Publicado/atualizado: novembro/2024
Presidente: Clovis Artur Almeida da Silva (revisor)
Secretária: Adriana Rodrigues Fonseca (revisora)
Conselho Científico: Ana Luiza Garcia Cunha (revisora), Clarissa Carvalho de Miranda Valões (revisora), Claudia Saad-Magalhães (relatora), Claudio Arnaldo Len (relator), Glaucia Vanessa Novak Molina (relatora), Maria Odete Esteves Hilário (revisora)
A síndrome das pernas inquietas, que se caracteriza por desconforto nas pernas durante o período noturno, ocorre sempre durante o repouso. Observa-se uma necessidade premente de movimentar as pernas, o que pode comprometer a qualidade do sono. Além disto, sabemos que a movimentação das pernas traz algum alívio de sintomas. Usamos o termo “síndrome” pois observam-se vários sintomas, e não apenas uma única queixa.
Apesar de desconhecermos a causa exata da síndrome de pernas inquietas, há uma ideia comum de que ocorra uma alteração neurológica, que por sua vez pode desencadear alterações de sensibilidade nas pernas e movimentos diferentes do habitual durante o sono. O diagnóstico é difícil, sobretudo em crianças pequenas, pois os pais têm dificuldade de interpretar as queixas e sintomas.
A síndrome das pernas inquietas pode ocorrer em outros membros da família, adultos ou crianças e os mecanismos genéticos ainda são pouco conhecidos. Também há alterações nas reservas de ferro no organismo, podendo ou não haver anemia, isto porque há defeitos no transporte do ferro no organismo, o qual é importante para as funções dos linfócitos (células do sistema de defesa). A síndrome também pode ocorrer junto com outras doenças, como as doenças renais. No entanto, este tema ainda é assunto de pesquisa em várias áreas na medicina.
Suspeita-se deste diagnóstico quando: 1) a criança ou o adolescente descreve ao despertar a sensação de ter que mover as pernas, ou 2) os pais observam durante o sono uma movimentação das pernas – a criança empurra os lençóis com as próprias pernas, torna-se mais irritada, chorosa e acorda a família. O exame clínico geral e neurológico da criança é normal, a criança apresenta um bom estado de saúde (mas com o sono comprometido). O pediatra faz o diagnóstico pelo relato e da associação de queixas ou sintomas, não sendo necessário fazer outros exames de sangue ou de imagem.
Há sintomas noturnos e queixas específicas descritas pela criança como sensação de “aranhas andando”, arranhados ou machucados, ou “muita energia nas pernas”. Pode haver insônia, o que leva ao comprometimento da rotina de toda a família. Observam-se fadiga diurna, dificuldades no despertar e queda do rendimento escolar, com lentidão na realização de tarefas escolares. Os bebês se comportam com birras, irritabilidade diurna e noturna e a intensidade de sintomas varia amplamente desde sintomas sutis até os intoleráveis, que comprometem a qualidade de vida e saúde do paciente e de sua família.
Há outras causas de dor ou desconforto em membros inferiores que também ocorrem no período noturno, como as câimbras noturnas, problemas ósseos e artrite (inflamação das articulações). Nos adultos pode haver associação com a gravidez, deficiência de ferro, insuficiência renal e diálise. Às vezes as queixas podem aparecer pela postura durante o sono.
Nos bebês há associação com as cólicas apresentadas nos 3 primeiros meses de vida, insônia e apneia do sono (algumas crianças que param de respirar por alguns segundos enquanto dormem – e depois voltam a respirar). Pode haver associação com déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), epilepsia e refluxo gastroesofágico. O tratamento para refluxo não alivia as queixas noturnas, e ao contrário, os medicamentos usados para o refluxo podem piorar os sintomas de pernas inquietas.
Os exames de laboratório que mostram a situação das reservas de ferro no organismo e o seu transporte, como hemograma, dosagem de ferro no sangue e do seu transportador (a transferrina) e a ferritina podem estar alterados. Outros testes como glicose de jejum, hormônios da tireoide, níveis de insulina, vitamina B6, B9 e B12 são recomendados.
Há um exame realizado durante o sono, dentro de um laboratório, chamado polissonografia, feito com o auxílio de alguns fios (eletrodos) que conduzem os estímulos durante o sono e fornecem as informações sobre tudo que ocorre no organismo durante o sono. A polissonografia é necessária somente para diagnóstico diferencial de outras doenças, que afetem a qualidade do sono, como as apneias de sono e os movimentos periódicos, que são movimentos repetitivos das pernas que duram poucos segundos.
No caso de adultos com a síndrome recomenda-se evitar café, cigarro ou bebidas alcoólicas, além de estabelecer rotinas de sono, como horário regular para deitar e levantar. Recomendam-se exercícios regulares, mas evitando exercícios físicos intensos ou refeições pesadas próximas do horário de dormir. É recomendado eliminar atividades estimulantes como o contato noturno com computadores, jogos, smartphones e iluminação excessiva.
Com relação ao tratamento medicamentoso, deve ser feita a análise dos estoques de ferro do organismo, seguida por suplementação com sulfato ferroso por via oral. Medicações chamados dopaminérgicas (pramipexole e ropinirole) são os agonistas dopaminérgicos indicados em crianças e adolescentes, desde que sejam controlados os eventos adversos e com ajustes de dosagem. Medicações como gabapentina, benzodiazepínicas, anticonvulsivantes, alfa-adrenérgicos e opiáceos, e um fitoterápico chamado Erva de São João podem ser utilizados, desde que haja acompanhamento médico regular para avaliações de ajuste de dosagem.
Observa-se comumente atraso no diagnóstico da síndrome das pernas inquietas. Esta condição afeta a qualidade de vida e a qualidade de sono. Recomenda-se que seja acompanhada e tratada pelo pediatra. Os pais devem estar atentos as medidas de higiene e aos bons hábitos de sono.