A ingestão de álcool durante a gestação pode produzir diversos efeitos deletérios à saúde do bebê, inclusive com consequências que perduram por toda a vida. Para aprofundar os estudos a respeito do assunto e expandir a divulgação destas informações à população, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) acaba de criar o Grupo de Trabalho (GT) sobre Transtorno do Espectro Alcoólico Fetal (TEAF).
Conforme explica a coordenadora do GT, dra. Helenilce de Paula Fiod Costa, a designação TEAF abarca um amplo conjunto de características verificadas em crianças cujas mães consumiram bebidas alcoólicas: comprometimento da abertura das pálpebras, ausência de filtro nasal, borda do lábio superior fina e avermelhada, cardiopatias congênitas, lábio leporino, fenda palatina, microcefalia, alterações neurocomportamentais, entre outras.
Acompanhe mais detalhes sobre a institucionalização do GT na entrevista abaixo, concedida pela dra. Helenilce de Paula Fiod Costa.
SBP Notícias - Por que o consumo de álcool é um problema para a gestante?
Dra. Helenilce de Paula – Registros de alterações do feto causadas pelo consumo de álcool datam de bastante tempo. Mas a partir de 1973 os autores Jones K. L. e Smith D. W. publicaram um estudo sobre a Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) na revista científica The Lancet, descrevendo um padrão específico de malformações apresentado pelos filhos de mães que ingeriram álcool durante a gestação. A criança nasce pequena e magra, uma vez que tem crescimento intrauterino restrito. Ela também pode ter comprometimento da abertura das pálpebras, ausência de filtro nasal e a borda do lábio superior muito fina e vermelha. Alguns apresentam microcefalia, ou seja, o cérebro é pequeno e essas crianças, no decorrer da vida, apresentam alterações do neurodesenvolvimento.
Posteriormente, as pesquisas demonstraram que nem sempre surge toda essa tríade de sintomas. Apareceram descrições apenas de alterações da face e outras malformações, como cardiopatias congênitas, lábio leporino, fenda palatina ou malformações em órgãos (como os rins). Além disso, tem se observado que algumas crianças têm alterações neurocomportamentais e que, por vezes, essas alterações no desenvolvimento só aparecem na primeira infância ou na adolescência.
SBP Notícias – Quais as diferenças entre as nomenclaturas Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) e Transtorno do Espectro Alcoólico Fetal (TEAF)?
Dra. Helenilce de Paula - Hoje falamos do Transtorno do Espectro Alcoólico Fetal (TEAF) como um termo guarda-chuva que engloba a SAF, a SAF parcial, pacientes que só têm problemas de neurodesenvolvimento ou aqueles que apresentam malformações. A criança nasce com cardiopatia congênita, fissura palatina ou lábio leporino e, muitas vezes, a causa está lá na ingestão de álcool pela mãe, que nem sabia que estava grávida. Por isso que hoje é descrito como TEAF.
SBP Notícias - Quais os antecedentes da criação do Grupo de Trabalho (GT) sobre Transtorno do Espectro Alcoólico Fetal (TEAF) da SBP?
Dra. Helenilce de Paula - Os antecedentes surgiram há cerca de 20 anos, na Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP). Nesse período, sob a coordenação da dra. Conceição Segre, foi elaborado um grupo de trabalho que posteriormente transformou-se num núcleo de estudos de prevenção da Síndrome Alcoólica Fetal (SAF). Nesse contexto, foram publicados dois manuais para esclarecimento dos pediatras e da população em geral e, ao longo do tempo, foram promovidos cursos, passeatas, além de articulações junto à Câmara Municipal de São Paulo para estimular a elaboração de leis que esclareçam as gestantes sobre o uso de álcool na gestação e seus malefícios.
SBP Notícias - Como ocorreu o processo de criação do Grupo de Trabalho (GT) na SBP?
Dra. Helenilce de Paula - O núcleo de estudos da SPSP desenvolveu o primeiro manual na gestão do dr. José Hugo Lins Pessoa, que na época estava à frente da filiada de São Paulo. Já o segundo manual foi elaborado justamente na gestão do dr. Clóvis Francisco Constantino, que sempre foi um apoiador da pauta e atualmente é o presidente da SBP. Por isso, surgiu a decisão de criar o GT na SBP para informar as famílias, os pediatras e demais profissionais de saúde, numa escala ainda maior.
