Voltar ao Portal SBP

Autoagressão em adolescente: como posso ajudar?

A adolescência é uma época propícia para que determinados comportamentos que fogem à regra apareçam, sendo que alguns deles podem virar moda. Basta observarmos alguns adolescentes: todos se vestem e se penteiam da mesma forma. Outras coisas também são copiadas por eles, como cortar o próprio corpo.

Esse tipo de agressão é conhecido como cutting – palavra inglesa que significa coisa cortada, incisão e talho, entre outros. Realmente, tem aumentado a incidência deste fenômeno entre a população mais jovem. Há, inclusive, blogs na internet em que seus praticantes contam o que fazem e postam fotos.

Apesar de ser mais comum na forma de pequenos cortes pelo corpo, a autoagressão consiste em qualquer autolesão, como queimar-se, morder-se ou bater-se.

Neste caso, porém, não devemos banalizar e achar que é apenas uma moda passageira. Este problema deve ser considerado como algo preocupante. O indivíduo que se corta geralmente apresenta um transtorno de personalidade e se auto agredir é um de seus sintomas. Mesmo não sendo regra, em alguns casos mais graves o indivíduo pode tentar se ferir de maneira mais violenta, levando a danos maiores e até fatais.

A incapacidade de lidar com os próprios sentimentos se reflete nas marcas do corpo. E esse sofrimento pode inclusive estar associado a uma dificuldade ou situação que o adolescente está passando.

autoagressão é um distúrbio de comportamento que faz com que o paciente agrida o próprio corpo ao sentir profunda tristeza, raiva, nervosismo ou viver um trauma.

Trata-se de um transtorno psiquiátrico que exige tratamento, terapia e medicação.  está associado de maneira independente com sintomas de depressão e ansiedade, comportamento antissocial, de alto risco de uso de álcool, drogas e cigarro.

A detecção precoce e tratamento dos transtornos mentais comuns durante a adolescência podem constituir um componente importante e até então não reconhecido de prevenção do suicídio em adultos jovens. O número assusta quando vemos que um em cada 12 jovens se mutila, com agressões como cortes, queimaduras e batidas do corpo contra a parede. Para aqueles que se auto agridem, a prática é uma tentativa de aliviar sensações como angústia, raiva ou frustração. O problema é mais comum entre mulheres de 15 a 24 anos  

Mas por que um adolescente, chega ao ponto de se cortar?

Algumas hipóteses tentam explicar o fenômeno, como por exemplo, a de estar no controle de sua própria dor. A física é mais fácil de dominar que a psíquica.

O ato de se cortar não acontece de forma isolada. Geralmente associa-se a sentimentos como impulsividade, instabilidade, dificuldade para falar sobre os próprios sentimentos, conflitos interpessoais, vergonha, autocrítica exacerbada.

Estudos científicos apontam que a motivação para esse comportamento está relacionada à percepção de alguma perda interpessoal e o sentimento de que “as coisas vão acabar mal e eu tenho culpa nisso”. Os adolescentes costumam relatar que antes do episódio sentem medo, raiva, ambivalência entre magoar alguém ou magoar a si mesmos, culpa e um forte sentimento de não pertencimento ou de não ser adequado.

Tais sentimentos são vividos de forma tão intensa, que provocar a dor física é o mecanismo utilizado em busca de alívio. É um mecanismo psicológico complexo para lidar com sentimentos negativos si mesmo e sobre os relacionamentos interpessoais.

As dores da alma não conseguimos localizar, ou colocar algum remédio. De certo modo, isso vai de encontro à busca através da dor de se sentir vivo. Às vezes a angústia exacerbada leva a certo estado de não se sentir real, como se a dimensão física não existisse. A dor lembra que ele tem um corpo – existência concreta e real.

Outra ideia é de que a intenção de quem se fere é de se punir por algo que fez.

O que tem corroboração na história da própria igreja católica, com a prática do autoflagelo: o indivíduo se tornava mais puro e pagava seus pecados. Provavelmente cada indivíduo que o pratica poderá dar uma explicação para suas próprias ações. O certo é que há um sofrimento que não pode ser desprezado. Alguns dos adolescentes que partilham em consulta que se auto agridem admitem que já o faziam há algum tempo antes de os pais terem tomado conhecimento. Na maioria das vezes os pais referem mesmo não terem identificado quaisquer sinais de alarme, ficando muito assustados e imersos numa grande preocupação e desorientação quando confrontados com a partilha do filho. A dor de um adolescente que se auto agride é grande.

E por isso pais e outros adultos cuidadores anseiam por orientações que acalmem a própria angústia, possibilitando um apoio adequado ao jovem.  

É moda?

Não, não é. É muito importante que a escola e a família estejam atentas aos adolescentes que venham praticar o cutting. Caso a escola seja a primeira a perceber, deve comunicar os pais e não simplesmente achar que é um fenômeno passageiro ou da moda.  

Pode acontecer de um imitar o outro?

Sim, mas mesmo se for uma imitação, podemos pensar que ao menos naquele momento há algo preocupante com o filho. É possível imitar tantas coisas, se escolhemos o sofrimento, podemos colocar em dúvida a normalidade desta escolha.  

Por que a autoagressão atinge, na maioria das vezes, os adolescentes?  

Os adolescentes têm uma tendência natural de repetir o comportamento do grupo uma vez que não estão com a personalidade formada e com o desenvolvimento cerebral ainda imaturo. Assumem um comportamento diferente e logo viraliza com a globalização permitindo que isso seja divulgado, Na internet e , sites de todas as formas ensinam e divulgam comportamento anoréticos e até suicidas, Os Adolescentes são plásticos...alguns se cortam uma vez e param outros por um período e outros se tornam dependentes e o quadro evolui se não houver tratamento  

É uma tentativa de chamar a atenção? 

