Publicado/atualizado: outubro/2024
Departamento Científico de Medicina do Adolescente
É toda forma de trabalho realizado por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima permitida, de acordo com a legislação de cada país. É um problema mundial e atinge cerca de 168 milhões de crianças entre 5 e 17 anos.
O trabalho infantil figura como uma das principais violações aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, uma vez que retira destas o direito de usufruir de uma infância digna, de acordo com a peculiar condição de pessoas em desenvolvimento.
O trabalho infantil muitas vezes passa invisível aos olhos. Pelos faróis da cidade, na roça, em carvoarias, praias e feiras, crianças e adolescentes trabalham de forma desprotegida e sofrem consequências como evasão escolar e exposição à violência.
Trabalho infantil e adolescente é proibido, portanto, é crime. A participação do adolescente no mercado de trabalho tem provocado muitos questionamentos, dificultando e interferindo na implementação de políticas específicas voltadas para o trabalho do jovem. O último obstáculo imposto pela legislação foi a emenda constitucional nº 20 do artigo 7, alínea XXIII que proíbe ou institui a idade para o trabalho somente a partir de 16 anos.
A lei existe para distinguir o trabalho explorador do trabalho com vistas à formação, fazendo-se necessário à existência de instituições/programas que se proponham a investir na formação. Portanto, amparado por essas instituições ou programas, o adolescente está protegido para aprender, com responsabilidade.
De acordo com uma alteração na Consolidação das Leis do Trabalho feita em 2000, crianças e adolescentes de até 14 anos são proibidos de trabalhar. De acordo com a Lei da Aprendizagem (nº 10.097, de 19 de dezembro de 2000), adolescentes com idade entre 14 e 16 anos incompletos podem trabalhar na condição de aprendizes. Porém, devem estar cursando ou ter concluído o Ensino Fundamental e estar vinculados ou se cadastrar em uma organização com Programa de Aprendizagem.
O foco deve ser a aprendizagem do adolescente e não o resultado que traz à empresa. Segundo a mesma lei, no mínimo 5% e no máximo 15% dos funcionários em cada estabelecimento devem desempenhar essa função. Em todos os casos, para qualquer jovem menor de 18 anos, são proibidos trabalhos em condições consideradas insalubres, perigosas, em período noturno ou em horários que impeçam a frequência à escola.
No Brasil, a legislação é bastante clara, sendo que:
· Até os 14 anos de idade, o trabalho infantil é completamente proibido;
· Entre 14 e 16 anos de idade, é proibido, exceto na condição de menor aprendiz;
· Entre 16 e 18 anos há uma permissão parcial, que proíbe trabalhos noturnos, em condições insalubres, perigosas ou penosas, de modo que o Decreto nº 6.481/2008 lista 93 tipos de atividades, consideradas as piores formas de trabalho infantil.
Ser aprendiz é também uma forma de proteger o adolescente, já que é proibido o trabalho noturno, perigoso ou insalubre à menores de 18 anos e qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir dos 14 anos.
É garantido pela Constituição Federal e também pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), trabalhar, na função de aprendiz e com todos os direitos trabalhistas, para que o adolescente não seja prejudicado em nenhuma forma.
As formações técnico-profissionais, descritas no decreto federal 5.598/2005, são realizadas por programas de aprendizagem desenvolvidos por entidades do Sistema Nacional de Aprendizagem: Senai, Senac, Senar, Senat e Sescoop.
Quando o jovem não tem acesso a essas instituições, a lei aceita programas oferecidos por escolas técnicas e entidades sem fins lucrativos que prestem assistência ao adolescente e à educação profissional, desde que registradas nos conselhos municipais dos direitos da criança e do adolescente.
Mas atenção: cursos técnicos não são considerados programas de aprendizagem! Estágios profissionalizantes podem ser enquadrados como uma modalidade de trabalho educativo. Eles preparam os jovens para o mercado. Porém, o trabalho deve visar o desenvolvimento pessoal e social do adolescente acima de tudo. Se não fizer isso, ele perde seu caráter educativo.
O respeito aos direitos humanos fundamentais das crianças e adolescentes e o combate ao trabalho infantil é um desafio de todos, principalmente do Estado Brasileiro. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é a principal arma legislativa para fiscalizar e punir empresas ou responsáveis pelo emprego de mão de obra infantil cujos artigos mencionam a proibição de qualquer forma de trabalho até os 13 anos, as responsabilidades do Sistema de Garantia de Direitos e as condições para o trabalho protegido e, também apontam as punições previstas para empresas e pessoas físicas que violam os direitos assegurados pelo ECA – incluindo profissionais da rede de proteção.
