Entrevista com Dra. Elsa Giugliani
Dra. Elsa Giugliani é Presidente do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), doutora e pós-doutora, com títulos pelo Institute of Child Health da Universidade de Londres (Inglaterra ) e também na The Johns Hopkins University, em Baltimore (EUA). É professora da Graduação e da Pós-Graduação na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Consultora Internacional em Lactação com Certificado do IBCLC (Conselho Internacional de Avaliadores de Consultores em Lactação) – título que, obtido em 1993, foi o primeirodo Brasil. Elsa Giugliani é ainda consultora eventual do Ministério da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde e Organização Mundial da Saúde, em assuntos relacionados ao aleitamento materno, autora de diversos artigos científicos publicados em revistas nacionais e estrangeiras e de quase 30 capítulos de livro. Tem sido convidada a dar palestras em todo o Brasil e também no exterior.
1. Dra. Elsa, até quando se deve amamentar?
R: O ideal é até seis meses de idade como alimento único, exclusivo. Sem água, suco, chás, sopinhas ou qualquer outro alimento. A partir dos 6 meses, o leite de peito continua importantíssimo e é o alimento básico, mas é necessária a introdução de alimentos, variados. É recomendado ainda manter a amamentação até os dois anos de vida do bebê ou mais. O leite materno continua proporcionando vantagens nutricionais e imunológicas também nesta faixa etária. A recomendação mundial, endossada pela OMS desde a 54º Assembléia Mundial da Saúde realizada em Genebra, em 2001, é a de que o aleitamento deve ser exclusivo até os 6 meses e complementado através da adição de alimentos variados até os dois anos ou mais.
2. Mas por que é tão importante que o aleitamento materno seja exclusivo até os seis meses?
R: A introdução precoce de outros alimentos aumenta a chance de a criança ter diarréia, infecções respiratórias, em especial a pneumonia, otite média, alergias, incluindo asma, diabete mélito e possivelmente a síndrome da morte súbita. Além disso, a introdução precoce de outros alimentos reduz a freqüência e a intensidade da sucção, acarretando a diminuição da produção do leite materno e o desmame. O valor nutricional do “complemento” introduzido com freqüência é inferir ao leite do peito, o que predispõe a criança à desnutrição. Os alimentos introduzidos, inclusive água, podem provocar infecção intestinal e diarréia, pois eles mesmos podem estar contaminados, ou, então, os recipientes que os comportam (em especial a mamadeira) ou mesmo as mãos de quem os manuseia.
Enfim, a introdução precoce de outros alimentos tem como conseqüência uma redução da ingestão do leite materno e, conseqüentemente, um menor aporte de fatores de proteção contra doenças nele existente. Além disso, os alimentos em si, quando introduzidos precocemente, podem ser danosos por ser uma fonte de contaminação ou por causar alterações no sistema imunológico favorecendo o aparecimento de alergias e outras doenças como diabete.
3. Quais são as dúvidas mais freqüentes das mães em relação à amamentação?
R: As dúvidas mais comuns são quanto a possuírem leite fraco ou pouco leite. Em primeiro lugar, não existe leite fraco. O mesmo pode variar de cor, mas todos são adequados sob o ponto de vista imunológico e nutricional. Quanto ao pouco leite, muitas vezes é apenas uma percepção errônea da mãe. Com freqüência o choro do bebê é interpretado como fome. E muitas vezes esse choro é causado por algum desconforto do bebê ou simplesmente trata-se de uma forma de solicitar aconchego e proteção. É uma “fome de afeto”. Na maioria das vezes em que há uma diminuição real da produção do leite, esta está relacionada com técnica incorreta de amamentação ou ainda ao uso de chupetas ou mamadeiras. Se a criança não mama com uma técnica correta, ela pode ingerir menos leite e não esvaziar adequadamente a mama. Como conseqüência, a mama passa a produzir menos leite e a criança, por não ficar saciada, vai fazer intervalos menores entre as mamadas. Aí surge a insegurança da mãe e a associação com leite fraco. As chupetas e os bicos de mamadeira podem interferir na amamentação, pois podem confundir a criança, já que o tipo de sucção é completamente diferente da sucção ao peito. Além disso, sabe-se que as crianças que chupam chupeta mamam menos no peito, ou seja, há um menor estímulo da mama, e conseqüentemente, uma menor produção de leite. Portanto, atualmente, não se recomenda o uso de chupetas e mamadeiras. É uma recomendação internacional. Mães e profissionais que trabalham com mães e bebês devem conhecer a melhor forma de se amamentar, as vantagens da amamentação, assim como as conseqüências do desmame precoce.
4. Qual é a forma correta de amamentar?
R: O corpo do bebê deve estar bem de frente para o corpo da mãe; a mãe deve trazer a boca da criança bem de frente para o mamilo; o bebê deve abocanhar o mamilo com a boca bem aberta, de maneira que ele pegue o bico do seio e também a aréola (parte escura ao redor do bico do seio). Se o bebê mamar corretamente, não vai machucar o seio da mãe e vai retirar melhor o leite, matando a sua fome mais rapidamente e vai fazer intervalos maiores entre as mamadas.
