Voltar ao Portal SBP

Febre Reumática

Publicado/atualizado: setembro/2024

Departamento Científico de Reumatologia - SBP (Gestão 2022-2024)

Presidente: Clovis Artur Almeida da Silva (revisor)

Secretária: Adriana Rodrigues Fonseca (revisora)

Conselho Científico: Ana Luiza Garcia Cunha (revisora), Clarissa Carvalho de Miranda Valões (revisora), Cláudia Saad-Magalhães (relatora), Claudio Arnaldo Len (revisor), Glaucia Vanessa Novak Molina (relatora), Maria Odete Esteves Hilário (revisora)

  • O que é Febre Reumática?

A Febre Reumática é um tipo de reumatismo causado por infecção na garganta (amigdalite) por uma bactéria (estreptococo). As manifestações desta doença podem ser diferentes de um paciente para outro e não ocorrem junto com a infecção na garganta, mas de 1 a 4 semanas após. A incidência da Febre Reumática vem diminuindo nos últimos anos devido ao maior conhecimento sobre a doença e tratamento adequado. Porém, ainda pode ocorrer principalmente nas crianças e adolescentes que tem tendência genética e que tiveram amigdalite não tratada ou tratada erradamente. Ela manifesta-se por inflamação nas articulações (artrite) e no coração (cardite) principalmente. Um dos principais sinais é a identificação do sopro cardíaco, auscultado pelo médico durante o exame físico do paciente.

  • Como é feito o diagnóstico e quando se deve suspeitar?

Quando a criança apresentar inchaço nas juntas, principalmente dos joelhos, mas pode aparecer progressivamente em outras juntas como os tornozelos, cotovelos e punhos, mudando de uma junta para outra em poucos dias, podendo deixar a criança acamada ou sem conseguir se movimentar para brincar, correr ou andar. Quando a artrite aparece junto com a identificação de um sopro cardíaco, que não havia sido observado antes, há suspeita e deve ser investigada. A cardite, ou inflamação no coração, poderá afetar com intensidade diferente cada paciente, desde as formas mais leves só com a ausculta do sopro até as mais graves com comprometimento das válvulas cardíacas e o músculo do coração, chamado de miocárdio. Ela pode causar sintomas de palpitações e cansaço que podem indicar a cardite, acometendo diversas partes do coração, como as válvulas cardíacas, o miocárdio e pericárdio, que é a bolsa que envolve o coração. Em alguns casos pode não haver sinais e sintomas, a chamada cardite silenciosa, e, portanto, o ecocardiograma deve ser solicitado se há forte suspeita da doença.

Uma outra manifestação da Febre Reumática é a Coreia, também conhecida como Dança de São Guido ou São Vito, devido aos movimentos anormais e involuntários no corpo, como tiques, movimentos incoordenados que parecem o de uma criança estabanada, podendo ocorrer uma fala enrolada ou tremores dos dedos e das mãos. Os sintomas da coreia, são muitas vezes notados na escola, na escrita ou nas atividades do dia a dia como levar um copo de água na boca, usar os talheres nas refeições; o que causa muitas vezes irritação e choro fácil na criança. Isto ocorre porque a inflamação atinge estruturas do cérebro, de uma maneira transitória e geralmente resolve dentro de 1-6 meses.

Há outras manifestações menos frequentes da febre reumática, que muitas vezes só são notadas durante o exame pelo médico, que são nódulos embaixo da pele e que deslizam nas regiões dos tendões chamados de nódulos subcutâneos. Pode haver também manchas em formato de anel no corpo, localizadas no peito e nas costas, que vão e voltam, denominadas eritema marginatum. Estas manifestações desaparecem por si e quando ocorrem vem junto com a cardite.

  • Como se faz o diagnóstico de Febre Reumática?

A suspeita é confirmada pelo médico mediante estes sinais e sintomas indicativos da doença como a artrite, o sopro ou ecocardiograma indicando a cardite, os movimentos anormais da coreia, os nódulos subcutâneos ou as manchas na pele, os quais ocorrem após uma infecção de garganta não tratada ou tratada de forma errada. Há testes laboratoriais que indicam o contato prévio com a bactéria estreptococo, entre estes o ASLO (a sigla para antiestreptolisina O). A Febre Reumática pode apresentar recaídas e estas se devem à novas exposições ao estreptococo naqueles pacientes que não tomam antibiótico profilático para evitar novas amigdalites.