Enfim, o ECA prevê que o trabalho deve observar que o adolescente está em processo de formação em todos os aspectos (fisiológicos, psicológicos e sociais). Já a capacitação adequada, como ocorre nos cursos de formação de aprendizagem, deve se destinar ao desenvolvimento profissional do jovem, considerando seu direito de inserção no mercado de trabalho.
A fase da infância é crucial para o desenvolvimento humano e quando é interrompida por responsabilidades precoces gera-se um déficit neste desenvolvimento. Além disso, tanto as crianças, quanto o adolescente, ainda não se desenvolveram de maneira satisfatória para assumir certos tipos de atividades laborativas.
O trabalho precoce traz consequências negativas, como prejuízo no desenvolvimento físico, emocional e escolar, diminuição do tempo para o lazer, convivência com os pares, família e comunidade.
Além da perda de direitos básicos, como educação, lazer e esporte, as crianças e adolescentes que trabalham costumam apresentar sérios problemas de saúde, como fadiga excessiva, distúrbios do sono, irritabilidade, alergias e problemas respiratórios.
No caso de trabalhos que exigem esforço físico extremo, como carregar objetos pesados ou adotar posições antiergonômicas, podem prejudicar o seu crescimento, ocasionar lesões na coluna e produzir deformidades. Fraturas, amputações, ferimentos cortantes ou contusos, queimaduras e acidentes com animais peçonhentos, por exemplo, são comuns em atividades do tipo rural, em construção, em pequenas oficinas, na pesca e em processamento de lixo.
Os prejuízos ao desenvolvimento psicológico e intelectual afetam crianças e adolescentes trabalhadores, refletindo em todo o seu conjunto de relações pessoais e sociais. O ambiente de trabalho, com suas inúmeras exigências e compromissos, pode provocar na criança – ser em pleno desenvolvimento – a construção negativa de sua autoimagem, ou seja, passa a compreender-se como sem valor, incapaz, sem mérito algum.
Quando a criança é responsável por uma parte significativa da renda familiar, há uma inversão de papéis, o que pode dificultar a inserção dela em outros grupos sociais da mesma faixa etária, porque os assuntos e responsabilidades vão além da idade adequada.
O trabalho precoce pode prejudicar a formação intelectual de crianças e adolescentes, pois eles deixam de brincar, ir à escola e realizar atividades compatíveis com a sua idade. Isso, sobremaneira, é prejudicial ao seu desenvolvimento psíquico, intelectual e afetivo, acarretando perda de etapas fundamentais de sua vida, significando uma necessidade de se tornar adulto antes do tempo.
Além disso, compromete a formação escolar, uma vez que a falta de tempo e condições físicas e mentais de trabalhar e estudar ao mesmo tempo proporciona um aumento na evasão escolar e índices de baixa escolaridade. Crianças que trabalham apresentam grandes dificuldades no aprendizado escolar, levando ao abandono. Isso quando não largam a escola para poder começar a trabalhar. Quando a criança continua na escola ao mesmo tempo em que trabalha, as notas sofrem uma queda brusca, fazendo com que fiquem desestimuladas, frustradas e com o futuro comprometido.
A evasão escolar se relaciona com o fato de que a maioria das escolas somente oferece a educação básica, distanciada da realidade social de seus alunos e em horários incompatíveis com os estilos de vida.
Sempre que o assunto é trabalho infantil ou adolescente, o que vem à cabeça de muitas pessoas é a imagem de crianças quebrando pedra, fazendo carvão ou cortando cana. Porém, também o são os office-boys, cobradores de vans ou empacotadores em supermercados, que além de trabalhar, estudam.
O trabalho desses menores urbanos passa despercebido ou, o que é pior, é visto como leve e até benéfico para eles. A dupla atividade é penosa e prejudicial à formação intelectual e social desses jovens.
A percepção da baixa qualidade das escolas públicas pode ser uma causa do trabalho infantil. Quando o jovem ou sua família não enxerga uma perspectiva de futuro proporcionada pelas instituições de ensino, oferecendo ao menos poucas oportunidades de melhoria de vida, é comum observar o abandono escolar e a consequente entrada no mercado de trabalho. Esse tipo de cenário é mais comum para crianças um pouco mais velhas, de 10 a 14 anos.
