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Dificuldades Alimentares

Publicado/atualizado: janeiro/2023

Relator: Hélcio de Sousa Maranhão e Mara Alves da Cruz Gouveia

Membros do Departamento Científico de Nutrologia SBP 2022 – 2024: Fabiola Isabel Suano de Souza, Hélcio de Sousa Maranhão, Elza Daniel de Mello, Fernanda Luísa Ceragioli Oliveira, Jocemara Gurmini, Liliane Maria Abreu Paiva, Mara Alves da Cruz Gouveia, Tulio Konstantyner.

  • O que significa dificuldade alimentar na infância?

Entende-se por DIFICULDADE ALIMENTAR toda e qualquer dificuldade que se tenha para alimentar ou nutrir a criança de forma eficaz e satisfatória.

  • A dificuldade alimentar é frequente em crianças?

Algumas pesquisas demonstram que em média 25% a 35% dos pais acreditam que seus filhos têm problemas na alimentação ou dificuldades alimentares. Na maior parte das vezes, essa observação dos pais pode ser consequente a uma interpretação equivocada ou errônea de baixo apetite ou, de fato, as crianças são leve ou moderadamente afetadas. Estima-se que apenas 1 a 5% das crianças atendem aos critérios para um distúrbio alimentar de maior gravidade. É preciso ter atenção para o fato de que até mesmo a percepção equivocada dos pais pode acabar gerando problemas reais para crianças saudáveis, pois os cuidadores muitas vezes adotam práticas alimentares inadequadas como atitude compensatória.

  • Como as dificuldades alimentares podem ser apresentadas na infância?

Aquelas crianças cujos pais interpretam equivocadamente que há dificuldade no hábito alimentar de seu filho, geralmente, apresentam apetite e ingestão de alimentos em quantidade e qualidade suficientes para o seu bom crescimento, desenvolvimento e saciedade. No entanto, outras dificuldades alimentares podem estar presentes na infância: a seletividade, ou seja, aquelas crianças que não têm uma variedade adequada de alimentos na dieta por selecionarem os produtos a consumir; a criança que tem um perfil de comportamento agitado, que não se concentra no momento da alimentação por estar mais curiosa pelo ambiente; a criança com medo de se alimentar por ter passado por experiências negativas em relação à alimentação; e a criança apática ou depressiva e a criança com algum processo orgânico ou doença que leva ao baixo apetite.

  • Existe alguma forma de se prevenir a instalação de dificuldade alimentar?

Em todos os casos, o ideal é a prevenção do problema. No entanto, uma vez instalado, o auxílio do pediatra e/ou nutricionista, a princípio, pode contribuir sobremaneira para a melhor resolução.  É na primeira infância que os hábitos alimentares são estabelecidos e, frequentemente, também as práticas inadequadas se instalam como: lanchar a qualquer momento do dia, comer na frente da TV ou em uso de celular, consumir rotineiramente doces e alimentos ultraprocessados, dentre outras. Uma vez habituado a comer dessa maneira, a alimentação não é mais regulada por necessidades fisiológicas (a fome e a saciedade), mas controlada por hábitos e exigências emocionais.

  • Como a família pode ajudar a criança a comer de acordo com as sensações de fome e saciedade?

Reforça-se que a prevenção das dificuldades alimentares é o tipo de intervenção que produz maior efeito e de forma não traumática. Os profissionais de saúde que acompanham a criança devem ser aliados e ajudar aos pais na orientação antecipada de práticas alimentares saudáveis. Eis algumas dicas para ajudar as crianças maiores de um ano a sentirem fome e terem prazer em comer:

    • Estabeleça uma rotina alimentar e de sono. As refeições devem ter horários regulares e serem separadas por intervalos de mais ou menos três horas. Evite lanchinhos fora da hora estabelecida. As horas e a qualidade do sono devem ser apropriadas.
    • As refeições devem acontecer à mesa e na presença dos pais e irmãos, sempre que possível. De preferência, para crianças pequenas, no cadeirão, para elas se sentirem confortáveis. Se os pais trabalham fora de casa, ao menos o jantar (ou uma das refeições) deve ser feita em família. Seja o exemplo: coma junto, sempre com um prato variado e com muitos legumes e verduras. Demonstre o prazer de comer esses alimentos. 
    • O prato deve conter porções dos diversos grupos alimentares, evitando a monotonia. Quanto mais coloridos forem os alimentos no prato, melhor será a qualidade e variedade da refeição.
    • Faça o prato de acordo com o apetite e a necessidade da criança. Volumes demasiados podem estimular a recusa de imediato e volumes pequenos não vão atender a sua demanda. Se solicitado, atenda ao pedido da criança para repetir o prato, até ela ficar saciada.
    • Limite o tempo de duração das refeições, não estendendo por mais de 30 minutos. Tempos muito longos contribuem para a criança ter repugnância ao alimento ou usá-lo como brinquedo ou desprezá-lo ao jogar no chão ou outras atitudes inadequadas.  Estimule de forma positiva (e não excessiva) a criança a comer, porém, caso não tenha se alimentado no quantitativo oferecido e adequado, retire o prato sem forçá-la a comer e sem demonstrar irritação ou desgosto.
    • É importante evitar distrações como brinquedos, livros, televisão, celulares e tablets durante a refeição. A atenção da criança deve estar voltada para a alimentação.
    • Adote uma atitude neutra e agradável durantes as refeições. Não presenteie, elogie ou ofereça alimentos doces quando seu filho come muito ou se alimenta de forma saudável. Ao mesmo tempo, não pressione, puna ou force a comer. Atitudes de recompensa ou castigo não são bem vindas. Vão somente reforçar a necessidade de novas atitudes. A alimentação não é expressão exclusiva de afeto por seu filho. Antes disso, é uma necessidade, embora deva trazer muita satisfação.  
    • Confie na saciedade de seu filho. Os pais determinam ONDE, QUANDO e O QUÊ a criança come, desde que seja em ambiente adequado (onde), no momento certo (quando) e escolhas alimentares saudáveis (o quê). Cabe a criança o QUANTO ela come. Preocupe-se com a qualidade da alimentação e não com a quantidade.
  • As recomendações para a prevenção e o tratamento das dificuldades alimentares são padronizadas para toda e qualquer criança?

Essas orientações, na sua maioria, são padronizadas a fim de se obter o hábito alimentar mais saudável possível. No entanto, muitas devem ser adaptadas para a situação de cada família. Os cuidadores também devem ter confiança para realizar a intervenção apropriada, entender os riscos da alimentação coercitiva ou forçada e ter expectativas razoáveis de metas e resultados. Quanto mais houver pressão para comer, mais a criança recusa e mais vai exigir outros recursos para se alimentar. O mais importante é transformar a refeição em momento prazeroso para a família. Quanto mais angustiante e tenso o ambiente, menos a criança vai ter estímulo para comer.