Publicado/atualizado: junho2022
Departamento Científico de Infectologia e Imunizações
Essa pergunta nos remete a três reflexões importantes. A primeira delas guarda relação com a segurança dessa intervenção, ou seja, é seguro vacinar uma criança que previamente foi infectada pelo vírus com as vacinas covid-19? A resposta é sim, nós temos dados e estudos clínicos com esse tipo de crianças, assim como dados de mundo real; o segundo aspecto guarda relação com o benefício que a vacinação traz a uma criança já previamente infectada, pois também já há dados muito claros na literatura que mostram que uma infecção prévia não é capaz de impedir o risco de reinfecções. Portanto, essa criança, a exemplo do que ocorre com os adultos, continua sob o risco de desenvolver infecções futuras e infecções sintomáticas com repercussões; o terceiro e último aspecto relevante deste tema é lembrar que ao vacinar uma criança que foi previamente infectada, também a exemplo do que ocorre em adolescentes e adultos, você agrega um valor muito grande de imunidade, cria-se o que nós chamamos de imunidade híbrida. Isso aumenta em quantidade e qualidade a resposta imune, portanto, deixa essa criança seguramente muito mais protegida no que diz respeito à prevenção, em particular, o risco de desenvolver formas graves. Em resumo, mesmo que a criança tenha sido previamente infectada, ela deve receber a vacinação e temos sugerido nesse momento um intervalo de 4 semanas entre o evento da infecção e a vacinação, como um intervalo sugerido, razoável e sensato para iniciar essa vacinação.
Nossa experiência com uso de vacinas, há décadas, mostra que os eventos adversos quando ocorrem, manifestam-se logo após a administração das vacinas, geralmente nos primeiros dias, e em menor frequência semanas após a sua aplicação. Não conhecemos eventos adversos que ocorram anos após a aplicação das vacinas. Desta forma, é nosso entendimento que não há plausibilidade de que tenhamos também com as vacinas covid-19 o aparecimento de eventos adversos futuros.
É objetivo precípuo da vacinação diminuir o risco de complicações da doença e de suas formas graves, então, há sim, a chance de que mesmo vacinado, a exemplo do que ocorre com o adulto, a criança possa ser infectada e desenvolver sintomas, em particular neste cenário de surgimento de novas variantes. Entretanto, o que os estudos nos mostram, e creio que esse seja o dado mais importante para ser compartilhado, é que uma vez que crianças e adolescentes estejam com a vacinação completa, eles alcançam elevada proteção contra as formas graves da doença, que provocam a necessidade de hospitalização e eventualmente admissão em terapia intensiva, e eventos mais graves associados à covid. A experiência com a vacinação de adolescentes mostrou também elevada efetividade para prevenção de uma das mais temidas complicações da covid-19 nestes grupos etários, a Síndrome Inflamatória Multissistêmica, que tem diversos impactos na população pediátrica, no ponto de vista de risco de morte e de graves sequelas. Portanto, as vacinas têm demonstrado esse efeito bastante positivo e efetivo no que diz respeito a prevenir essas formas graves. O último comentário, em relação a esses dados de efetividade, foi o compartilhamento dos dados de mulheres grávidas que foram vacinadas, e a vacinação de todas essas gestantes propiciou a seus bebês nos primeiros seis meses de vida uma efetividade de aproximadamente 60% no que diz respeito à prevenção de hospitalização. Ou seja, ao vacinar as gestantes, elas produzem anticorpos, transferem esses anticorpos de forma transplacentária, e o recém-nascido e o lactente jovem, que ainda não podem se beneficiar da vacina, alcançam índices de proteção bastante relevantes contra as formas graves da doença. Portanto, em resumo, a experiência de “mundo real” com a vacinação das crianças e adolescentes é bastante satisfatória e positiva, mostrando-se uma estratégia segura e eficaz, confirmando nesse grupo etário aquilo que imaginávamos acontecer e que já tinha sido demonstrada em adultos.