Erickson já escrevia que uma das “tarefas” da adolescência é a independência dos pais e o trabalho pode ser uma das formas de se obter esta independência. O começar a trabalhar é um marco na vida. O jovem possui uma ambição de romper economicamente com a família, e a remuneração, por menor que seja, tem para o jovem o sabor da independência. Mas, como e onde se trabalha são fatores que podem transformar essa experiência de forma positiva ou negativa para o desenvolvimento de um adolescente.
A vontade de trabalhar, no entanto, pode surgir precocemente. Nesses casos, cabe aos adultos tentar compreender qual é a motivação por trás desse desejo para avaliar se ele deve ser atendido ou adiado por mais alguns anos.
Não, o trabalho protegido por lei (menor aprendiz) tem ganhos positivos para os adolescentes como uma autopercepção positiva e a aspectos relacionados à ordem moral do trabalho como a aquisição de responsabilidade e de características que os aproximam do universo adulto como o amadurecimento e a perspectiva de futuro.
Diante de contextos sociais e de projetos de vida frustrados na população jovem hoje em dia, o trabalho encontra uma saída alternativa para melhorar a condição de vida do adolescente em todos os aspectos de sua vida pessoal.
Os adolescentes podem ter minimizado os elementos negativos, possivelmente devido à grande importância simbólica que trabalhar possui, principalmente, em classes populares, por estar associada às representações de honestidade, honradez e de maturidade.
Quando o filho manifesta o desejo precoce de trabalhar, uma das primeiras atitudes dos pais deve ser conversar sobre o tipo de trabalho que ele tem em mente. O trabalho em período integral, associado à escola em período noturno, tem impacto negativo significativo no desenvolvimento dos jovens, pois diminui o tempo dedicado aos estudos e a quantidade de horas de sono.
Porém, estágios que exigem menos horas de dedicação podem ser uma alternativa. Isso significa que quando se fala em trabalho infantil não quer dizer que o jovem não tem o direito de buscar a inserção ao mercado de trabalho. Defende-se que isso deve ser feito de forma protegida.
Trabalho familiar: muitas famílias acabam por explorar as próprias crianças como uma maneira de reduzir custos, principalmente na realização de trabalhos domésticos. Além do trabalho nas próprias residências, famílias também podem empregar seus filhos em empresas ou na zona rural.
Trabalho para terceiros: mesmo sendo crime, o trabalho infantil ainda é explorado por muitas empresas não familiares, pelos mesmos motivos da época da Revolução Industrial. Ainda que mais raro no Brasil (mas não inexistente), esse fenômeno ocorre em vários países de situação econômica fragilizada. Muito comum de acontecer em conjunto com a situação familiar, como complemento de renda. Além disso, condições precárias de trabalho, muito comuns em cenários de exploração de crianças como mão de obra, levam a abusos físicos, sexuais e emocionais, ocasionando uma série de doenças psicológicas.
Infelizmente, alguns países ainda enxergam o trabalho infantil como uma situação natural. Esse quadro é responsável por facilitar a entrada de crianças no mercado de trabalho, transpondo a barreira moral que protege a integridade dos menores de idade.
Uma série de fatores pode levar uma sociedade a pensar que o trabalho infantil é um processo “natural”, desde o passado escravocrata (como é o caso do Brasil) até uma noção deturpada de que “o trabalho enobrece”.
A carga de responsabilidade e pressão, também pode trazer sérios problemas, principalmente, em quadros familiares nos quais a criança é a principal responsável pela maior parte da renda familiar. Essa inversão de valores pode causar uma série de dificuldades para uma criança, que não deveria ter que passar por isso.
A aplicação de um ensino técnico, em certas escolas, seria benéfica para a formação dos alunos e a sua posterior inserção no mercado de trabalho, já que eles passariam a ter um tipo de qualificação.
Para aqueles jovens que vão à universidade também há dificuldades. Muitas vezes não há tempo para fazer uma escolha ocasional correta e a pressão pela procura do emprego com maior salário é grande, muitas vezes por parte da própria família do futuro universitário.
Por fim, deve-se estar atento ao limite entre o trabalho precoce não prejudicial e o trabalho que impeça a escolarização, prejudique a saúde e/ou comprometa o futuro destes jovens, tornando-se, então, deseducativo. O ditado "trabalho dignifica" deve ser visto com certa ressalva, especialmente quando se trata de adolescentes.