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Otite Média

Publicado/atualizado: outubro/2023

Prof. Dr. José Faibes Lubianca Neto

Membro do Departamento de Otorrinolaringologia da SBP

  • Por que a otite média aguda é tão frequente em crianças pequenas?

As 3 principais razões são a imaturidade imunológica própria da faixa etária, o grande número de resfriados que desenvolvem por estarem frequentando escolinhas e, principalmente, pela imaturidade anátomo-funcional da tuba auditiva. Em crianças pequenas ela é mais curta, mais horizontalizada e flácida, permitindo o influxo de secreções para dentro da orelha média, assim como dificultando a ventilação da mesma.

  • Os sintomas isoladamente são suficientes para se fazer o diagnóstico de otite média aguda?

A resposta é não. Embora seja comum o relato de que a criança leva à mão ao ouvido ou que coloque o dedo no ouvido, é preciso lembrar que criança com otalgia não toca e não deixar tocar no seu ouvido. Geralmente a criança que leva à mão ao ouvido tem prurido ou sensação de pressão. A dor de ouvido também é inespecífica, pois não distingue em otite externa e otite média. A diminuição de audição ou abafamento só é referido por crianças maiores, não sendo útil na faixa etária mais afetada (até os 2 anos). Febre, por sua vez, também pouco ajuda, pois é inespecífica e pode ser secundária à infecção de vias aéreas associada ou não. Portanto, o diagnóstico é OTOSCÓPICO.

  • Na otoscopia, existe algum sinal distintivo de otite média aguda?

O sinal otoscópico de maior poder diagnóstico isolado é o abaulamento da membrana timpânica. Hiperemia não é diagnóstica, assim como a diminuição de translucidez. Otorreia mucopurulenta é indicativa, porém, pode ser secundária à otite externa e o caráter mucoide da secreção, que seria distintivo da secreção proveniente da orelha média, nem sempre é distinguido pelo examinador.

  • Pela otoscopia, pode distinguir entre otite média aguda viral ou bacteriana?

Embora existam descrições de infecções pneumocócicas sendo mais comumente associadas a otites mais graves, com maior abaulamento e maior chance de perfuração aguda da membrana timpânica, geralmente a otoscopia não é distintiva. Assim, recomenda-se considerar bacteriana somente a otite que tiver abaulamento.

  • Uma vez diagnosticada otite média aguda, o tratamento antibiótico é obrigatório?

Não. Na grande maioria das crianças, que tem apresentação unilateral e sem otorreia, o tratamento antibiótico não será necessário. Ao menos é o que mostram os ensaios-clínicos randomizados, em que em torno de 80% dos pacientes alocados para receberem placebo melhoram clinicamente. Assim, existem características que tornam o antibiótico imediato justificável?

    1. Criança com abaulamento abaixo dos 6 meses;
    2. Crianças com abaulamento e dor importante com temperatura corporal superior a 39oC;
    3. Crianças com abaulamento bilateral abaixo dos 2 anos;
    4. Crianças com otorreia uni ou bilateral mucopurulenta de início agudo.
  • Como deve ser feito o tratamento expectante, sem antibióticos nos casos de abaulamento da membrana timpânica unilaterais, principalmente em crianças acima dos 2 anos?

Pode-se prescrever os analgésicos e antipiréticos por 48 horas e pedir para o paciente voltar à consulta caso persista sintomático após esse período. Porém, prefere-se prescrever o antimicrobiano e pedir para o acompanhante iniciar o tratamento somente após 48 horas nos casos ainda sintomáticos.

  • Mas se não usar antibiótico, a criança não fará mastoidite aguda?

Na esmagadora maioria dos casos, NÃO. Aliás, também não será o antibiótico que evitará a mastoidite, pois os relatos de séries da literatura demonstram que grande parte dos pacientes que desenvolvem mastoidite já estão em uso de antimicrobianos previamente.

  • O que fazer nos casos em que foi solicitada tomografia computadorizada encefálica em casos de otite média aguda e foi identificado velamento da mastoide e aparece o termo mastoidite no laudo?

SEMPRE haverá velamento da mastoide em casos de otite média aguda, pois a caixa timpânica é contínua com a mastoide, portanto a secreção da caixa timpânica vai invariavelmente se expandir também para a mastoide. Isso não é mastoidite. A mastoidite verdadeira ocorre nos casos em que ocorre a erosão da cortical da mastoide, formando inicialmente um flegmão (hiperemia e calor) na pele retroauricular, com edema e apagamento do sulco retroauricular, com projeção do pavilhão auricular. Pode haver evolução do flegmão para abscesso e, nesses casos, a drenagem se fará necessária. 

  • Por quantos dias se deve utilizar os antibióticos nos casos de abaulamento da membrana timpânica?

Em casos mais leves, o tratamento por 07 dias é suficiente. Nos demais, utilizam-se 10 dias. A decisão de considerar-se uma criança curada no final do tratamento não é otoscópica, e sim sintomática. A membrana timpânica pode demorar semanas para readquirir suas características normais após um episódio de otite média aguda. Se no final de 10 dias de tratamento a criança está bem clinicamente, mesmo que ainda com membrana timpânica alterada, NÃO deve ser postergado e muito menos trocado o antimicrobiano!

  • Qual o antimicrobiano de escolha em casos de otite média aguda?

Ainda é a amoxicilina na dose usual de 40 a 50 mg/Kg/dia. Não temos dados no Brasil sobre a resistência bacteriana das cepas de pneumococo, hemófilo e moraxela causadoras de otite média aguda. Os estudos existentes, extrapolam resultados de cepas invasivas de pneumococos, por exemplo, aqueles isolados de infecções pulmonares, meningite e sépsis.

  • Existe tratamento profilático para otite média aguda recorrente?

Não se indica mais antibioticoprofilaxia. Porém, um método eficaz demonstrado em ensaios-clínicos e na vida real é a vacinação contra pneumococos com a vacina 10 valente disponível pelo SUS. Diminui o número de infecções, o número de visitas médicas e o número de cirurgias para colocação de tubos de ventilação nas populações vacinadas. Importante, no entanto, é que a vacina só é eficaz para esse fim se tomada em 3 doses no 1º ano de vida. Por fim, evitando-se o uso de chupetas ou pelo menos restringido somente para as horas de sono e colocando-se as crianças em escolinhas com menos de 10 alunos por sala de aula, são medidas eficazes na diminuição da incidência da doença. É muito provável também que evitar-se a exposição da criança ao fumo passivo, principalmente por parte de mãe, diminua a incidência da infecção da orelha média.