Publicado/atualizado: outubro/2022
Departamento Científico de Reumatologia
O lúpus eritematoso neonatal (LEN) é uma doença autoimune adquirida, ou seja, é causada pela passagem de anticorpos da mãe para a criança através da placenta, durante a gravidez, e é rara. Muitas mães sabidamente têm doenças que apresentam esses anticorpos no sangue, como lúpus eritematoso sistêmico, síndrome de Sjögren e doença mista do tecido conjuntivo. No entanto, em cerca de metade dos casos de LEN, a mãe nunca teve sintomas de qualquer doença autoimune, mas possui esses anticorpos que podem causar doença no feto. Independentemente da mãe ter ou não ter doença autoimune, a presença destes anticorpos só vai causar doença na criança em um número muito pequeno de casos, uma vez que estes anticorpos precisam ser capazes de atravessar a placenta, ter capacidade de causar doença e ter afinidade por alguns órgãos do feto.
De acordo com os órgãos acometidos, teremos diferentes manifestações clínicas. O mais comum é a alteração da pele, que pode aparecer já ao nascimento ou só ocorrer após a exposição ao sol ou ao banho de luz (fototerapia), a que muitos recém-nascidos podem ser submetidos na maternidade caso apresentem icterícia (coloração amarelada da pele). A criança pode apresentar manchas avermelhadas, que podem descamar, em forma de anel, distribuídas principalmente ao redor dos olhos, couro cabeludo, tronco, braços e pernas.
O sistema sanguíneo também pode ser acometido, com o surgimento de anemia, diminuição do número das plaquetas e das células brancas do sangue. Alguns casos evoluem com icterícia (pigmentação amarelada na pele) e alteração na função do fígado. Os sintomas mais graves são aqueles do acometimento do coração, podendo ocasionar alteração do estímulo elétrico cardíaco, causando uma baixa frequência nos batimentos do coração do feto que, por sua vez, pode ocasionar uma falência cardíaca (insuficiência cardíaca). Devido a isto, podem ocorrer inchação do feto (hidropsia fetal), parto prematuro, até mesmo óbito fetal ou óbito após o nascimento da criança. Muitas vezes há necessidade de colocação de marcapasso cardíaco ainda com a criança dentro do útero, ou logo após o nascimento. Eventualmente podem ocorrer alterações menos graves dos estímulos elétricos cardíacos, embora possam também estar presentes problemas cardíacos congênitos, como alterações nas válvulas cardíacas e outros.
O diagnóstico pode ser feito ainda durante a gravidez. Mães com lúpus eritematoso sistêmico, síndrome de Sjögren e doença mista do tecido conjuntivo devem ter acompanhamento especial no pré-natal e, quando possível, deverão ser acompanhadas com ecocardiograma fetal, que é um exame que se faz como o ultrassom da gravidez, mas é capaz de detectar as alterações do coração do bebê neste período. Se o coração do bebê for afetado durante a gravidez,estaria indicado o uso dos medicamentos com corticosteroides pela mãe, no intuito de tentar evitar a progressão do dano ao coração do feto. Estes medicamentos são indicados pelo obstetra.
Em relação às mães saudáveis e que nunca apresentaram sintomas de doença autoimune, a identificação das anormalidades cardíacas poderá ser o indicio para que os médicos pesquisem o anticorpo no sangue da mãe. Mas este teste não é feito em todas as mulheres grávidas. É importante salientar que o LEN é uma doença rara.Ocorre em cerca de 2% de filhos da primeira gravidez daquelas portadoras dos autoanticorpos no sangue. No entanto, mães que tiveram um filho com LEN terão uma chance maior de terem outros filhos com esta mesma doença no futuro.
O diagnóstico do recém-nascido é feito pela suspeita clínica por meio do exame da criança (alterações da pele, do coração, do sangue e do fígado, por exemplo) e por meio de testes laboratoriais de autoanticorpos no sangue da mãe, no sangue do cordão umbilical coletado durante o parto e no sangue da criança após o nascimento, e até os 6 meses de vida. Caso as lesões de pele precisem de diagnóstico mais específico por se confundirem com outras lesões, pode ser necessária a realização da biópsia da pele.
O LEN é uma doença autolimitada, isto é, a maioria das manifestações clínicas desaparecem após os anticorpos maternos serem eliminados da circulação sanguínea da criança, o que ocorre por volta do sexto ao nono mês de vida da criança. Recomenda-se protetor solar e pode ser necessário o uso de cremes ou pomadas de corticosteroide na pele em alguns casos.
Algumas mães usam corticoide (dexametasona) em alguns momentos da gravidez, se apresentarem alterações no ecocardiograma, para reduzir a chance de bloqueio cardíaco, sempre orientadas pelo obstetra, cardiologista e reumatologista.
Já quando existe o comprometimento cardíaco, há necessidade do acompanhamento com cardiologista pediátrico pois, muitas vezes, pode ser necessária a implantação de um marcapasso cardíaco nos primeiros meses de vida.
A doença não costuma deixar sequelas (defeitos em algumas estruturas) e nem significa que a criança terá doença autoimune no futuro. As lesões de pele podem evoluir com cicatrizes e alterações da cor da pele. As manifestações do sangue e fígado não costumam deixar sequelas. Em relação às manifestações cardíacas, podem ocorrer sequelas por conta dos problemas dos estímulos elétricos do coração (arritmias) ou das lesões congênitas anteriormente citadas. A maioria das crianças com LEN que apresentarem estas arritmias (bloqueio cardíaco congênito total), vão necessitar usar um marcapasso cardíaco em algum momento durante a sua infância.