SBP Notícias - Por que a divulgação da TEAF é um fator relevante?
Dra. Helenilce de Paula - O álcool que a mãe ingere passa direto para os tecidos fetais, que são muito imaturos. Por isso há uma ação exacerbada no feto. Por desconhecimento, muitos profissionais não sabem diagnosticar a TEAF. Há pacientes sendo diagnosticados com TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), atraso na fala, dificuldade em matemática, mas cuja causa é a ingestão de álcool na gravidez, mesmo quando não estão presentes as características faciais da SAF.
SBP Notícias - Quais ações estão sendo planejadas pelo GT?
Dra. Helenilce de Paula - Como passo inicial, a dra. Marcia de Freitas, que compartilha a coordenação do Grupo comigo, fez uma apresentação na reunião do Conselho Superior da SBP, durante o 41º Congresso Brasileiro de Pediatria, em Florianópolis (SC). Nós mostramos o que é a TEAF para todos os presidentes de filiadas a fim de mobilizá-los a instituir grupos de trabalho em todos os estados. A intenção é aprofundar os estudos a respeito desses achados clínicos no Brasil e educar a população. Porque muitas pessoas, sobretudo os jovens, não percebem a cerveja como bebida alcoólica e, consequentemente, como um produto extremamente prejudicial. A população precisa ser conscientizada. Por meio da SBP, a missão é expandir a iniciativa que começou em São Paulo para todas as afiliadas do País.
SBP Notícias - Como ocorreu a escolha dos componentes do GT?
Dra. Helenilce de Paula - A supervisora do GT é a dra. Conceição Segre, pediatra que começou os estudos 20 anos atrás, em São Paulo. A coordenação é compartilhada por mim e pela dra. Márcia Freitas. Os demais integrantes foram escolhidos por nós três. O critério foi a divulgação do TEAF para os pediatras e a população de todo o Brasil, bem como a diversificação da equipe: temos um obstetra (dr. Corintio Mariani Neto); dois neonatologistas (dra. Maria dos Anjos Mesquita e dr. Paulo Eduardo de Araujo Imamura); e uma neuropediatra (dra. Bruna Da Cruz Beyruth Borges). Há ainda, como assessora a pediatra Athenee Maria de Marco, que inclusive já realiza campanhas de conscientização aqui em São Paulo. No último dia 9 de setembro, um grupo de escoteiros foi mobilizado na Zona Sul da cidade de São Paulo para entregar panfletos em vários bares, conscientizando sobre a ingestão de álcool. Porque, muitas vezes, é como eu já falei, as mulheres ainda nem sabem que estão grávidas e estão bebendo.
SBP Notícias - Quais as metas do GT em longo prazo?
Dra. Helenilce de Paula - Um dos nossos intuitos é implantar o questionário T-ACE no pré-natal. Esse questionário já está validado. Queremos que os presidentes das filiadas, quando instituírem os seus grupos de trabalho, incentivem a aplicação desse questionário no pré-natal para alertar as mães. Toda essa prevenção do TEAF também está relacionada ao desenvolvimento de políticas públicas. Porque existe o lado da prevenção e ainda do atendimento médico, psicológico e social para as crianças com TEAF, que deve ser fornecido adequadamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), para que elas tenham amparo e o mínimo de problemas em sua vida.
SBP Notícias - Há previsão de elaboração de campanhas?
Dra. Helenilce de Paula - Desde 1999, o Dia Mundial de Prevenção da SAF é celebrado em 9 de setembro. A data foi escolhida para lembrar a gestante que, durante os nove meses da gestação, não se pode ingerir álcool. Neste ano, um pouco antes do dia oficial, o núcleo de estudos da SPSP foi à Câmara Municipal de São Paulo falar com os vereadores. No dia 9 em si, nós fomos à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo conversar com mais parlamentares. Além disso, a SPSP promoveu um encontro com especialistas para pediatras e outros profissionais. Tudo isso faz parte da campanha desenvolvida em São Paulo que pretendemos ampliar, nos próximos anos, para todo o País, com o apoio da SBP e das filiadas. Outra parceria fundamental é do Ministério da Saúde. Vamos atuar para estreitar laços com o Governo Federal e viabilizar ações de abrangência em prol dessa pauta, nos âmbitos da saúde da criança e do adolescente e da mulher.
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