Publicado/atualizado: outubro/2022
Departamento Científico de Reumatologia
A dermatomiosite juvenil é uma doença crônica, autoimune, que pode afetar vários órgãos e sistemas do corpo, caracterizada por inflamação crônica da pele e dos músculos. Apesar da sua causa ser desconhecida sabe-se que a dermatomiosite decorre de uma reação do sistema imunológico contra os tecidos. Quando há apenas comprometimento muscular, sem as alterações da pele denominamos de polimiosite juvenil.
Não, a dermatomiosite é uma doença rara. Sua incidência varia de 2 a 4 casos por 1 milhão de crianças por ano. De modo geral de 16 a 20% de todos os casos de dermatomiosite iniciam na infância.
A dermatomiosite é universal, ou seja, ocorre em qualquer país ou continente, sendo mais frequente nos pacientes de pele negra.
É mais frequente em meninas e, geralmente, dos 5 aos 7 anos, Em torno de um quarto dos pacientes tem menos de 4 anos de idade no início da doença.
O início da dermatomiosite é, geralmente, lento podendo levar de semanas a meses para se estabelecer. Ela pode apresentar-se com sintomas gerais como febre, indisposição, perda do apetite, perda de peso e fadiga associados a alterações na pele. A maioria dos pacientes apresenta manchas na pele caracterizadas por inchaço violáceo ou avermelhado em pálpebras (heliotropo), podendo ou não estar associado a manchas vermelhas em toda a face. Também observam-se manchas vermelhas e elevadas nos nós dos dedos das mãos, cotovelos e joelhos (pápulas de Gottron). Em alguns pacientes este quadro pode ser confundido com alergia, especialmente naqueles em que a fraqueza muscular é leve, o que retarda o diagnóstico definitivo e o início do tratamento.
A fraqueza muscular causa dificuldades para andar, subir escadas e alcançar objetos, pentear-se, levantar-se ou virar na cama ou erguer a cabeça para levantar do leito, porque há diminuição da força nos ombros e região dos quadris; é considerada simétrica porque compromete os dois lados do corpo e pode acometer os músculos do pescoço fazendo com que a criança balance a cabeça quando anda de carro. Alteração da voz e dificuldade para engolir os alimentos, com risco para engasgos e aspiração de alimentos também podem ocorrer.
Pode haver inchaço e dor nos músculos e nas juntas, que tendem a desaparecer com o início do tratamento. Quando os músculos ficam muito fracos e há demora em iniciar o tratamento pode haver travamento das juntas, chamado de contratura em flexão, especialmente em cotovelos, tornozelos e joelhos.
O comprometimento do coração e do pulmão é raro.
A avaliação laboratorial das enzimas musculares (CPK, TGO, TGP, DHL e aldolase) no sangue é importante tanto para o diagnóstico como para o acompanhamento da atividade da doença. Estas enzimas podem estar muito elevadas no início da doença e, geralmente, normalizam com o tratamento. Em alguns pacientes estas enzimas podem estar normais ou pouco elevadas mesmo havendo inflamação nos músculos, por isso elas são avaliadas pelo médico junto com outros parâmetros clínicos e exames.
O hemograma é, geralmente, normal nestes pacientes, mas podem ser observados discreta anemia e aumento dos glóbulos brancos no início do quadro. Dois exames que indicam inflamação, a velocidade de hemossedimentação (VHS) e a proteína C reativa (PCR) podem estar aumentados no começo da doença ou quando o paciente tem uma recaída.
Anticorpos específicos para o músculo são pouco frequentes na dermatomiosite juvenil, entretanto o FAN (anticorpo antinuclear), um exame frequentemente encontrado em doenças autoimunes, pode estar positivo.
Na presença de um quadro clínico altamente sugestivo de dermatomiosite, com comprometimento cutâneo, muscular e alteração de enzimas musculares, pode não haver necessidade de exames mais invasivos como a eletromiografia e a biópsia muscular. Entretanto, em todo paciente com comprometimento muscular, sem comprometimento cutâneo, ou toda vez em que há dúvida diagnóstica, estes exames podem ser de grande ajuda.
O diagnóstico da dermatomiosite é baseado em critérios clínicos e laboratoriais. Na prática, o diagnóstico “provável” da dermatomiosite requer a presença da lesão da pele característica e de 2 dos outros critérios (fraqueza muscular, elevação das enzimas musculares, alterações na eletroneuromiografia e na biópsia muscular), enquanto que para o diagnóstico definitivo é necessária a presença da lesão de pele característica e de mais 3 dos outros critérios. De modo geral os 2 primeiros critérios (a lesão da pele e a fraqueza muscular proximal) estão quase sempre presentes. Os demais critérios laboratoriais contribuem para o diagnóstico. De todos, a lesão de pele característica é o critério mais importante.
O diagnóstico diferencial da dermatomiosite inclui outras formas de inflamação muscular (miosite), como a polimiosite juvenil, as miopatias infecciosas (como as virais), as não inflamatórias e outras doenças sistêmicas que possam acarretar fraqueza muscular e mimetizar a lesão de pele, como a psoríase ou o lúpus eritematoso sistêmico. O diagnóstico diferencial principal é com as miopatias congênitas e as distrofias musculares.
Medidas gerais como proteção solar, dieta e hidratação adequadas, são de grande importância durante todo o período de acompanhamento do paciente. A fisioterapia é fundamental, devendo ser iniciada assim que for instituído o tratamento medicamentoso, com o objetivo principal de auxiliar na recuperação da força muscular.
Todos os pacientes com diagnóstico de dermatomiosite devem receber glicocorticoide, entretanto, a forma de administra-lo, se por via oral ou em administração endovenosa (pulsoterapia), especialmente no início do tratamento e durante as recaídas, ou seja, quando voltar a fraqueza ou manchas na pele, pode variar de acordo com a necessidade de cada criança. O uso de glicocorticoide tópico, especialmente na face, deve ser evitado, em virtude dos seus efeitos atróficos.
O metotrexate semanal, sempre associado ao ácido fólico, é hoje o imunossupressor mais utilizado para o controle do comprometimento muscular e da pele da dermatomiosite. A sua introdução deve ser precoce e sempre associada ao glicocorticoide. O controle periódico das enzimas hepáticas é necessário.
A hidroxicloroquina pode ser recomendada para os pacientes com dermatomiosite, combinada com outros tratamentos, em virtude dos benefícios para a pele e para as alterações do metabolismo que poderão ocorrer.
Ciclosporina, um medicamento dado por boca na forma de solução ou comprimido, a ciclofosfamida, administrada na veia e a terapia biológica como o Riuximabe, também administrado por via venosa, são outras opções terapêuticas para os pacientes que não melhoram com o tratamento habitual.
O curso da dermatomiosite pode ser monocíclico, quando a doença se manifesta por algum tempo e depois melhora definitivamente com o tratamento; policíclico, quando o paciente tem recaídas frequentes durante ou após terminar o tratamento, e crônico contínuo, quando a doença está sempre presente mesmo com o tratamento por muito tempo (em geral por mais de 2 anos).
É importante iniciar o tratamento precocemente e administrar corretamente todos os medicamentos prescritos, para que a criança se beneficie, com melhores chances de se recuperar completamente e sem sequelas.