Na verdade, é um pedido de ajuda. É um sinal de que o adolescente precisa de ajuda para lidar com suas emoções e desenvolver habilidades para expressá-las. Sentem alívio após a autoagressão e é uma forma de mostrar o que sente, Como se dissesse: “Estou sofrendo, preciso de ajuda”. É uma via de comunicação muito sofrida e que cria dependência, de forma isolada.  

O  adolescente que se autoagressão está tentando suicídio?  

O DSM V (Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais) classifica a autoagressão como uma autolesão não suicida. Significa que ela não está diretamente associada à tentativa de suicídio, mas, tem estreita relação com outros quadros de sofrimento psicológico e depressões. Estes sim, associados a um conjunto de fatores podem aumentar o risco de suicídio. Por isso, não podemos afirmar que todo adolescente que se auto agride está tentando suicídio.  

Como identificar os fatores de risco para a autoagressão do adolescente? 

Não existe apenas um comportamento – relatos sobre vivências de bullying onde o adolescente tem poucos recursos para lidar com tais situações; conflitos familiares em que ele refere não pertencer ou não se sentir parte da família associados a relatos recorrentes de tristeza, sentimento de inadequação e solidão, instabilidade emocional, não consegue falar sobre o assunto, não chora.  Autodepreciarão, vergonha, baixa autoestima, culpa estão associados aos riscos para esse comportamento. Há perda de interesse nas atividades sociais, escolares, agressividade. Se expõem a situações de risco. Revelam que algo não vai bem e que necessitam de auxilio e atenção.  

O adolescente que se auto agride deixa pistas?

  Sinais físicos recorrentes descritos como pequenos arranhões que aumentam de frequência, uso de moletons mesmo em dias quentes e inapropriados, pedidos constantes de substituição de apontadores e objetos cortantes de uso escolar, além de mudanças bruscas de comportamentos podem ser indícios de que esse comportamento esteja acontecendo. Uso de muitas pulseiras e cordões para esconder as lesões. Histórias mal contadas sobre as justificativas das lesões.

Família e escola precisam estar atentas.

Adolescentes que se auto agridem desejam relações de proximidade e segurança, mas temem profundamente a rejeição e abandono. Algumas vezes, por não saber o que fazer, a família acaba invalidando as emoções que ele relata.  Por isso, é importante permitir que ele fale sobre o assunto. A ajuda profissional nesse momento faz toda a diferença para que a família desenvolva uma relação de ajuda e fortaleça vínculos com esse adolescente em sofrimento.

E no caso de sabermos que os colegas dos nossos filhos praticam isso, devemos proibir a amizade?

Com os adolescentes é o pior caminho. Até porque, este amigo vai precisar de seus amigos. No entanto, é preciso que seja esclarecido ao jovem o quadro pelo qual seu colega passa, sem recriminações ou julgamentos morais.

Se o seu filho tem essa possibilidade de conversa com você, muito provavelmente ele não assumirá essa atitude. Ele sente que é possível confiar no outro e pedir-lhe ajuda. Que bom que ele tem pais que possam ouvi-lo.

Como as instituições devem proceder diante de casos de autoagressão?

 A integração do sistema educacional com a família e saúde é fundamental. É preciso que os professores se atualizem e tenham um olhar diferente sobre esses casos, levar a discussão para sala de aula e mostrar interesse em auxiliar.  Não esconder que o fato está ocorrendo entre os adolescentes. Procurar auxilio com profissionais de saúde e comunicar de forma adequada as famílias.

O que fazer ao perceber que seu (sua) filho(a) ou amigo( a) está se auto agredindo?

Acreditar. Pois é muito mais fácil minimizar os fatos do que admitir que algo esta acontecendo de errado podendo procurar ajuda profissional. Cada caso é um caso e com o tempo os adolescentes aprendem que os sentimentos ruins sempre vão aparecer porem é preciso lidar com eles de forma saudável. elaborar com o adolescente um plano de emergência. O objetivo é se colocar como uma pessoa de referência a quem o adolescente pode recorrer sempre que se sentir “invadido” pelos sentimentos negativos.

O que a família poderá fazer?  

“A comunicação eficaz dentro da família é verdadeiramente importante para que o adolescente se sinta seguro, valorizado e confiante, pelo que se sugere a existência de um momento diário, nas rotinas da família, em que todos se sintam livres e aceites na partilha de ideias, duvidas, preocupações e conquistas”  

A empatia é sempre importante para que os adolescentes se sintam confortáveis para compartilhar como estão se sentindo e o que está se passando. Criar um ambiente acolhedor para esse adolescente é fundamental. Ao identificar que um(a) filho (a)está se cortando, o primeiro passo é manter a calma. É preciso ter uma atitude acolhedora para tentar entender de onde parte o comportamento, pois uma reação excessiva pode fazê-lo sentir-se ainda mais sozinho o que poderá agravar ainda mais a sensação de desconforto do adolescente.  

“Antes de se preocupar com o que dizer, é importante escutar ativamente e sem julgamentos”

Apesar de não necessariamente haver um transtorno psiquiátrico, geralmente há uma tristeza envolvida.

A família deve ter muita sensibilidade ao buscar saber o que está se passando com seu (sua) filho(a). Ao tomar consciência da situação do filho, os pais devem procurar ajuda profissional. Geralmente uma ajuda psiquiátrica é necessária, aliada a psicoterapia.

“As principais vias de prevenção estão relacionadas à manutenção do bem-estar psicológico. Cuidados com o clima escolar, clima familiar,  o estímulo ao autoconhecimento e a criação de estratégias que facilitem o diálogo sobre as emoções são caminhos bem-sucedidos para a prevenção”