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Dor abdominal Crônica

Publicado/atualizado: agosto/2024

Departamento Científico de Gastroenterologia

Marco Antônio Duarte – Gastroenterologista pediátrico. Prof. Aposentado do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais

Maria do Carmo Barros de Melo - Gastroenterologista pediátrico. Profa. Titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Membro do Departamento Científico de Gastroenterologia da SBP.

  1. O que são as dores abdominais crônicas?

A dor abdominal crônica (DAC) é uma das queixas comum em crianças atendidas na emergência ou no acompanhamento ambulatorial.  A grande maioria das DACs se devem a processos que ocorrem no eixo intestino-cérebro-microbioma. Poucos casos estão associados à doenças crônicas. Portanto, a DAC na infância abrange processos orgânicos ou desordens gastrintestinais funcionais. Estas associadas com ansiedade, estresse, infecções, micróbios intestinais, tipo de alimentação. O microbioma, também conhecida como flora intestinal, consiste em um complexo de espécies de microrganismos que vivem no trato digestivo. É importante que a criança ou adolescente com dor abdominal seja avaliada por um pediatra ou, preferencialmente, por um gastroenterologista pediátrico.

  1. O que pode levar a criança a sofrer com a dor abdominal crônica?

As dores abdominais crônicas funcionais têm origens diversas, podendo ser causadas, na grande maioria das vezes (cerca de 90% dos casos), por processos no eixo intestino-cérebro-microbioma. São desencadeadas por situações de estresse emocional, ambiental ou social (gatilhos). Em um percentual bem menor, temos as doenças orgânicas, como por exemplo: pancreatite, doenças pépticas (úlceras do estômago ou duodeno), cálculos da vesícula, doenças inflamatórias do intestino (doença de Crohn ou retocolite ulcerativa), esofagites, intolerância a carboidratos (como a lactose), malformações do trato gastrointestinal, divertículo de Meckel (situado no íleo).

  1. Quais são os sinais de alerta que fazem o médico pensar em doença orgânica?

Os sinais de alerta mais comuns são: febre; despertar noturno pela dor; perda de peso; dor ao alimentar; atraso na puberdade; diarreia noturna; alterações em exames diagnósticos; vômitos sem explicação; história familiar de úlcera péptica ou de H. pylori, doenças autoimunes ou doença celíaca; dor persistente em quadrante superior ou inferior do abdômen; sangue nas fezes; alterações na região perianal; disfagia; ou alterações ao exame físico identificadas pelo médico. Se existem sinais de alerta, uma consulta médica deve ser agendada, o mais rápido possível, com gastroenterologista pediátrico.

  1. A dor abdominal pode ser causada por outras doenças fora do intestino?

Sim. Como por exemplo: infecção urinária, cálculos renais, mal formação do trato urinário, doenças que acometem o fígado, vesícula biliar, pâncreas e alterações metabólicas.

  1. O que são doenças funcionais gastrintestinais?

Doenças funcionais gastrintestinais são devidas a desordens que ocorrem no eixo intestino-cérebro-microbioma levando a alteração nas funções do aparelho digestório. O paciente apresenta uma série de sinais e sintomas como dores abdominais, náuseas, vômitos distensão abdominal, plenitude pós prandial, empachamento constipação intestinal, Por exemplo, a maioria das dores abdominais presentes nas crianças e adolescentes, estão relacionadas às doenças chamadas desordens gastrintestinais funcionais, as quais atualmente são denominadas desordens do eixo intestino-cérebro-microbioma. Para estas doenças existem critérios clínicos que permitem o diagnóstico até mesmo sem solicitação de exames de laboratório ou imagem. Esse grupo de doenças pode requerer abordagem diagnóstica e terapêutica diferenciada. No desenvolvimento da doença pode haver a participação conjunta de componentes sociais, psicológicos, genéticos, biológicos e ambientais.

