PRES 014/09 ESCRITÓRIO BRASÍLIA
Excelentíssimo Senhor
Dr. José Gomes Temporão
Ministro de Estado da Saúde
Brasília-DF
Senhor Ministro,
O último número da revista do Conselho Federal de Medicina veicula entrevista concedida por Vossa Excelência sobre temas diversos concernentes à saúde pública no País. Nada mais importante que conhecer a posição do Ministro sobre assuntos tão relevantes para a sociedade brasileira.
Permito-me, no entanto, dar-lhe ciência do descontentamento da classe pediátrica quanto às suas declarações relativas à pediatria. Perdoe-me, mas são equivocadas. Não refletem as atitudes que Vossa Excelência tem adotado no tocante à parceria entre o Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) . Estou seguro, por isso mesmo, de que resultam da desinformação de sua assessoria. Não vejo outra explicação.
Com efeito, Senhor Ministro, a impressão que passou aos leitores é a de um frágil embasamento conceitual, ademais de colidir com os números que traduzem, de fato, a realidade atual do exercício pediátrico. O senhor afirma que faltam pediatras no SUS porque já quase não há pediatras no País. Alega que esses profissionais preferem as sub-especialidades, deixando de exercer a pediatria. Desculpe-me, senhor Ministro, mas esta afirmação é conceitualmente infundada. Não há sub-especialidades em pediatria. Aliás, a expressão é até depreciativa. O que existe são as áreas de atuação diferenciadas. A pediatria é a especialidade médica que cuida do ser humano no ciclo de vida marcado pelo crescimento e desenvolvimento. Manteve-se inteira ao longo do tempo, resistindo, inclusive, à pressão do mercado que esfacelou a clínica médica em especialidades diversas.
A pediatria segue una e indivisa. Prova disso é a inexistência, no Brasil, de entidades médicas que representem o que Vossa Excelência chama de sub-especialidades pediátricas. Só há a Sociedade Brasileira de Pediatria. O pediatra pode diferenciar-se em campo mais delimitado do conhecimento pediátrico. Continua, no entanto, exercendo a pediatria. Sua formação especializada é feita na residência médica que o habilita a submeter-se à prova para obtenção do título de especialista em pediatria, instrumento de qualificação que a SBP aplica, em convênio com a AMB, há mais de 40 anos. Caso o pediatra assim titulado resolva diferenciar-se em determinado campo do fazer pediátrico, deverá concluir residência específica e submeter-se à prova de avaliação da SBP, feita também em convênio com a AMB, para certificar a competência do pediatra em determinada área de atuação. Aprovado, o profissional será detentor do título de especialista em pediatria, com habilitação em área de atuação de endocrinologia pediátrica, por exemplo. Este é o conceito correto. Não o de sub-especialidade.
Por outro lado, Senhor Ministro, não é verdade que faltam pediatras no Brasil. Contamos com 20 deles para 100.000 habitantes, numa realidade em que a taxa de fertilidade é de 1.8, bem próxima à dos países europeus, nos quais está em torno de 1.4. Naqueles países, nos quais não há falta de pediatras, a proporção média é de 17 profissionais pediátricos para 100.000 habitantes. O problema, em nosso país, é a concentração de médicos e serviços em regiões onde a atividade econômica está mais desenvolvida. O DF, por exemplo, possui 52 pediatras para 100.000 habitantes. O estado de São Paulo conta com 40 pediatras para 100.000 e o Rio de Janeiro, 42 para 100.000. Trata-se, à evidência, da falta de política que reduza as desigualdades econômicas e sociais. Não há remuneração adequada e motivadora no SUS, nem carreira que respeite e valorize profissionais cujo perfil de formação tem tudo a ver com a saúde pública. Nos últimos cinco anos, uma média anual de 1.000 pediatras inscreveu-se para a prova do título de especialista em pediatria. O senhor acha que tem fundamento a alegação de que faltam pediatras no Brasil?
Vossa Excelência anuncia, na entrevista, que a carência de pediatras poderá ser suprida pela atenção primária à saúde da infância e da adolescência, apresentada como solução capaz de resolver a maioria da demanda sem necessidade de especialistas. Vale dizer, sem pediatras. Na verdade, Senhor Ministro, esta é, a nosso ver, outra visão equivocada da assistência à saúde da população. É ela que está na origem da enorme contradição presente em nossa sociedade. Soluções baratas e simplificadas para a saúde dos pobres, ao lado de pleno direito de acesso das demais classes sociais aos cuidados mais qualificados. Não por outra razão, os gestores do SUS e todo o funcionalismo público são usuários de planos privados de saúde. Não acreditam na qualidade dos serviços do SUS. Não os utilizam. Deveriam fazê-lo até como exemplo de coerência. Em síntese, não faltam pediatras; não existem sub-especialidades pediátricas; a assistência pediátrica deveria ser garantida, como direito, a todas as crianças e adolescentes do País, independentemente da classe social a que pertençam. A carência de pediatras no SUS só será solucionada por meio da devida valorização desse relevante exercício profissional no âmago das políticas públicas.
São as considerações que entendi necessário submeter à apreciação de Vossa excelência, em nome dos pediatras brasileiros, no intuito de tentar desfazer os desencontros conceituais presentes na referida entrevista. Como conheço, entre as inúmeras qualidades que possui, sua radiosa honestidade intelectual, espero contribuir para a revisão que certamente há de fazer no seu posicionamento referente à situação da pediatria no Brasil.
Aguardo sua resposta para que a classe pediátrica brasileira preserve a imagem que sempre teve de Vossa Excelência, como alguém que cultiva o respeito e o apreço pelo médico cuidador do ser humano no período que merece prioridade de investimento, por bem do seu papel insubstituível na promoção de uma sociedade saudável, igualitária, pacífica, produtiva e sem necessidade de humanização, posto que eivada de virtudes humanas.
Atenciosamente,
Dioclécio Campos Júnior
Presidente da SBP
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