DIOCLÉCIO CAMPOS JÚNIOR
Médico, professor titular de pediatria aposentado da UnB, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, diretor da SBP para assuntos parlamentares e representante da entidade no Global Pediatric Education Consortium ([email protected])
Publicação: 30/05/2012
A infância brasileira vive momento inédito. Pela primeira vez na história pátria, a autoridade máxima assume publicamente o compromisso com a causa mais importante da sociedade – o ser humano em fase de crescimento e desenvolvimento. Ao anunciar o projeto Brasil Carinhoso, Dilma Rousseff cria a marca de seu governo. Revela louvável ousadia fundada em sensibilidade fecunda, humanismo vigoroso, percepção refinada do único investimento capaz de revolucionar a triste realidade social que macula a paisagem econômica, negando-lhe o merecido viço.
A presidente está coberta de razão. O Estado não deve seguir no propósito caridoso. Tem de ser um ente carinhoso. São naturezas opostas. A primeira pressupõe desqualificação da vida. Sem miséria humana, não há lugar para caridade. Assim, erradicar a pobreza contraria a cultura caritativa presente nas políticas públicas. A segunda tem cunho autêntico porque o Estado carinhoso faz da qualidade um princípio inegociável para as ações desenvolvidas. Não se restringe a indicadores quantitativos. Carinho desqualificado inexiste. E só será legítimo se igual para todos.
A proteção e a promoção plenas da primeira infância são o alicerce inabalável da cidadania virtuosa. Ignorar essa verdade é optar pela miopia que mediocriza gestores públicos. Leva-os a investir recursos orçamentários em projetos desprovidos de qualquer perspectiva de reais benefícios para gerar uma sociedade igualitária, ainda tão distante no horizonte do sonho. A presidente sinaliza mudança de rota. Demonstra ter o olhar voltado para os requisitos inovadores cuja validade nasce de evidências científicas contundentes, não há negar. É a hora e a vez de libertar o potencial criativo das novas gerações, facultando-lhes acesso a saúde, educação, cultura e lazer; a ambientes seguros, ricos em estimulação lúdica, exuberantes na pureza dos gestos, no calor da ternura, no prazer das atividades interativas.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) defende essa bandeira há muito tempo. Suas ações o comprovam. A entidade dos pediatras elaborou, em parceria com a senadora Patrícia Saboya e a OAB, o projeto de lei (PL) que estende a licença-maternidade para seis meses. Hoje é lei. Infelizmente, no momento da sanção presidencial, a equipe econômica fez o presidente Lula vetar o artigo que incluía trabalhadoras de micro e pequenas empresas, mantendo a cultura da desigualdade.
Coerente com histórica tradição de lutas, a SBP formulou outros projetos em parceria com a valorosa senadora, apoiados na doutrina científica que destaca a primeira infância no elenco das prioridades do país. Um deles, o PL nº 8403/2010, cria o Programa Nacional de Educação Infantil (Pronei). Disponibiliza recursos do Fundo de Garantia para financiar a construção de creches e pré-escolas por entes públicos ou privados, sem fins lucrativos; e do Fundeb, para assegurar o funcionamento qualificado das unidades construídas.
O projeto será muito útil para viabilizar os objetivos do Brasil Carinhoso, máxime no desafio de prover creches dotadas dos melhores recursos para acolher todos os brasileirinhos e as brasileirinhas, como propôs a presidente em seu discurso. Aprovado pelo Senado, tramita na Câmara dos Deputados. A Presidência da República tem como acelerar a aprovação. Outra iniciativa da SBP refere-se aos cuidados diferenciados de saúde a que a população de crianças e adolescentes faz jus. Desdobra-se em dois PLs, o nº 6687/2009 e o nº 8048/2010, previamente aprovados pelo Senado, em tramitação na Câmara. Definem a assistência pediátrica como direito dos usuários do SUS e dos planos de saúde. Gestores públicos discordam porque, caridosos, entendem que atendimento pediátrico possa ser feito por qualquer profissional. Para os filhos dos outros, claro. Não para os seus.
Dilma parece ser a presidente carinhosa para a pediatria brasileira. Tem tudo para sê-la. Inclusive filha e neto. A dificuldade são os escalões intermediários do seu governo. Preferem excluir o pediatra das políticas públicas. Rejeitam propostas de melhor capacitação para quem cuida da infância e da adolescência. Fazem de conta que não se opõem e pensam que enganam. As mães não hesitam. Segundo pesquisa do Datafolha em 2007, 97% querem seus filhos atendidos por pediatra e 70% quando as crianças estejam sadias, não doentes. É a sabedoria da prevenção qualificada que o gestor caridoso não possui. Só o carinhoso.
Presidente Dilma e SBP pensam igual. Falta um encontro para consolidar a união. O pedido está feito.