Publicado/atualizado: novembro/2022
Departamento Científico de Reumatologia:
Presidente: Clovis Artur Almeida da Silva
Secretária: Adriana Rodrigues Fonseca
Conselho Científico: Ana Luiza Garcia Cunha, Clarissa Carvalho de Miranda Valões, Claudia Saad-Magalhães, Claudio Arnaldo Len, Glaucia Vanessa Novak Molina, Maria Odete Esteves Hilário
Colaboradores: Flavio Roberto Sztajnbok, Margarida de Fátima Fernandes Carvalho, Paulo Roberto Stocco Romanelli
Comissão de Reumatologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Reumatologia: André de Souza Cavalcanti, Marco Felipe Castro da Silva, Maria Teresa Terreri, Marta Cristine Felix Rodrigues, Nadia Emi Aikawa, Teresa Cristina Martins Vicente Robazzi.
A artrite idiopática juvenil (AIJ) é a principal causa de artrite (inflamação mantida em um ou mais articulações) que tem duração maior que 6 semanas (crônica) na infância e na adolescência. A causa ainda é desconhecida, mas há a possibilidade que alguns indivíduos possuam uma tendência genética para desenvolver doenças do sistema de defesa (imune) do corpo. O subtipo artrite relacionada à entesite (inflamação das estruturas que ligam ligamentos e tendões aos ossos) (ARE) é uma das 7 categorias da AIJ. É considerada como uma forma diferente dos outros subtipos de AIJ, pois pode inflamar as enteses (estruturas que ligam tendões ou ligamentos aos ossos) e ter um curso progressivo até a idade adulta com comprometimento das articulações na região da pelve (articulações sacroilíacas) e da coluna vertebral (chamada de espondilite anquilosante ou espondiloartrite na idade adulta).
A AIJ é a mais frequente entre as doenças reumáticas pediátricas, apesar de ser muito rara. A ARE pode corresponder até 5 a 20% dos pacientes com AIJ nos países ocidentais, iniciando-se com maior frequência em meninos acima dos 6 anos de idade. Diferentemente das outras categorias da AIJ, a tendência genética tem uma grande importância na ARE. Frequentemente está presente a história familiar nos pais das doenças inflamatórias que afetam a coluna vertebral e a positividade num exame de sangue chamado HLA-B27, principal fator de risco genético na ARE.
Na ARE a artrite é caracterizada por dor, inchaço e dificuldade de movimentar inicialmente as articulações (juntas) periféricas (pernas e braços), mais frequentemente nos joelhos, tornozelos, articulações dos pés. Nos casos mais graves pode ocorrer inflamação das articulações do quadril. A dor também pode ser devido às entesites . Quando a entesite ocorre no pé pode provocar dor na sola dos pés (fasciíte plantar) e dificuldade para calçar os sapatos e andar.
Durante a progressão da ARE, pode ocorrer mais tardiamente o acometimento da coluna vertebral e das articulações sacroilíacas (articulações em forma de C ou L que comunicam a coluna vertebral com a bacia com dor na região da coluna lombossacra (costas inferior) e na região glútea (das nádegas), deformidades e limitação dos movimentos da coluna vertebral.
Outras manifestações incluem a uveíte anterior, que é a inflamação dos olhos (regiões conhecidas como íris e corpo ciliar), que são estruturas anatômicas que ficam na parte anterior dos olhos. A uveíte anterior na ARE é aguda e sintomática (olho vermelho, coceira ou lacrimejamento) e se resolve com o tratamento com colírios, embora possa ser recorrente (melhorar e piorar). A inflamação de estruturas do coração (válvula aórtica) é rara na criança e no adolescente, mas pode ocorrer na idade adulta.
O diagnóstico de ARE é feito pelo reumatologista pediátrico a partir dos critérios de classificação da Liga Internacional de Associações para a Reumatologia (ILAR), e é definido pela associação de artrite e entesite ou, artrite ou entesite associada a duas das seguintes características: história de dor nas articulações sacroilíacas e/ou dor inflamatória lombossacral, presença do HLA-B27, início da artrite em meninos com idade superior a 6 anos, uveíte anterior aguda (sintomática) e história de parente de primeiro grau com algumas destas doenças: espondilite anquilosante, artrite relacionada à entesite, sacroiliíte com doença inflamatória intestinal, artrite reativa e uveíte anterior aguda.
O tratamento é orientado pelo reumatologista pediátrico, juntamente com acompanhamento psicológico, oftalmológico fisioterapia e terapia ocupacional. O tratamento é tanto medicamentoso quanto não medicamentoso, e tem o objetivo de aliviar a dor, estimular a participação nas atividades de vida diárias educacionais ou recreativas, preservar o movimento da articulação, eventualmente com uso de órteses para corrigir possíveis deformidades.
O tratamento medicamentoso nos pacientes com artrite pode ser iniciado com anti-inflamatórios prescritos pelo médico. Os corticosteroides podem ser usados nos quadros muito intensos, mas sempre prescritos pelo médico que acompanha o paciente, por um curto período, devido aos seus efeitos colaterais quando usados de forma prolongada na criança e no adolescente.
Para os pacientes com artrite periférica (inflamações nas articulações das pernas e dos braços) e entesite outros medicamentos poderão ser indicados, em conjunto com anti-inflamatório ou injeção de corticosteroides dentro da articulação. Em pacientes que persistirem com inflamação articular apesar desse tratamento ou que tenham desde o início o acometimento das articulações sacroilíacas ou da coluna vertebral deve-se iniciar terapia imunobiológica ou biológica ? Mais recentemente novos imunobiológicos vêm sendo utilizados em adultos e com boas perspectivas futuras de eficácia e segurança em crianças e adolescentes.
Os quadros de uveíte aguda são tratados com colírios com corticosteroides e devem ser acompanhados pelo oftalmologista.
Todo tratamento medicamentoso de duração prolongada deve ter um acompanhamento médico com consultas e exames laboratoriais realizados regularmente para evidenciar os efeitos colaterais que podem ocorrer como as infecções, neoplasias, doenças neurológicas, redução de glóbulos vermelhos e brancos, hepatite, comprometimento renal e outras doenças autoimunes.
A falha no tratamento ideal da ARE pode deixar sequelas (defeitos permanentes). O desgaste causado pela inflamação contínua das articulações e das enteses pode provocar limitação dos movimentos, dor, contraturas e deformidades. O acometimento da coluna vertebral pode também influenciar na capacidade física e respiratória no caso de deformidades e curvaturas anormais na coluna.
O diagnóstico e o tratamento precoce da doença reduzem o risco de complicações especialmente nos casos de maior gravidade quando ocorre o acometimento precoce das articulações do quadril, tornozelo, sacroilíaca e coluna vertebral.
A ARE é uma doença crônica, sem cura definitiva até o presente momento. As taxas de remissão (doença controlada) estão em torno de 44%, embora a chance de recorrência da doença ativa ocorra e nem sempre os medicamentos poderão ser suspensos. Algumas crianças e adolescentes com ARE podem se tornar adultos com espondilite anquilosante (40% dos pacientes) com acometimento progressivo da coluna vertebral nos 5- 10 anos após o início da doença na criança.