obesidade, sedentarismo (não realizar atividade física), exposição aos agentes infecciosos, ambiente ocupacional, radiação ionizante e radiação ultravioleta (UV).
As recomendações gerais de estilo de vida para prevenção do câncer no adulto incluem ainda a proteção contra infecções sexualmente transmissíveis e a realização do rastreamento apropriado do câncer (mamografia, colonoscopia, exame preventivo de colo de útero - Papanicolau, toque retal, entre outros).
Considerando que muitas das exposições que determinam o câncer no adulto têm efeito cumulativo, aquelas que se iniciam na infância devem ser objeto de preocupação do pediatra e dos familiares.
O processo do desenvolvimento do câncer na criança é diferente do adulto, apresentando um período muito mais curto. É razoável assumir que muitos cânceres que ocorrem nas crianças e nos adolescentes resultam de alterações que ocorrem precocemente no processo de desenvolvimento.
O câncer na criança e no adolescente é raramente hereditário e, na maioria dos casos, não apresenta história familiar e/ou associações com alterações genéticas ou congênitas. Na maioria dos estudos hoje disponíveis não há evidências que suportem papel etiológico maior para os fatores ambientais ou outros fatores externos no câncer infantojuvenil. Entretanto, a radiação ionizante em altas doses e o uso de quimioterapia prévia são causas aceitas.
Sim. O tabagismo, tanto de forma ativa, quanto passiva (fumante passivo), é fator de risco para doenças crônicas não transmissíveis e está associado ao desenvolvimento de diversos tipos de câncer, sendo considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a principal causa de morte evitável.
Os principais tipos de câncer relacionados ao consumo de tabaco em homens e mulheres são os da cavidade oral, de esôfago e de pulmão. Outras neoplasias que estão também associadas ao tabagismo são as de faringe, laringe, estômago, colo, reto, pâncreas, fígado, rim, bexiga, colo do útero e as leucemias.
A OMS estima que a mortalidade atribuída especificamente ao tabaco é de 12% em todo o mundo.
A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, realizada em 2019 (PeNSE 2019) mostrou que a experimentação do cigarro, expressa pelo percentual de escolares de 13 a 17 anos que fumaram cigarro alguma vez na vida, foi de 22,6%. Estudos têm mostrado também que adolescentes que começam a fumar em idade igual ou inferior a 15 anos tem duas vezes mais risco de câncer de pulmão quando comparados aos que iniciam aos vinte anos ou mais.
No mundo, observou-se ainda crescente consumo de tabaco sem fumaça e outros produtos do tabaco fumado, como os cachimbos de água ou narguilé. Embora não seja considerado formalmente como um produto do tabaco os dispositivos eletrônicos para fumar conhecidos também como cigarros eletrônicos ou e-cigarettes, são aparelhos criados com o objetivo de substituir o cigarro convencional. Possuem diferentes formatos e mecanismos e em sua maioria, contêm aditivos com sabores, inúmeras substâncias tóxicas e nicotina. Existe uma falsa ideia de que os cigarros eletrônicos façam menos mal à saúde ou sejam mais seguros do que os cigarros convencionais, porém, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA) estudos mostraram que os níveis de toxicidade podem ser tão prejudiciais como os do cigarro convencional.
A PeNSE 2019, revelou que 16,8% dos escolares de 13 a 17 anos já haviam experimentado o cigarro eletrônico. Considerando que a adolescência é uma idade crucial para o início e o desenvolvimento de hábitos relacionados ao tabaco, é fundamental a atuação do pediatra nas consultas de puericultura (acompanhamento periódico visando a promoção e proteção da saúde), bem como a atenção e o acompanhamento dos familiares.