  1. Quais são as doenças ditas “funcionais” (desordens do eixo intestino-cérebro- microbioma)?

Temos possibilidade por meio de critérios clínicos detectados durante a consulta determinar se o diagnóstico é: dispepsia funcional, síndrome do intestino irritável, enxaqueca abdominal, dor abdominal sem outra especificação. Deve ser lembrado também a constipação intestinal que pode ser reconhecida a partir da queixa de dor abdominal. Nestes casos a dor desaparece com o tratamento efetivo da constipação intestinal. Em todos esses casos é muito importante que não se medique a criança ou o adolescente sem orientação de seu pediatra.   

  1. Porque a mudança do uso do termo funcional para desordens do eixo intestino-cérebro-microbioma?

Vários estudos apontam para a interação intestino-cérebro-microbioma. Alguns itens mais citados são: a) hipersensibilidade visceral primária causada por processos inflamatórios secundários à alergia alimentar, bactérias entéricas, influência da microbiota intestinal no Sistema Nervoso Central e estresses emocionais; b) sensibilização do Sistema Nervoso Central é constatada quando há estimulação intensa ou de repetição das terminações nervosas entéricas por dor de repetição, podendo causar modificação do estado funcional dos neurônios e do sistema da dor; c) eventos estressantes na vida pregressa dos pacientes podem predispor ao desenvolvimento da dor abdominal crônica; d) predisposição genética; e) alterações na percepção do estímulo doloroso por estresse familiar, restrições sociais, depressão, ansiedade, diminuição da autoestima e o estilo de enfrentamento a um episódio doloroso.

  1. Como é feito em geral o tratamento?

A proposta de tratamento está intimamente ligada a origem da afecção.  Medicar sem diagnóstico adequado coloca em risco a saúde da criança. Pode ser necessário o uso de medicamentos, entretanto, muitos pacientes melhoram com alterações alimentares simples e orientações médicas de como se comportar frente aos episódios dolorosos. Alguns centros médicos realizam a terapia cognitivo-comportamental que pode ser eficaz para determinados pacientes. É importante o acompanhamento do pediatra, do gastroenterologista pediátrico e, algumas vezes, de outros profissionais de saúde A resolução costuma ocorrer após a conscientização do problema, mas em uma minoria de pacientes podem permanecer pela vida adulta. Nestes casos, é muito importante lembrar do caráter multifatorial que envolve a geração destes problemas.

  1. Quais são as orientações gerais em relação à terapia cognitiva-comportamental?

São recomendados exercício físico, correção de posturas corporais, redução de tensões musculares, busca de atitudes mentais positivas e de enfrentamento. Comportamentos saudáveis frente a situações de dor, como as técnicas respiratórias para relaxamento muscular e redução do estresse podem ajudar. Importante conscientizar os pais sobre o modelo familiar de enfrentamento à dor e de positividade diante dos problemas do dia a dia. As técnicas cognitivas para mudança da atenção durante as crises de dor são: (1) Distração com mudança da atenção: imaginação, interrupção do pensamento, mindfulness, yoga, hipnose e terapia com música, assoviar, cantar, correr, jogar, andar de bicicleta, pular corda, produzir estalidos com os dedos, elaborar mentalmente cálculos matemáticos; (2) Interrupção do pensamento: imaginar situações agradáveis. A seleção do formato deve ser personalizada, de acordo com o paciente.

  1. Existem outras formas de tratamento?

Em alguns pacientes é necessário mudança do hábito alimentar, estímulo ao exercício físico, atendimento por outros profissionais, o que deve ser orientado pelo gastroenterologista pediátrico. Pode ser necessário encaminhamento para psicólogo, nutrólogo, hipnoterapeuta e outros e para a resolução de alguns casos uma equipe multiprofissional deve ser formada. Uma boa interação entre os profissionais envolvidos é fundamental. As terapias por hipnose, yoga, mindfulness são recomendadas em alguns casos, mas esses profissionais devem ser bem selecionados e devem ter experiência em lidar com pacientes com dor abdominal crônica. Em alguns casos, pode ser necessário prescrição de medicamentos. A indicação deve partir do gastroenterologista pediátrico, mantendo controle periódico para melhor acompanhamento e resolução do quadro. A manutenção de um estilo de vida saudável é benéfica para todos!