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Arq Asma Alerg Imunol – Vol. 2. N° 1, 2018 13 No entanto, ainda é necessário confirmar os mecanis- mos de colonização durante a gestação, e demonstrar a relevância destes achados microbiológicos 31 . Neste sentido, a colonização intestinal pré, peri e pós-natal, que se estabiliza nos primeiros anos de vida, é um processo dinâmico e fundamental para o desenvolvimento morfofuncional de diversos sistemas, sobretudo o sistema imunológico, em suas respostas inatas ou adaptativas. Dois fatores fundamentais para a instalação de eubiose são o leite materno e o par- to vaginal. As evidências científicas por trás destas afirmações são ratificadas por estudos com animais germ-free , que apresentam hipoplasia do sistema imunológico de mucosa, em especial das PP, dimi- nuição da síntese de IgA, diminuição no número de linfócitos (CD4 + ) e modulação imunológica mediada por subpopulações linfocitárias (células T reguladoras, Treg) inapropriada. Esta situação de imunodeficiência, nestes animais germ-free , é revertida após o início da colonização intestinal com bactérias que simulam a condição fisiológica 32 . Embora outros fatores interfiram com a função do sistema imunológico, como por exemplo, a genética do indivíduo, seu estilo de vida (dieta e estresse, amamentação), sua exposição antigênica pregressa (higiene ambiental, uso de antibióticos, tipo de par- to), é fato que o estabelecimento de uma microbiota inadequada (disbiose) pode resultar em alterações nos mecanismos reguladores (linfócitos Treg) e culminar em maior susceptibilidade a infecções ou desequilíbrio nos fenômenos de tolerância, induzindo respostas de hipersensibilidade, como as alergias alimentares 33 . Resposta imunológica normal a antígenos ingeridos Em indivíduos saudáveis, a ingestão de alimentos determina um estado de tolerância, que é entendido como um estado ativo de não resposta à ingestão de antígenos alimentares solúveis, mediado por uma resposta do GALT. Na maioria dos indivíduos, os mecanismos de defesa intestinal atuam desde as fases precoces de proteção pela barreira intes- tinal e na ativação de respostas reguladoras, o que promove a liberação de IL-10 e TGF-ß que, por sua vez, induzem a produção de IgA com seus efeitos de exclusão imunológica. Em indivíduos suscetíveis, ou na presença de fatores que interferem nos mecanis- mos de barreira, inespecíficos ou mesmo específicos, ocorre o direcionamento para uma resposta Th2 bem definida, com produção de IgE, ligação aos mastócitos e basófilos e liberação de mediadores inflamatórios. Após nova exposição ao mesmo antígeno, ocorre a ativação de linfócitos T de memória, que secretam mais IL de perfil Th2, e induzem maior produção de IgE, com todos seus efeitos locais e sistêmicos 34 . A via intestinal, embora seja a via predominante de sensibilização alergênica, não é a única capaz de induzir alergia alimentar. A pele e o trato respiratório podem também atuar como vias de penetração e sen- sibilização a antígenos alimentares. Acredita-se que a sensibilização transcutânea ocorra especialmente nos pacientes com dermatite atópica, onde a quebra da barreira cutânea é um mecanismo favorecedor da penetração de alérgenos 35‑38 . A sensibilização primária pela via respiratória é rara, e o principal exemplo é a “asma do padeiro”, por sensibilização ao trigo devido à inalação frequente e em grandes quantidades deste alérgeno. As causas para ocorrência da menor ativação das células Treg em indivíduos alérgicos ainda é desco- nhecida, e o papel dos demais fatores presentes no intestino sobre o sistema imunológico, como a micro- flora intestinal, ainda necessitam mais estudos para sua compreensão. Para o desenvolvimento de alergia alimentar são necessários: substrato genético, dieta com proteínas com alta capacidade alergênica e quebra dos meca- nismos de defesa do trato gastrintestinal, quando há incapacidade do desenvolvimento de tolerância oral. Fatores ambientais e epigenéticos também devem ser considerados para explicar a recente “epidemia” de alergia alimentar 39,40 . Alérgenos alimentares Define-se como alérgeno, qualquer substância capaz de estimular uma resposta de hipersensibilida- de. Os alérgenos alimentares são na sua maior parte representados por glicoproteínas hidrossolúveis com peso molecular entre 10 e 70 kDa 41 . Podem sofrer modificações conforme o processamento do alimento ou durante a digestão, resultando em aumento ou diminuição da alergenicidade. Um epítopo alergênico pode ser de origem conformacional, quando a estru- tura terciária da proteína é que suscita a resposta imunológica. Epítopos conformacionais podem perder sua capacidade de ligação ao anticorpo quando sub- metidos a processos de cocção, hidrólise ou outros procedimentos químicos. Epítopos também podem ser lineares, uma sequência de aminoácidos que se Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar: 2018 - Parte 1 – Solé D et al.

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