As implicações de exposições a determinados fatores de risco ambientais em fases precoces da vida (intrauterina e infância) para a saúde na vida adulta, inclusive na ocorrência de câncer, têm sido objeto crescente de pesquisas epidemiológicas. O tabagismo passivo pode se iniciar na fase de vida intrauterina, pois a mulher grávida que fuma, ou mesmo não fazendo uso do tabaco, mas convivendo com pessoas fumantes, pode induzir repercussões deletérias ao feto, pela condução de substâncias tóxicas através do cordão umbilical. Entres as alterações genéticas adquiridas, um exemplo é a metilação diferencial do ácido desoxirribonucleico (DNA), que se torna marcador genético da exposição. O DNA é um composto orgânico cujas moléculas contêm as instruções genéticas que coordenam o desenvolvimento e funcionamento de todos os seres vivos e de alguns vírus. A metilação de genes supressores de tumor pode ser o primeiro evento indutor do câncer. Sabe-se da associação, mesmo que fraca, entre a exposição intrauterina ao tabaco e a ocorrência de leucemia na infância. A exposição continuada na vida pós-natal, mesmo que por exposição ambiental, está associada aos tumores já mencionados anteriormente nos adultos.
As campanhas de mudança de hábito e de casas livres de fumo, bem como a legislação mais rígida para ambientes públicos livres de tabaco e, especialmente, o aumento da idade para 21 anos para venda de cigarros, podem ter contribuído para diminuição da taxa de início desta prática em adolescentes, com impacto na redução da ocorrência de tumores nos adultos.
Sim. O consumo aumentado de bebidas alcoólicas já é um fator de risco conhecido para a doença. O INCA relaciona o consumo excessivo com maior chance de câncer de boca, faringe, laringe, esôfago, estômago, fígado, intestino (cólon e reto) e mama (pré e pós-menopausa).
Pesquisadores do Laboratório de Biologia Molecular da Universidade de Cambridge fizeram análise de cromossomo e sequenciamento de DNA em cobaias que receberam altas doses de álcool e observaram que o acetaldeído (subproduto da metabolização do álcool) danifica células-tronco do sangue. A substância "quebra" o DNA dessas células e leva cromossomos a se rearranjarem de forma aleatória.
A PeNSE 2019 identificou que a experimentação de bebidas alcoólicas foi de 63,3% para os escolares de 13 a 17 anos, variando de 55,9% nos escolares de 13 a 15 anos, e atingindo 76,8% nos escolares de 16 e 17 anos. Neste contexto, é fundamental a atuação tanto do pediatra nas orientações nas consultas de rotina, bem como da família.
Obesidade e sobrepeso estão associados a 20% dos tumores em adultos, especialmente câncer de mama, endométrio, colo-retal, rim, pâncreas, esôfago, vesícula biliar, ovário e tireoide. O mecanismo provável é pela secreção de fatores que estimulam o crescimento celular, como o fator de crescimento insulina like (IGF- Insulin-like Growth Factor). Estima-se que 33% das crianças e adolescentes sejam obesos, ou tenham sobrepeso, o que os coloca em risco de doenças crônicas associadas a obesidade, incluindo câncer no adulto. Já existem várias iniciativas educacionais para o controle do sobrepeso/obesidade na infância e adolescência, através de alimentação saudável e prática de exercícios físicos regulares.
Em relação a atividade física, a American Cancer Society (ACS) recomenda para crianças e adolescentes a prática de pelo menos uma hora de atividade de intensidade moderada ou vigorosa por dia. Para os adultos orientam 150-300 minutos de atividade física de intensidade moderada por semana, ou 75-150 minutos de atividade física de intensidade vigorosa, ou uma combinação equivalente, sendo que atingir ou exceder o limite superior de 300 minutos seria o ideal.
A alimentação tem sido associada com o processo de desenvolvimento de alguns tipos de câncer, principalmente os de mama, intestino, próstata, esôfago e estômago. A dieta tem sido estudada em relação a ocorrência do câncer de mama, especialmente em mulheres orientais que assumem costumes ocidentalizados, incluindo a alimentação. Verificou-se maior chance de desenvolver câncer de mama naquelas que mantêm a dieta ocidentalizada.