  • Quais exames complementares podem ser solicitados?

Há dois tipos de exame de laboratório: aqueles exames, conhecidos pelas siglas adiante, que indicam que a inflamação está presente (VHS, PCR) e os exames que indicam o contato prévio com o estreptococo (ASLO). Estes exames só voltam a ser normais quando todo o quadro de febre reumática está resolvido. A radiografia de tórax, eletrocardiograma e ecocardiograma são exames de imagem para avaliar a cardite e determinar se a inflamação está presente, pois algumas vezes os sinais são muito discretos e pode até não ser ouvido sopro na ausculta do coração, mas mesmo assim, haver alteração das funções e inflamação do coração nestes exames.

  • Qual o tratamento da Febre Reumática?

Se a criança tiver cardite com sinais de insuficiência cardíaca ou coreia com movimentos muito intensos, precisa ser hospitalizada. Se apresentar somente artrite deve receber aspirina ou outro anti-inflamatório e manter o repouso em casa. No tratamento da cardite recomenda-se o repouso e a moderação de atividade física, além da avaliação e acompanhamento por um Cardiologista Pediátrico. Dependendo da intensidade da cardite devem ser indicados medicamentos chamados de corticoides que são derivados da Cortisona e os mais comuns são a prednisona e a prednisolona. Este tratamento deve durar entre 6 até 12 semanas, e, dependendo da avaliação do cardiologista, poderá haver indicação de medicamentos específicos para aliviar o trabalho do coração como vasodilatadores, diuréticos ou digitálicos. Em situações mais graves ou quando há alteração com ruptura de tecidos nas válvulas cardíacas podem ser indicados corticoides em doses mais elevadas e infundidas lentamente na veia, este tratamento é chamado de “pulso”.

No caso da coreia, o tratamento tem a finalidade de controlar os movimentos anormais por um período de tempo limitado. A duração da coreia varia muito, sendo este tratamento com medicamentos como haloperidol, carbamazepina, ácido valproico e fenobarbital prescritos de forma controlada (receita especial) com controle quinzenal pelo médico. Estes medicamentos são aqueles usados para tratar convulsões e podem causar sonolência, devendo a dose ser ajustada a cada consulta conforme a necessidade. Da mesma forma que na cardite, em situações em que a coreia for mais intensa, pode haver indicação de prednisona. As manifestações da pele (nódulos subcutâneos e o eritema marginatum) não requerem tratamento específico e podem desaparecer espontaneamente durante o tratamento das outras manifestações.

  • Como prevenir a Febre Reumática?

Há dois tipos de prevenção, também denominada profilaxia. A profilaxia primaria consiste em tratar a amigdalite antes de manifestar a doença, porque as amigdalites quando tratadas corretamente na primeira semana da infecção, erradicam o estreptococo abolindo completamente a chance de ter Febre Reumática.  Este tratamento é feito sistematicamente com a Penicilina injetável, a Penicilina Benzatina aplicada no músculo (via intramuscular) tem um composto que libera lentamente o antibiótico, eliminando o estreptococo.

            A profilaxia secundária é feita quando o paciente já manifestou a Febre Reumática, havendo necessidade de uso contínuo da penicilina benzatina, com doses que variam de acordo com o peso, a cada 21 dias até 21 anos de idade, no mínimo. Se houver doença do coração a penicilina benzatina é recomendada por mais tempo. Este tratamento é o único disponível que previne de forma eficaz os novos surtos, por evitar totalmente novas infecções de garganta pelo estreptococo. Nos pacientes que têm alergia à penicilina, a profilaxia pode ser feita com um medicamento chamado sulfadiazina por via oral.

            A injeção de penicilina benzatina, causa dor no local da injeção que pode ser atenuada com compressas mornas e o relaxamento do paciente durante a aplicação. Mas, há eficácia comprovada e não deve haver falhas ou interrupção, devido ao risco de recaídas da febre reumática. 

Há pesquisas para o desenvolvimento de uma vacina para o estreptococo, no entanto as pesquisas de desenvolvimento de vacinas são demoradas e passam por muitos testes para assegurar que sejam eficazes e não tenham risco.