5. Que problemas podem ser acarretados por uma mamada incorreta?
R: O neném pode ficar com fome, porque não está conseguindo retirar todo o leite que precisa. Pode não estar dormindo bem por não estar saciado. A mãe pode produzir menos leite, pois o bebê pode não esvaziar adequadamente a mama. Até as rachaduras do mamilo tem origem, geralmente, numa pega mal feita, ou seja, só no bico. E a rachadura aumenta a incidência de problemas como o ingurgitamento mamário e a mastite, criando um círculo vicioso: mãe e filho com dificuldades na amamentação. Portanto, a observação das mamadas por profissional de saúde nas maternidades é mandatória. Toda a mãe deveria ser exaustivamente orientada quanto à técnica correta da amamentação.
6. Como saber se um bebê está recebendo leite suficiente?
R: Em primeiro lugar, a mãe sente que a criança fica satisfeita depois das mamadas. Em geral, a criança termina a mamada por estar satisfeita. Além disso, a criança que ingere leite suficiente costuma mamar com freqüência (8 ou mais mamadas por dia) por, pelo menos, 15 a 20 minutos por mamada, urina várias vezes ao dia (no mínimo 6 vezes), urina clara, diluída e evacua com freqüência ou com menos freqüência, porém em grande quantidade. No entanto, a melhor maneira de se avaliar se a criança está recebendo leite suficiente para o seu crescimento e desenvolvimento é através do ganho de peso do bebê. É importante lembrar que a criança que mama só no peito tem um crescimento um pouco diferente do da criança que está recebendo outros alimentos ou não está sendo amamentada. Ela ganha um pouco menos de peso a partir do terceiro mês, mas isso não quer dizer que esteja ingerindo leite em quantidade insuficiente.
7. Não existe mesmo leite fraco?
R: Não. O leite do peito nunca é fraco. A cor do leite pode variar, mas ele sempre é de boa qualidade. As mães muitas vezes interpretam como leite fraco quando as crianças mamam com muita freqüência. Mamar com freqüência é normal e esperado em crianças muito pequenas. É claro que o número de mamadas varia para cada dupla mãe-bebê. À medida que elas vão crescendo, as mamadas tendem a ficar mais espaçadas. Se isso não ocorrer, pode ser que a técnica da amamentação esteja incorreta.
8. Quase todas as mães têm capacidade de produzir todo o leite que o bebê precisa?
R: Sim. É raro a mulher aparentemente normal não produzir leite suficiente para o seu bebê. Quando isso ocorre, na grande maioria das vezes, o problema não é biológico e sim a presença de fatores externos tais como má técnica da amamentação, uso de chupetas e introdução de outros alimentos. A fadiga também é uma importante causa de pouca produção de leite. Por isso se recomenda que as mães repousem o suficiente. Estresse, ansiedade, dor também podem interferir na produção do leite. Outros fatores importantes são o fumo e pílula anticoncepcional que contenha estrogênio (pílulas combinadas).
9. A sra. não acha que as mães que têm dificuldade acreditam que são exatamente a exceção?
R: Sim. É importante percebermos que a insegurança é muito comum quando se tem um bebê para criar, principalmente no caso das mães de primeira viagem. É esta insegurança natural, que na maioria das vezes faz com que muitas mães pensem não serem capazes de amamentar. Por isso, é muito importante que as mulheres recebam informações corretas e que contem com o apoio dos familiares e amigos, para que não desistam nas primeiras dificuldades.
10. Como identificar as mulheres que não produzem o leite necessário ao seu bebê por algum problema de saúde?
R: Existem muitas causas, apesar de elas serem raras, entre elas estão a cirurgia de redução das mamas, mamas com tecido glandular insuficiente, alguns problemas hormonais tais como hipotireoidismo e diabete não tratados, e desnutrição materna extrema. Nestes casos a mãe deve ser avaliada pelo médico, que deverá descartar primeiramente a pouca produção de leite por outros fatores, já comentados.
11. A cirurgia para redução da mama então interfere na amamentação?
R: Sim. Muitas pessoas, incluindo a maioria dos cirurgiões plásticos, acreditam que a cirurgia não interfere na lactação. Mas fizemos um estudo que mostrou claramente o quanto a cirurgia redutora pode influir negativamente na lactação. As mulheres com cirurgia praticamente não conseguiram amamentar exclusivamente e a duração do aleitamento materno foi muito menor quando comparadas com mulheres semelhantes, porém sem cirurgia prévia.
12. E quanto ao silicone?
R: Sim. Com os implantes de silicone é diferente, não interferem na amamentação, pois a cirurgia não corta inervação, nem mexe no mamilo.