Não. Acho que isso tem que ficar muito claro. Precisamos lembrar que essas medidas protetivas estão combinadas com o efeito positivo da vacinação. Então, mesmo que a criança tenha sido vacinada, se a situação epidemiológica local sugerir a necessidade de medidas protetivas e de isolamento e/ou distanciamento, é muito importante que os pais continuem seguindo essas orientações.
Não há nenhuma dúvida de que a covid-19 representa uma ameaça à população pediátrica. O número de mortes e de hospitalizações em crianças devido a covid-19 nos anos de 2020 e de 2021 no Brasil deixou claro que prevenir esta doença é uma prioridade de saúde pública. A covid-19 em crianças traz consequências tão ou mais graves que diversas outras doenças infecciosas que fazem parte do Programa Nacional de imunizações como a hepatite A, influenza, varicela, poliomielite, sarampo, rubéola, caxumba, rotavírus, entre outras. Além disso, o perfil de segurança que essa vacina oferece, à luz das evidências atuais, não é diferente do perfil de segurança que tínhamos com diversas outras vacinas, e que mostraram de forma inquestionável a sua importância, uma vez implementadas. Vacinas são instrumentos de saúde pública, que têm como objetivo diminuir mortes, sequelas, hospitalizações, sofrimento, impacto econômico, privação do acesso dessas crianças às escolas, oportunidade do convívio com seus pares. Portanto, entendemos que os dados e as evidências acumuladas até o momento são cada vez mais sólidos, mais consistentes, no sentido de nos convencer da importância da vacinação, como um instrumento seguro e eficaz na prevenção das complicações da covid-19, na população de adolescentes e crianças. O benefício da vacinação obtido pela população de adultos é um direito das crianças.
As vacinas têm se demonstrado eficazes nos estudos controlados, no primeiro dado que nós temos, de crianças de 5 a 11 anos. A eficácia acima dos 90% é muito semelhante à observada em adolescentes e adultos, quer seja com a Coronavac - nos dados de vida real no Chile; quer seja com a Pfizer, que também está licenciada para crianças de 5 a 11 anos, em dados apresentados em estudos de registro para esta faixa etária. Vacinarmos as crianças vai trazer um benefício muito semelhante ao que obtivemos com o uso das demais vacinas em todas as faixas etárias. As vacinas se mostram uma resposta extremamente eficaz ao ponto de, por exemplo, na vacina da Pfizer ser possível utilizarmos concentrações mais reduzidas. Pesquisas mostram que ao utilizarmos um terço da concentração daquela que usamos em crianças acima dos 12 anos e adultos, a resposta imune foi semelhante. Ou seja, é segura tanto quanto, mais imunogênico (com níveis superiores de anticorpos) e o que é mais importante: protege. Menos concentração permite mais rendimento dessas vacinas, em termos de produção; e eventualmente menores efeitos adversos. Então, as vacinas são seguras sim na pediatria. A Coronavac é uma vacina que tem a mesma formulação em adultos e crianças, a diferença é só na vacina da Pfizer. Mas é importante destacar que ambas cumpriram com o mesmo rigor os critérios de segurança e eficácia para seu licenciamento.
Em geral, como qualquer vacina, as reações mais comuns observadas com a vacina contra covid-19 na pediatria são: dor no local da injeção, um pouco vermelho e inchado, às vezes febre, dor de cabeça, vômito e perda de apetite. São reações frequentes e muito semelhantes às provocadas por outras vacinas do calendário infantil. Alguns raríssimos efeitos foram encontrados, como a miocardite, ou seja, uma inflamação no músculo cardíaco, em geral, mais comum no gênero masculino, com as vacinas da Pfizer na sua segunda dose, na maioria. Este é um evento extremamente raro, cerca de 40 a 50 casos para cada 1 milhão de doses aplicadas entre os adolescentes. É esperado um risco muito maior de miocardite com a própria covid. Então, não há por que temer esse efeito colateral raro, já que a doença é capaz de trazer um risco muito maior. Lembrando que essas miocardites raríssimas, provocadas pelas vacinas, têm evolução benigna. Não há óbitos relacionados a esse efeito colateral. As vacinas beneficiam muito mais que esses eventuais riscos de efeitos colaterais.