As substâncias presentes na fumaça do processo de defumação, os conservantes (como os nitritos e nitratos) e o sal podem provocar o surgimento de cânceres de estômago e intestino (cólon e reto).
É importante incentivar a ingestão de alimentos de origem vegetal, como frutas, legumes, verduras, cereais integrais, feijões e outras leguminosas, e evitar os alimentos ultraprocessados, como aqueles prontos para consumo ou prontos para aquecer, bebidas adoçadas, entre outros.
Uma dieta rica em alimentos in natura ou minimamente processados (frutas, legumes, verduras, cereais integrais, feijões e outras leguminosas) e pobre em alimentos ultraprocessados (aqueles prontos para consumir ou aquecer e bebidas açucaradas) é capaz de prevenir o surgimento do câncer. A recomendação geral não é a favor de dietas que não contenham carne ou que não contenham alimentos de origem animal, mas para limitar as porções por semana. Alimentos do tipo fast food (hambúrguer, pizza e cachorro-quente) e produtos prontos para consumir ou aquecer (lasanhas, salgadinhos e biscoitos) contêm grande quantidade de gorduras e açúcares e, portanto, alta concentração de calorias. As bebidas açucaradas (bebidas não-alcóolicas normalmente vendidas em latas, caixas ou garrafas), ou seja, refrigerantes, chás e sucos industrializados, também possuem alto teor calórico, além de fornecerem poucas fibras, vitaminas e minerais. Consumi-los pode levar ao aumento do peso corporal, resultando em sobrepeso e obesidade, que estão implicados no risco de câncer. Os conservantes, como nitratos e nitritos podem provocar o surgimento do câncer de cólon e reto. É importante ainda enfatizar que o aleitamento materno é a primeira ação de alimentação saudável, protegendo as mães contra o câncer de mama e as crianças contra obesidade infantil. A orientação geral é que a alimentação seja saborosa, minimante processada e respeite a cultura local.
A associação de exposição à radiação ionizante é bem conhecida pelos efeitos deletérios que promove no DNA. A bomba atômica no Japão mostrou, além do seu efeito devastador, o aumento da ocorrência de câncer em pessoas expostas em área próxima. Além disso, verificou-se que o efeito poderia ser tardio, mostrando ação cumulativa da exposição.
Em relação aos exames de imagem, a ressonância magnética e a ultrassonografia não emitem radiação.
O raio-X e a tomografia computadorizada (TC) são as principais fontes artificiais de radiação ionizante, mas, para se tornarem prejudiciais ao organismo, dependem de fatores de exposição como a quantidade, intensidade e duração. Esses exames são de extrema importância na medicina diagnóstica, mas pelo seu efeito cumulativo, devem ser usados com parcimônia na infância e adolescência. Isso porque nessa fase da vida, o indivíduo está mais suscetível aos efeitos da radiação ionizante por estar em crescimento e manter uma taxa de divisão celular proporcionalmente maior que nos adultos. Os efeitos deletérios da radiação sobre o DNA, através da geração de radicais livres na célula com alta taxa proliferativa, têm maior chance de acumular o defeito nas próximas divisões. Sabe-se que o uso racional dos exames radiológicos poderá favorecer a diminuição da exposição à radiação, com menor taxa de ocorrência de câncer no adulto associado a este agente, como leucemias e sarcomas.
Nos últimos anos, visando equalizar a demanda crescente de realização de exames radiológicos e a necessidade de utilizar a menor dose de radiação possível, houve uma evolução tecnológica substancial nas técnicas de imagem, que levaram à marcada redução na dose de radiação utilizada.
A exposição à luz solar é importante para a síntese de vitamina D ativa nas células da pele. No entanto, a radiação ultravioleta (UV) também provoca alterações de bases nitrogenadas no DNA com dimerização de resíduos de timina nas células da derme, induzindo, a longo prazo, a ocorrência de tumores cutâneos, sendo o mais preocupante o tumor maligno, o melanoma. É importante lembrar também que o câncer de pele não melanoma é a neoplasia maligna de maior incidência no Brasil, segundo dados epidemiológicos nacionais, sendo considerado um grave problema de saúde pública, pois pode levar a deformidades físicas e ulcerações graves, onerando os custos dos serviços de saúde.
