Levantamento realizado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) mostra que no Brasil uma criança ou adolescente morre, a cada 60 minutos, em decorrência de ferimentos por arma de fogo. Os dados apontam que nas últimas duas décadas, mais de 145 mil pessoas, com idade entre zero e 19 anos, faleceram em consequência de disparos, acidentais ou intencionais, como em casos de homicídio ou suicídio. O objetivo da pesquisa é ajudar a entender esse problema que atinge proporções endêmicas e com implicações nos indicadores de saúde pública.
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Em entrevista ao SBP Notícias, a presidente da SBP, dra. Luciana Silva, disse que isso é um grave problema de saúde pública e o diagnóstico feito pela instituição deve ser analisado pelas autoridades a fim de apresentar soluções para o que está sendo anunciado.
“Trata-se de um problema multifatorial. Por um lado, temos a questão do acesso às armas de fogo, um tema que deve ser discutido com profundidade por conta de suas implicações éticas, morais e sociais (...) Há inúmeras ações que deverão ser tomadas simultaneamente para que tenham um bom resultado”, destaca.
Dra. Luciana enfatiza ainda que cabe ao Estado – em suas diferentes instâncias – analisar os dados da SBP e identificar e combater os gargalos que têm gerado tantas mortes e internações e que é importante o Governo enxergar no pediatra um profissional fundamental para ajudar na orientação desse grupo e de suas famílias sobre questões relacionadas à saúde e ao comportamento que podem ter impacto em seu futuro. Leia abaixo a íntegra da entrevista.
1 – Como a Sociedade Brasileira de Pediatria avalia os números do levantamento?
Infelizmente, a violência contra as crianças e os adolescentes é uma realidade no País. A cada dia, novos casos de agressões e abusos são identificados pelas autoridades e viram notícia. No entanto, o trabalho realizado causa espanto pela dimensão do problema. Percebe-se que não falamos de casos isolados, de exceções. Com 145 mil mortos, podemos falar de um grave problema de saúde pública. É como se uma cidade de médio porte tivesse sido riscada do mapa. Entendemos que essa situação é insuportável para um País que pretende ter um futuro. Por isso, os dados que fazem esse diagnóstico devem ser analisados pelas autoridades com o intuito de apresentar soluções para o que está sendo denunciado. Por outro, esses números devem ser usados por aqueles que lutam em favor da infância e da adolescência para conscientizar a população e para cobrar respostas efetivas do Governo Federal, dos Estados e dos Municípios.
2 – Quais são os principais fatores que levam a morte de jovens por arma de fogo no Brasil?
Trata-se de um problema multifatorial. Por um lado, temos a questão do acesso às armas de fogo, um tema que deve ser discutido com profundidade por conta de suas implicações éticas, morais e sociais. Também influenciam nesse processo a falta de políticas públicas sociais, como educação e esporte, que tragam perspectivas aos mais jovens e os insiram em ambientes mais favoráveis ao seu desenvolvimento. Podemos ainda citar como indutores a esse fenômeno a precariedade das ações de segurança pública, que não garantem a integridade das famílias e nem a ação de criminosos, e a banalização de temáticas que envolvem questões como a violência entre os mais jovens. Certamente, não há apenas uma solução para esse quadro. Há inúmeras ações que deverão ser tomadas simultaneamente para que tenham um bom resultado. Infelizmente, enquanto essas respostas não chegam, o País está sendo obrigado a conviver com esse elevadíssimo o número de mortes e de hospitalizações por armas de fogo envolvendo quase 250 mil vítimas, a maioria são jovens do sexo masculino, com idades de 15 a 19 anos. Entre os sobreviventes, a tragédia continua com custos terríveis, na forma danos físicos e emocionais, que afetam pacientes e familiares.
3 – Ao longo das últimas duas décadas, vimos um crescimento dos números, que praticamente dobraram. O que pode explicar essa alta?
O fenômeno que atingiu em cheio as crianças e os adolescentes, atingiu toda a sociedade. A violência tem se tornado cada vez mais presente no cotidiano das comunidades, o que traz maior exposição ao risco para o segmento mais jovem. Também não podemos ignorar o número significativo de suicídios entre adolescentes e crianças, o que prova que até mesmo aspectos como a saúde mental, têm sido negligenciados.
4 – Que políticas devem ser implementadas para que haja uma atenuação desse quadro?
Com esse trabalho, a SBP oferece uma contribuição para que seja feito o diagnóstico desse problema. Agora, cabe ao Estado – em suas diferentes instâncias – analisar os dados e identificar e combater os gargalos que têm gerado tantas mortes e internações. Uma coisa é certa: serão necessárias políticas, ações, em diferentes níveis e formatos. Não há solução única para um problema tão grave, mas é preciso, antes de tudo, admitir que essa situação existe e é ruim. Na esteira, surgirão as propostas em termos de melhoria das políticas de educação, de esporte, de cultura, de segurança. De forma complementar, surgirão iniciativas para se cultivar o respeito, a solidariedade, a justiça, a ética, a valorização da vida humana. Somente assim conseguiremos vencer esse desafio. Outra medida que consideramos importante é o Governo enxergar no pediatra, médico especializado no atendimento de crianças e adolescentes, um profissional fundamental para ajudar na orientação desse grupo e de suas famílias sobre questões relacionadas à saúde e ao comportamento que podem ter impacto em seu futuro. Assim, deveria ser oferecido a cada membro dessa população o acesso a um pediatra.
5 – Em relação às famílias, elas também têm responsabilidade? O que elas podem fazer?
As famílias são a base de tudo. Por isso, têm um papel chave nesse processo. Seja cobrando uma atitude dos Governos, seja estando atenta às ameaças que circundam seus membros, seja estabelecendo canais de diálogo entre pais e filhos para que os problemas sejam superados e os valores positivos sejam fortalecidos. É fundamental que as famílias possam sempre tirar suas dúvidas com um pediatra e que possam estimular as crianças e os jovens ao autocuidado, à autoestima e ao desenvolvimento integral de suas potencialidades.
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