Em artigo exclusivo, Dr. Moisés Chencinski, membro do Departamento Científico de Aleitamento Materno da SBP, responde à dúvida sobre o profissional mais indicado para cuidar da saúde oral da criança tanto para a prevenção quanto para o tratamento da maior parte das patologias presentes nessa área.
Por Moisés Chencinski – Departamento Científico de Aleitamento Materno da SBP*
Se você respondeu odontopediatra, otorrinolaringologista, estomatologista passou muito distante da realidade. Quem mais avalia a cavidade oral (mucosa, dentes, língua) de crianças, desde o seu nascimento, é, com toda certeza, o pediatra, tanto para a prevenção quanto para o tratamento da maior parte das patologias presentes nessa área. Mas, quando necessário, em situações mais específicas, até em questões preventivas, e sempre pensando na saúde de cada um de seus pacientes, esses profissionais são acionados e são parte importante, tanto nos cuidados profiláticos quanto nos terapêuticos, para o bom crescimento e desenvolvimento infantil.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) preconiza uma consulta com o pediatra a partir da 32ª semana de gestação. Nesse primeiro contato com os futuros pais, muitos temas podem ser abordados de acordo com as dúvidas apresentadas, como alimentação da gestante, o parto, os cuidados neonatais e alojamento conjunto, a amamentação, vacinação da gestante e do bebê. E a saúde oral, tanto da gestante quanto do bebê, merece um tempo nessa orientação. Se a grávida ainda não fez nenhuma avaliação odontológica até esse momento, cabe ao pediatra essa recomendação.
É desejado que todos nós, independentemente de idade, tenhamos um acompanhamento odontológico rotineiro, que pode começar desde o recém-nascido sem prazo para terminar. Assim, durante o pré-natal, com as transformações que ocorrem na mulher, juntamente com a avaliação clínica, laboratorial, de imagens, é importante que se dedique atenção ao acompanhamento odontológico da gestante, pelo menos a partir do 2º trimestre de gestação.
Nesse período, pode ocorrer aumento da incidência de problemas gengivais (sangramentos, infecções), periodontais (gengivite, periodontite), cáries e erosões dentárias (apesar de os dentes da gestante não sofrerem alterações) que podem ser causados por vários fatores (náuseas e vômitos mais frequentes, aumento de acidez bucal, alterações na alimentação, higiene oral inadequada, boca mais seca até por alterações hormonais fisiológicas da gravidez). Tanto a prevenção, com cuidados adequados (fio dental, escovação), aplicação de flúor, quanto o tratamento, com procedimentos e medicamentos, são seguros durante essa fase.
A falta ou pouca atenção nesses cuidados pode trazer consequências não apenas na saúde da mulher como riscos à própria continuidade da gestação e prematuridade. Estudos comprovam a maior incidência de doenças orais em crianças cujas mães também apresentaram esse quadro e não foram adequadamente cuidadas.
Uma vez cumprida a fase do acompanhamento na gestação, os cuidados odontopediátricos podem ter início desde a fase de recém-nascidos (odontopediatria neonatal), quando ações educativas e preventivas de promoção da saúde oral (orientação sobre amamentação exclusiva, riscos de uso de chupetas e mamadeiras, higiene bucal adequada, recomendações de consultas periódicas), além de avaliação precoce de disfunções orofaciais podem favorecer a saúde até a estética adequada do sorriso.
Vale ressaltar que antes da erupção dentária, em crianças em aleitamento materno exclusivo, se for realizada alguma limpeza, deve ser usada apenas uma gaze ou pano com água.
No mais tardar, quando da erupção do primeiro dente, o pediatra deve indicar uma primeira consulta com o odontopediatra. Nessa fase, segundo estudos comprovados mundialmente, já existe a recomendação da escovação dos dentes, com escova apropriada, com pasta (creme dental), com flúor (1.100 partes por milhão), em quantidade apropriada (um grão de arroz cru para crianças que ainda não cospem e um grão de ervilha cru para crianças que cospem), 2 a 3 vezes ao dia (ao acordar e ao ir dormir, sem falta). Essa quantidade de flúor e essa frequência de escovação previnem os riscos de fluorose.
Estudos recentes apontam que o aleitamento materno desde a sala de parto, exclusivo e em livre demanda até o 6º mês, que mamam ao seio até 1 ano apresentam menor risco de cáries dentária quando comparadas às que não recebem o leite materno por esse período. Além disso, o ato da amamentação promove estímulos da musculatura oral que favorecem o crescimento adequado e o desenvolvimento das arcadas dentárias, que vai facilitar a respiração nasal e a fala.
Já entre crianças amamentadas por mais de 12 a 24 meses, os estudos apontam controvérsias a respeito dos riscos de cáries. A amamentação prolongada, em livre-demanda e noturna apresentou, dependendo do estudo, perigo maior de cáries do que as que mamaram por menos de 12 meses. Mas ainda são necessários mais estudos, por conta dos fatores de confusão (criança já come, higiene oral inadequada, uso de pastas sem flúor).
Temos a responsabilidade pela orientação do adequado cuidado odontológico da gestante que, com o acompanhamento pediátrico, nas consultas de puericultura sistemáticas e odontopediátrico de rotina, são fundamentais na prevenção, diagnóstico e tratamento precoce de qualquer possível alteração.
Essas ações devem focar um país com altos índices de aleitamento materno desde a sala de parto, exclusivo e em livre demanda até o sexto mês, complementado adequadamente até os 2 anos ou mais e com cárie zero.
Como referências para o tema, sugere-se a consulta ao Guia de Saúde Oral Materno-Infantil (publicado no site da SBP - 04/01/2018 - http://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/Guia-de-Saude_Oral-Materno-Infantil.pdf) e o site da Associação Brasileira de Odontopediatria (http://abodontopediatria.org.br).
*Formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo com título de especialista em pediatria pela Associação Médica Brasileira (AMB).
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