Habitualmente as crianças se expõem anualmente ao sol três vezes mais que adultos. Pesquisas indicam que a infância é uma fase particularmente vulnerável aos efeitos nocivos do sol e que a exposição cumulativa e excessiva durante os primeiros 10 a 20 anos de vida aumenta muito o risco de câncer de pele na fase adulta ou velhice. O efeito da radiação UV, portanto, é cumulativo ao longo da vida. Aproximadamente 25% de toda exposição à radiação UV ocorre até os 18 anos de idade. Assim, as técnicas de fotoproteção são ações profiláticas e terapêuticas diante dos efeitos danosos da radiação UV. Neste contexto, medidas de fotoproteção das crianças e adolescentes à exposição solar são de fundamental importância na prevenção do câncer de pele do adulto, além da prevenção de lesões degenerativas da pele. Vale ressaltar que as medidas de proteção incluem proteção mecânica (roupas e anteparos, como óculos escuros, luvas, bonés e chapéus) e proteção química com os protetores solares aplicados na pele. É fundamental evitar a exposição excessiva ao sol sempre que possível, principalmente nos horários mais intensos, ou seja, das 10 às 16 horas. Também é relevante que se estimule a procura por proteção física (áreas de sombra), que podem reduzir em até 50% a intensidade das radiações UV. Deve-se fazer a fotoproteção não somente na exposição intencional, como ida à praia, mas em todas as atividades diárias, incluindo atividades corriqueiras, como espera na parada de ônibus, horário de educação física e recreação.
Recomenda-se que durante a exposição ao sol sejam usados filtros com fator de proteção solar (FPS) 30 ou mais e que protejam também contra os raios UV-A. O real fator de proteção varia com a espessura da camada de creme aplicada, a frequência da aplicação, a transpiração e a exposição à água. Portanto, os filtros solares devem ser aplicados 30 minutos antes da exposição ao sol e reaplicados a cada duas horas ou após ter nadado, suado e se secado com toalhas.
É ainda relevante lembrar que a cada 300 metros de altitude, aproximadamente, aumenta em 4% a intensidade da vermelhidão produzida na pele pela luz ultravioleta. É importante também enfatizar que a neve, a areia branca e as superfícies pintadas de branco são refletoras dos raios solares.
Os tumores associados a infecções são responsáveis por 15% a 20% de todos os casos de câncer em todo o mundo, representando um importante desafio nos programas de saúde pública. Foram associados a cânceres em humanos: , Papilomavírus humano (HPV), vírus da hepatite C (HCV), vírus T-linfotrópico humano tipo 1 (HTLV-1), vírus da imunodeficiência humana (HIV), vírus da hepatite B (HBV), vírus Epstein-Barr (EBV) e a bactéria Helicobacter pylori.
O HPV está implicado na indução de câncer de colo uterino, pênis e de orofaringe; e o vírus da hepatite B na indução do hepatocarcinoma. Ambos os vírus podem acometer crianças e adolescentes, tornando-se crônicos e indutores de tais tumores no adulto. Felizmente a infecção por esses vírus pode ser prevenida pela vacinação. O calendário vacinal brasileiro inclui desde os primeiros meses a vacinação para hepatite B e, na adolescência, para o HPV.
Os dados da PeNSE 2019, identificaram que 35,4% dos escolares de 13 a 17 anos de idade já tiveram relação sexual alguma vez. A idade da primeira relação sexual é um aspecto importante que revela não somente uma nova etapa no processo de desenvolvimento, mas a precocidade da iniciação sexual que pode estar relacionada com práticas sexuais não seguras e, consequentemente, a exposição aos riscos de adquirir infecções sexualmente transmissíveis e a gravidez precoce.