Com o avanço da tecnologia, o uso de mídias digitais é introduzido cada vez mais cedo ao cotidiano da população pediátrica. Para repercutir o impacto desse novo cenário à saúde dos mais jovens, a 24ª edição do Fórum da Academia Brasileira de Pediatria (ABP), realizada em Fortaleza (CE), trouxe ao centro dos debates o tema “Telas: o mundo preocupante do “deixar como está”. Na oportunidade, o tom das discussões esteve atrelado à busca pelo equilíbrio entre os benefícios e os malefícios advindos das inovações tecnológicas.
Segundo avalia o pesquisador e diretor da Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação de Fortaleza (Citinova), José Eurico de Vasconcelos Filho, a sociedade contemporânea é extremamente conectada, de forma que essa migração ao mundo digital se tornou irreversível, em todas as áreas: entretenimento, estudo e trabalho.
“Continuamente novas tecnologias são introduzidas ao nosso repertório e, na maioria das vezes, não há tempo para assimilar o impacto e definir limites. As inovações são vendidas como ‘maravilhas da modernidade’ e nós simplesmente as incorporamos. O efeito desse consumo sem critério está sendo percebido de várias formas, a exemplo da propagação do cyberbullying, da desinformação, da dependência digital e de vários outros transtornos comportamentais”, destacou.
Dados do relatório Tik Kids Online 2023 demonstram que 24% dos usuários da nova geração têm seu primeiro acesso à internet até no máximo seis anos de idade. Na avaliação do diretor, tecnologias podem ser muito úteis ao aprimoramento profissional, intelectual e artístico. No entanto, o uso precoce e sem supervisão adequada traz riscos inerentes.
CIDADANIA DIGITAL - Uma das proposições de enfrentamento ao cenário atual é a iniciativa “Cidadania Digital”, desenvolvida pela Universidade de Fortaleza em parceria com a Fundação Edson Queiroz e a Prefeitura de Fortaleza. Baseada na tríade escola, família e estudante, a iniciativa incentiva focar na educação da comunidade para o uso consciente da internet.
“Com o auxílio de material multimídia, iniciamos um treinamento dos professores sobre como utilizar as mídias digitais de maneira positiva e evitar os principais riscos. Usamos a escola como lócus para propagar esse conhecimento aos alunos, incluindo os pais nesse processo. Todos os responsáveis recebem ferramentas e instruções para acompanhar as crianças e os adolescentes nesse novo universo”, explicou o professor José Eurico.
ENSINO - O impacto do uso crescente de telas também pode ser verificado dentro das salas de aula, trazendo preocupação aos profissionais da educação. O alerta foi proferido durante o 24º Fórum da ABP, pelo professor de Ciências e Biologia da Organização Educacional Farias Brito, Giordano Vasconcelos Capibaribe.
“O uso da tecnologia tem repercutido no processo de aprendizado dos estudantes, afetando áreas como estabilidade emocional, raciocínio lógico, capacidade de concentração e foco. Há várias alterações de comportamento perceptíveis, algumas delas relacionadas a disfunções no sistema de recompensa rápida do cérebro, do qual propositalmente valem-se as redes sociais”, avalia.
De acordo com o especialista, o comportamento dentro e fora de sala de aula está mudando, uma vez que os smartphones ocupam o lugar de companheiro inseparável, tanto de adultos quanto de crianças e adolescentes. “O primeiro passo é em pesquisas, saber quais os efeitos mais recorrentes e qual a amplitude do problema? Além disso, é indispensável que ocorra um processo de regulamentação da internet, ouvindo profissionais de diferentes áreas. Somente um esforço interdisciplinar poderá apontar os caminhos efetivos. É uma questão urgente de saúde pública”, definiu Giordano.
BRINQUEDOTECA - Como forma de estimular as crianças e mantê-las afastadas das telas por mais tempo, a Sociedade Cearense de Pediatria (Socep) inaugurou recentemente uma brinquedoteca infantil. O espaço é voltado para os pequenos de um a dez anos de idade, filhos e netos dos pediatras associados. Chamada de “Bora Brincar”, a instalação é decorada com material reciclado, como instrumentos musicais interativos, painel sensorial com esponjas, canos e torneiras. A área também conta com publicações infantis clássicas.
A 2ª vice-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), dra. Anamaria Cavalcante e Silva, reforça que, atualmente, educar é mais difícil do que em outras épocas. “As telas estão causando danos à saúde e ainda não sabemos plenamente as consequências. É preciso conquistar as crianças, lutando contra as telas e a favor dos brinquedos e livros”, frisou.
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