Publicado/atualizado: junho/2023
Departamento Científico de Oncologia
As leucemias são um grupo heterogêneo de doenças que acometem a medula óssea (tecido que preenche a cavidade interna de vários ossos e que fabrica as células sanguíneas). É uma doença maligna das células precursoras dos glóbulos brancos (leucócitos), que gera acúmulo de células doentes na medula óssea, em substituição às células sanguíneas normais (glóbulos vermelhos ou hemácias, leucócitos e plaquetas).
Representa o câncer mais frequente da criança, correspondendo a 30-35% dos casos.
As formas agudas das leucemias correspondem a aproximadamente 97% dos casos e as crônicas a 3%.
As leucemias agudas são caracterizadas pela expansão de um clone de células precursoras imaturas, e suas formas crônicas, referem-se às condições em que há expansão de células maduras.
As leucemias podem ainda ser classificadas em linfoides ou linfoblásticas e mieloides ou mieloblásticas, de acordo com os tipos de glóbulos brancos que comprometem.
O câncer surge a partir de uma mutação genética adquirida, não herdada, ou seja, de uma alteração no DNA da célula precursora, que passa a receber instruções erradas para as suas atividades de proliferação e diferenciação ou amadurecimento.
Na maioria dos casos a causa ainda permanece desconhecida, porém alguns fatores têm sido associados ao aumento do risco para o desenvolvimento da doença. Algumas síndromes genéticas, como por exemplo a síndrome de Down, apresentam maior risco para o desenvolvimento da doença, porém representam a minoria dos casos. Em relação aos fatores ambientais, a radiação ionizante e o benzeno são os que estão comprovadamente associados às leucemias agudas. Os fatores relacionados com o estilo de vida não influenciam o risco de uma criança desenvolver leucemia.
Na maior parte das vezes, os pacientes que desenvolvem a doença não apresentam nenhum fator de risco conhecido que possa ser modificado, consequentemente na maioria dos casos não há como evitar o aparecimento da doença. É fundamental, entretanto, o diagnóstico precoce da doença, assim como o tratamento em centros de referência em oncologia pediátrica para assegurar o tratamento adequado com equipe especializada experiente.
A diminuição dos glóbulos vermelhos determina anemia, fadiga, palpitação, palidez, entre outros sintomas. A redução de subtipos de glóbulos brancos conduz à diminuição da imunidade, podendo levar a infecções recorrentes e graves. A diminuição das plaquetas pode ocasionar sangramentos mais comumente na gengiva, nariz e pele (manchas roxas, chamadas equimoses e/ou pontos vermelhos, chamados petéquias). A doença pode também determinar aumento ou “inchaço” nos gânglios, febre, diminuição do apetite, dor nos ossos e articulações, além de distensão no abdome (provocada pelo aumento do fígado e baço). Caso a doença afete o cérebro (sistema nervoso central), podem ocorrer vômitos, dor de cabeça, visão dupla, paralisia de nervos cranianos, alterações do comportamento e do nível de consciência. Outros órgãos, como os testículos, também podem estar comprometidos, mas a frequência é baixa.
A anemia é a redução da concentração de hemoglobina nos glóbulos vermelhos do sangue. Há várias causas para anemia na criança, sendo importante identificar sua origem para que o tratamento adequado seja realizado. Entretanto, não há risco de uma anemia evoluir para leucemia, mesmo as mais intensas. O fato que pode confundir as famílias é que a anemia é um dos sintomas que geralmente está presente ao diagnóstico da leucemia, sendo uma consequência da doença e não sua causa. Raramente as leucemias apresentam anemia isolada, geralmente as outras células do sangue são também afetadas pela doença.
Geralmente, o pediatria é o médico que suspeita do diagnóstico de leucemia, pela presença dos sintomas e sinais anteriormente citados, e encaminha a criança para o oncologista pediátrico, que confirmará o diagnóstico e acompanhará a criança durante o tratamento e, posteriormente, no seguimento após o término da terapêutica.
É importante enfatizar que a detecção precoce da doença é a estratégia que auxilia na maior chance de cura, além de certas características específicas de alguns tipos de leucemias.
O principal exame inicial para se suspeitar do diagnóstico é o hemograma, que mostrará na maioria das vezes anemia, diminuição da contagem de plaquetas e alterações nos glóbulos brancos. A confirmação diagnóstica é realizada pelo mielograma ou aspirado da medula óssea (exame da medula óssea), onde se retira uma pequena quantidade de sangue e o encaminha para avaliação das células (exame citológico), dos cromossomos das células (exame de citogenética), das mutações genéticas (exame molecular) e do fenótipo das células (exame de imunofenotipagem). Raras vezes, quando não se consegue material pela realização do mielograma, é necessário realizar a biópsia da medula óssea, onde é retirado um pequeno pedaço do osso para análise por um médico patologista.
O objetivo do tratamento é eliminar as células leucêmicas para que a medula óssea volte a produzir as células normais.
Nas leucemias agudas o tratamento é realizado com diversas combinações de medicamentos chamados de quimioterapia, além do controle das complicações infecciosas e hemorrágicas. Faz parte do tratamento a prevenção do surgimento da leucemia no sistema nervoso central ou, caso ela já esteja presente, a aplicação de quimioterapia no líquido que circunda a medula espinhal (quimioterapia intratecal), para destruir as células leucêmicas. O transplante de medula óssea é indicado para casos específicos.
Nas leucemias linfoides agudas o tratamento dura em média 2-3 anos e para as mieloides menos de um ano, exceto para um subtipo específico (Leucemia Promielocítica Aguda) que também é de aproximadamente 2 anos.
O tratamento da Leucemia Mieloide Crônica (LMC) é realizado com um medicamento oral (inibidores da tirosina quinase) que inibe especificamente uma proteína anormal, pois este tipo de leucemia decorre do surgimento de uma alteração específica no material genético, conhecida como translocação BCR-ABL, capaz de aumentar a multiplicação celular através de uma proteína tirosina quinase. É um medicamento considerado “alvo específico”, pois inibe a multiplicação das células malignas, mas não afeta as células normais do organismo. Casos em que houver resistência ou falha do tratamento, os pacientes podem necessitar de tratamentos adicionais, como o transplante de medula óssea.
O tratamento realizado em centros de referência em oncologia pediátrica, bem como os avanços nas opções terapêuticas e as melhorias nos cuidados de suporte (infecção, nutrição, transfusão de hemocomponentes, entre outros) resultaram em prognóstico mais favorável para as crianças atualmente diagnosticadas e tratadas.
As taxas de sobrevida em 5 anos são obtidas calculando a porcentagem de crianças que foram tratadas há pelo menos 5 anos e estão sem manifestações da leucemia. Nas crianças com Leucemia Linfoide Aguda (LLA) a taxa de sobrevida em 5 anos aumentou consideravelmente, estando atualmente em torno de 80%. Para Leucemia Mieloide Aguda (LMA) a taxa de sobrevida em 5 anos é de aproximadamente 60-70%, embora varie com o subtipo da doença e com outros fatores de risco.
A taxa de sobrevida em 5 anos para Leucemia Mieloide Crônica (LMC) é menos utilizada, pois essas crianças podem viver longo tempo com a doença. As taxas de sobrevida antigamente descritas eram de 60-80%, e possivelmente sejam mais elevadas pela utilização de novos e mais eficazes medicamentos atualmente disponíveis.