DIOCLÉCIO CAMPOS JÚNIOR
Médico, professor emérito da UnB, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, representante
da SBP no Global Pediatric Education Consortium. E-mail: [email protected]
Publicação: 29/07/2014 04:00
Findo o frenesi da Copa, é chegado o momento de trabalharmos os temas mais importantes para o desenvolvimento da nossa sociedade. Segundo pesquisas de opinião pública realizadas no país, a precariedade do sistema de saúde é patente para a maioria das pessoas. O grau de discernimento em que a população amadurece, relativamente aos seus direitos, é cada vez mais claro. A insatisfação se generaliza. O inconformismo se avoluma. As reivindicações clamam forte. Os protestos ganham corpo. Não dá mais para segurar. Mudanças profundas na lógica dos governos revelam-se impreteríveis. Cumpre rever conceitos e respeitar prioridades. Saúde e educação são indissociáveis. Únicos alicerces efetivamente capazes de garantir a evolução legítima da cidadania.
Doenças sempre houve e haverá. A primazia dos investimentos não pode se ater ao tratamento de enfermos. Ao contrário. Quanto menos cidadãos doentes, bem mais feliz a sociedade, saudáveis as gentes, respirável a atmosfera humana, pacíficas as relações, límpido o horizonte social, menos presentes as desigualdades que destemperam comportamentos. A cultura preventiva é referência fundamental. Evitar doenças é incomparavelmente melhor do que tratá-las. Por mais que se invista em cuidados curativos, ainda que qualificados, a saúde estará a desejar. Por mais que se aumente o número de profissionais encarregados de diagnosticar e tratar os portadores de enfermidades, não se poderá alcançar a dimensão transformadora esperada. Só as medidas de prevenção, zelosamente implantadas, têm o potencial de atingi-la.
O Ministério da Saúde, embora criado com denominação perfeita, precisa recuperar o tempo perdido. O SUS não pode mais ser visto como um imenso hospital destinado a acolher todos os doentes da pátria amada e idolatrada que não os salva dos fatores predisponentes e desencadeantes de tantas morbidades. Os planos de saúde foram também batizados com muito boa intenção. Mas são essencialmente planos de doença. Carecem de reformulação.
O ciclo de vida durante o qual são lançadas as raízes profundas da saúde verdadeira é a fase existencial marcada por complexas, rápidas e incessantes transformações físicas, mentais, sociais que constroem o indivíduo e projetam o cidadão. Inclui infância e adolescência. Em nenhum outro período essa preciosa dinâmica ocorrerá.
Crescimento e desenvolvimento são fenômenos biológicos, neurológicos, motores, psicológicos e cognitivos dos quais depende a formação de pessoas sadias, saudáveis, sólidas, resistentes, ativas, e equilibradas. Requerem nutrição adequada, estímulos próprios para a idade, ambiente seguro, imunização ampla, afeto, aconchego, carinho e condições educacionais abrangentes. É quando se forma e diferencia o cérebro, sede das virtudes e originalidades que dão sentido aos valores humanos universais. Se essa travessia for feita em águas turvas, contra correntezas violentas, a margem a ser alcançada ficará cada vez mais distante.
O acompanhamento estreito do ser humano em fase de decisiva metamorfose supõe cuidado profissional especializado no minucioso campo de conhecimento científico que se estende da vida fetal até a idade adulta. É a puericultura. Não se restringe a medir e pesar crianças e adolescentes. Implica identificação precoce de desvios que necessitam ser corrigidos. Demanda habilidades tão amplas quanto específicas. Não pode mais ser banalizada no Brasil. É um direito inalienável. Entregá-la a profissionais desprovidos da necessária especialização é reduzir ao descaso criaturas que vêm ao mundo para crescer e se desenvolver plenamente.
Sem puericultura não se pode falar em saúde. Sem pediatria não se pode falar em puericultura. As famílias sabem disso. As mães não abrem mão de assegurar tão relevante direito a seus filhos. A pediatria brasileira luta por essa causa há muito tempo. Tem sido negligenciada pela insensibilidade da maioria dos gestores que sempre optaram por políticas curativas, orçamentariamente mais caras e sanitariamente ineficazes.
O povo que vai às ruas irá às urnas. Acredita no que faz. Reivindica saúde de qualidade. Os candidatos não podem subestimar a consciência coletiva. Não basta construir UPAs, contratar médicos, atender doentes, comprar ambulâncias, equipar prontos-socorros. Para o bem-estar físico mental e social do cidadão, conceito de saúde, a prioridade é evitar o adoecimento. Reduzir o número de enfermos. Promover o crescimento e o desenvolvimento saudáveis de crianças e adolescentes. É a hora e a vez da puericultura.
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