“O aleitamento materno é um dos fundamentos para a construção do futuro. Desse modo, é dever de todos contribuir para o sucesso da amamentação”. Com essas palavras, a dra. Racire Sampaio, do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), sintetizou o mote da entrevista exclusiva, concedida pela especialista ao SBP Amamentação.
Ao longo do bate-papo, a pediatra forneceu diversas dicas práticas a respeito da melhor maneira de apoiar a mãe lactante, com ênfase no papel de diferentes atores sociais: o pai, os familiares em geral e os empregadores. Durante a conversa, dra. Racire Sampaio destacou ainda como o aleitamento materno pode ser alvo da mobilização coletiva daqueles que presam pelo exercício da cidadania e têm compromisso com o desenvolvimento de uma sociedade mais saudável.
Confira abaixo a entrevista na íntegra!
SBP AmamentAÇÃO - A promoção do aleitamento materno deve ser acolhida como uma causa coletiva da sociedade? Por quê?
Dra. Racire Sampaio (RS) - O aleitamento materno pode ser definido como uma das bases para a construção da sociedade. A amamentação, quando bem conduzida, gera mais saúde para as crianças, que de fato são o alicerce e o futuro de um País. Essa criança que é amamentada de maneira adequada, quando crescer, terá menor risco de desenvolver doenças crônicas não transmissíveis. Além disso, vai se tornar um adulto mais produtivo. Já existem provas científicas que relacionam o aleitamento materno ao aumento de QI entre as crianças. Logo, se eu tenho crianças mais inteligentes e menos doentes, a sociedade funciona melhor. Nesse sentido, construímos uma sociedade em que os cidadãos têm menos limitações e mais bem-estar. Por conta disso, a SBP entende que o aleitamento materno é uma estratégia de saúde pública que pode e deve ser assumida por todos.
SBP AmamentAÇÃO - Existem informações abundantes sobre a importância do engajamento da mãe para o sucesso do aleitamento materno, entretanto, qual é o papel do pai nesse contexto? Há orientações práticas que devem ser adotadas pela figura paterna?
RS - O pai deve assumir a função de pessoa mais importante na estabilização emocional da mãe. Primeiro, ele vai estar do lado dela. Ele é a outra metade parceira na formação dessa criança. A primeira coisa que o pai vai ter que fazer é estar ao lado da mãe, apoiando essa mulher em sua esfera emocional. Depois, ele pode realizar todas as tarefas que naquele momento a mãe não tem condições de fazer. Ou seja, ele pode ficar responsável por cuidar das outras crianças maiores. Ele pode organizar a casa. Pegar o bebê no colo para acalmar o bebê antes de passar à mãe para ela amamentar. O pai pode também fazer um carinho na mãe: trazendo água, fazendo massagem no pé, entre outras várias atividades. Enfim, tudo o que não sejam amamentar e que tradicionalmente são funções da mulher dentro da família. Nesse momento, é a hora do pai esquecer que ele tem outros afazeres e se envolver! Mas qual é o nosso grande problema? A nossa licença-paternidade dura somente cinco dias. Com esse tempo curtíssimo, o máximo que o pai consegue é acompanhar a esposa durante o parto e durante a internação na maternidade. Seria muito interessante que houvesse uma mudança na legislação. Há uma luta intensa da SBP pela expansão da licença paternidade, para que esse pai possa realmente colaborar mais com a mulher durante o tempo do aleitamento materno.
SBP AmamentAÇÃO - Como os demais membros da família também podem auxiliar?
RS - Os membros adultos da família têm uma primeira função: nunca desencorajar a mãe que está tentando amamentar! Inclusive, existem muitos estudos relatando a importância da avó materna da criança (a mãe da mãe) para o sucesso do aleitamento materno. A opinião dela é levada em consideração muito mais do que as outras opiniões circundantes. Mas, de modo geral, para os membros adultos da família, a recomendação é: nunca desestimulem a mulher. Em segundo lugar, assumam outras funções que são habitualmente da mãe. Assim como os papais, os avós, tios e tias, todos podem auxiliar.
SBP AmamentAÇÃO - Quando há outras crianças na casa, como os adultos devem agir?
RS - A orientação é que as outras crianças possam participar também do aleitamento materno e dos cuidados. Por exemplo, pegando uma fraldinha para o neném, pegando uma água para a mamãe, sempre participando! Para a mãe se sentir mais segura, é preciso conversar com os irmãos mais velhos que, naquele momento, a mamãe está precisando dedicar sua atenção um pouco mais para o neném. Explicar que todos os membros da família vão acolher o novo irmãozinho, inclusive ele. Esclarecer para que os mais velhos não se sintam abandonados. Explicar que ele pode também participar com a mamãe durante esse tempo da amamentação.
SBP AmamentAÇÃO - A amamentação em local público, por vezes, ainda é estigmatizada. Como as famílias podem se proteger diante de casos de intimidação e censura de terceiros?