13. O que a sra. tem a dizer sobre a questão do HIV?
R: Todas as mães devem ser incentivadas a amamentar, excetuando-se as mulheres sabidamente HIV-positivas, em uso de quimioterápicos ou em outras situações bem especiais. Uma vez que existe o risco da criança pegar o HIV através do leite materno, quando a mãe for HIV-positiva. Todas as gestantes devem ser testadas no início da gestação.
14. E quanto às mães que trabalham fora, como podem continuar amamentando depois do fim da licença-maternidade?
R: Durante as horas de trabalho podem tirar (ordenhar) o seu leite e guardá-lo em geladeira por até 24 horas ou no congelador ou freezer por até 15 dias. Este leite pode ser oferecido para a criança quando a mãe estiver fora de casa, de preferência com um copinho, para que o neném não se confunda com diferentes maneira de sugar. As mães que trabalham e que amamentam nos primeiros seis meses têm direito, por lei, a duas pausas de ½ hora cada uma, para amamentar, ou a sair 1 hora mais cedo do trabalho, além da licença-maternidade de 120 dias (cerda de 4 meses).
15. E como podem aprender a realizar a retirada de seu próprio leite?
R: Procurando o pediatra, um serviço de saúde, Banco de leite ou ONG que se dedique ao trabalho de incentivo ao aleitamento.
16. A sra. tem dados sobre outros países?
R: Sim. Na África e Ásia, em geral, as mulheres amamentam por um período prolongado, usualmente dois ou mais anos. No entanto, a amamentação exclusiva também costuma não ser praticada nestas populações. Já na América do Norte e Europa, com exceção de alguns países, como Suécia por exemplo, as mulheres amamentam pouco e muitas sequer iniciam a amamentação, fato esse que não ocorre no Brasil. Aqui, praticamente todas as mulheres em condições de amamentar o fazem, porém abandonam a amamentação precocemente. O resto da América Latina, em geral, tem um comportamento semelhante ao do Brasil com relação à prática da amamentação. Cuba, Chile e populações indígenas de outros países da América Latina costumam amamentar por períodos mais prolongados.
17. E por que, afinal, é tão importante que se incentive a amamentação?
R: Porque o leite materno é o alimento ideal para o bebê. Pelo fato de ser o leite da própria espécie, promove um crescimento e desenvolvimento ótimos da criança. Inclusive acredita-se que as crianças com amamentação ótima (6 meses de amamentação exclusiva e 2 anos ou mais de duração total) teriam um desenvolvimento cerebral que favoreceria atingir o seu potencial, inclusive de inteligência. Não devemos nos esquecer que a espécie humana chegou até onde chegou contando com as vantagens da amamentação e do ato de amamentar. Acredita-se que sem a interferência da cultura, a espécie humana amamentaria um período entre 2,5 e 7 anos. Portanto, a expectativa da espécie sob o ponto de vista biológico, é de que as crianças sejam amamentadas por um período mínimo de 2 anos. A substituição do leite materno por outros leites é um fato muito recente, menos de 100 anos. E esse tempo é uma gota d’água dentro de um oceano, pois os primeiros genes humanos apareceram há mais de 2 milhões de anos. As conseqüências a longo prazo para a espécie humana dessa mudança nos hábitos alimentares das crianças pequenas não se sabe. A curto prazo, causou muitas mortes em todo o mundo.
Pelo fato do leite materno conter muitos anticorpos e outros fatores de proteção contra doenças, as crianças que mamam no peito têm menos diarréias, doenças respiratórias e otites. O leite de peito exclusivo nos primeiros 6 meses protege a criança também contra alergias, asma e diabete. Atualmente tem se associado a falta de aleitamento materno com o aparecimento de outras doenças que se manifestam mais tarde, tais como alguns tipos de câncer. Além do mais, é mais fácil para a criança fazer a digestão com o leite materno; Amamentar é bom também para a saúde da mãe: protege contra o câncer de mama e de ovário. A mãe que amamenta só no peito nos primeiros 6 meses dificilmente vai engravidar se ainda não menstruou; Amamentar é uma forma de dar saúde, carinho e proteção ao bebê. Amamentação é uma forma especial de comunicação entre a mãe e o bebê. Ao ser amamentada, a criança aprende muito cedo a se comunicar com afeto e confiança. Também é importante lembrarmos a significativa contribuição da amamentação para a redução da mortalidade infantil (MI).
18. E quanto ao “recado” da SMAM deste ano, cujo slogan é “pela justiça e pela paz”?
R: Acredita-se que a amamentação, por ser um ato tão íntimo entre dois seres humanos e por ser permeado de afeto, tenha um papel no desenvolvimento psíquico das pessoas, tornando-as mais aptas a se relacionarem de forma saudável. Tenho a convicção de que a paz interior gerada pelo ato de amamentar pode ser exteriorizada, contribuindo para a paz mundial.
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