Os estudos continuam sendo feitos em faixas etárias menores. A Coronavac já tem alguns dados, e as pesquisas avançam em crianças a partir de 3 anos de idade. Com a Pfizer, já temos dois braços de estudos: um com crianças de 2 a 5 anos; e outro com bebês a partir de 6 meses até os 2 anos. Esses avanços vêm de encontro a necessidade de ampliar a base de vacinados na população. O que parece hoje ser um consenso é que, à medida que avançamos na vacinação de uma população de mais idade, há uma tendência natural de um desvio proporcional da doença para faixas etárias não vacinadas. As crianças que representavam, lá no começo da pandemia, menos de 1% dos casos, em muitos países hoje representam ¼ dos casos. Isso porque os adultos, idosos e adolescentes vacinados acabam adoecendo menos e proporcionalmente há o aumento de casos de crianças não vacinadas, que hoje constituem a parcela mais significativa da população que não tiveram a oportunidade de serem imunizadas. Quando temos uma nova onda, como vivenciamos com a variante Ômicron, esses novos casos se distribuem nessa proporção. Por essa razão, é importante sim ampliarmos a base de indivíduos vacinados em uma população; incorporamos as crianças nestes programas; proteger as crianças vacinadas dos efeitos de curto e médio prazo da doença, como a as complicações da covid longa e síndrome inflamatória multissistêmica; e proteger coletivamente também, afinal esse é o espírito dos programas de vacinação: é uma ação não só de saúde individual, mas sim de saúde coletiva.
Quando começamos a vacinar os adultos, tínhamos um intervalo recomendado de 15 dias entre a vacinação da covid e qualquer outra vacina do calendário. Com a experiência e uso dessas vacinas em adultos, hoje nós não temos mais nenhuma obrigação de manter um intervalo. Liberamos a aplicação de vacinas simultâneas ou com qualquer intervalo para todos acima de 12 anos de idade. Para crianças de 5 a 11 anos, ainda não estamos fazendo isso. Vamos esperar um tempo e observarmos a aplicação da vacina contra covid-19 em separado das outras vacinas do calendário, com intervalo de 15 dias. Em breve, a gente deve liberar essa aplicação simultânea. Lembrando que em situações específicas - uma mordedura onde se precisa fazer vacina antirrábica; uma viagem para uma região de risco; uma situação epidemiológica ou surto - não há nenhum problema em fazer outra vacina simultânea ou com qualquer intervalo. Mas, neste momento, por razões de precaução, nós ainda estamos recomendando o intervalo de 15 dias entre a vacina de covid-19 e qualquer outra vacina do calendário infantil nos menores de 12 anos de idade (de 5 a 11 anos).
Hoje, pela primeira vez, estamos vendo pais protegidos com receio de vacinar seus filhos. Nós sempre enfrentamos um desafio contrário, a vacinação de crianças sempre foi algo muito mais natural do que vacinarmos adultos. Esse receio é justificável pois os pais estão impactados com notícias negativas e a desinformação. Infelizmente, essa é uma doença digitalmente transmissível que às vezes traz mais vítimas que o próprio vírus. A SBP vem, através de mais esse canal, para conversar com pais e pediatras para enfatizarmos a importância da proteção das crianças. A covid não é uma doença que é sempre leve nessa faixa etária, quer seja na mortalidade, hospitalização ou impacto em longo prazo. Protegê-las é um direito que as crianças têm para não ficar doentes, e creiam: as vacinas trazem muito mais benefícios. O risco hoje é ter covid, não tomar vacina. Vamos proteger as nossas crianças!