RS - Eu achei interessante a escolha da palavra “famílias” nesta pergunta, pois é exatamente isso. É o momento da família, como um todo, se empoderar do direito de amamentar onde quiser! Um bebê, muitas vezes, não tem horário certo para demandar o leite materno e a mulher tem o direito de amamentar onde ela quiser. Em casos de intimidação e censura de terceiros, a reação pode variar muito em função da postura dessa família diante da sociedade. Mas, por lei, a mulher não pode, de forma nenhuma, ser impedida de amamentar em nenhum local. É um direito. Em casos de constrangimento, a família pode sim se cercar de pessoas e autoridades para ajudá-la nessa situação. O principal é a mulher ter certeza de que está fazendo a coisa certa, de que ela está fazendo o melhor para o seu bebê!
SBP AmamentAÇÃO - Nessas situações como os cidadãos em geral podem ajudar?
RS - Retomando a primeira pergunta, é preciso entender que o aleitamento materno é um benefício para toda a sociedade. Logo, todos precisam se envolver para proteger esse este aleitamento. Não é nem este bebê, é este aleitamento materno que está sendo feito naquele momento. Claro que os cidadãos podem ajudar. Eles podem conversar com essa pessoa que está tendo essa atitude equivocada.
SBP AmamentAÇÃO - Na esfera do trabalho, quais são as principais ações que os empregadores devem adotar para proteger e apoiar a amamentação?
RS - A primeira ação que os empregadores ou gestores devem tomar é aderir ao Programa Empresa Cidadã, que garante a licença-maternidade por seis meses às mães. A mãe tem assim seis meses para ficar em casa e amamentar, sem perder os seus vencimentos. Desse modo, ela pode tranquilamente amamentar exclusivamente até o sexto mês. Essa é a primeira coisa que a gente pode oferecer: as empresas se tornarem empresas cidadãs, que além da licença-maternidade estendida tem também a licença-paternidade estendida para 20 dias. Outra coisa que as empresas podem e devem fazer é promover a criação de salas de apoio à amamentação. São salas pequenas, que ficam dentro do ambiente de trabalho, em empresas onde você tem uma concentração maior de mulheres em idade fértil. É um local pequeno, em que essa mulher pode ir, lavar as mãos, retirar o leite, guardar no freezer e voltar para o seu trabalho. Na hora que ela for embora para casa, ela pega esse leite gelado e leva para casa, para o seu bebê, para que ele continue recebendo leite materno. A terceira alternativa pode ser com o convênio ou criação de creches nos locais de trabalho. Essa mulher levaria o bebê para o trabalho, o bebê ficaria na creche, dentro do local de trabalho, e ela poderia amamentar a criança durante o seu dia de trabalho, sem que haja prejuízo da amamentação. Agora, o principal é entender que essa mulher não precisa deixar de trabalhar ou largar o ambiente de trabalho porque ela vai amamentar o seu bebê de forma alguma. Isso é apenas um período transitório. Os estudos demonstram que aumenta muito a ligação emocional da mulher com o seu local de trabalho, se ela for apoiada pelo empregador durante a amamentação. É um momento transitório. Logo o bebê cresce - e cresce com muito mais saúde -, de forma que ela não precisa ficar faltando tanto ao trabalho por conta de doenças do bebê.
SBP AmamentAÇÃO - Como a sociedade, de forma ampla, pode atuar para promover a amamentação?
RS - Depende bastante da capacidade de cada cidadão. Hoje em dia, existe muito trabalho voluntário. Nesse contexto do voluntariado individual ou em organizações, podemos promover a formação de grupos, nos quais as mulheres que estão amamentando podem expor suas expectativas e dificuldades e tentar resolvê-las. Podemos também organizar campanhas para arrecadar frasco para bancos de leite. É possível fazer campanhas junto às lactantes para que elas se tornem doadoras de bancos de leite em sua região. Existem ainda opções mais simples, por exemplo, divulgar o Agosto Dourado, que é o mês dedicado à promoção do aleitamento materno. Aproveitar o momento para falar sobre o tema nas igrejas, nas escolas, em todos os lugares. A gente sabe que a forma de alimentar o bebê precede a chegada do bebê. O próprio desejo da maternidade antecede a maternidade. Tanto que existem muitas bonequinhas que simulam os bebês. Infelizmente, muitas delas já vem com a mamadeira. Fica a recomendação de não comprar boneca que já vem com mamadeira, porque senão você já treina a criança a optar pela mamadeirinha ao invés da amamentação. O artifício da chupeta segue a mesma lógica. Além disso, nós como sociedade devemos evitar criticar a mulher. Há casos em ela está tentando amamentar e o bebê chora um pouco mais. Isso é normal. Não devemos ficar dando soluções mágicas para o bebê parar de chorar, ficar oferecendo chupeta. Essas atitudes não ajudam, mas sim atrapalham. De modo geral, a sociedade tem que se inteirar sobre o assunto e sempre apoiar!