Pelo menos 130 mil crianças foram negligenciadas, violentadas psicologicamente e abusadas sexualmente, segundo levantamento do Ministério dos Direitos Humanos com base em números de 2017. Menores com idades entre 4 e 7 anos foram os que mais tiveram os direitos atacados. No período, houve 84.049 denúncias de violações contra esse público: 10% a mais do que em 2016, de acordo o Disque-Denúncia para casos de violência contra crianças e adolescentes.
Os dados acima levaram o Departamento Científico de Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) a divulgar o documento “Violência e saúde de adolescentes e jovens – como o pediatra deve proceder? ”. O texto ajuda o especialista a abordar o tema de forma prática, orientando-o a conduzir o atendimento desse tipo.
ACESSE AQUI A ÍNTEGRA DO DOCUMENTO.
O documento foi elaborado pelas dras. Alda Elizabeth Boehler Iglesias Azevedo; Evelyn Eisenstein; Beatriz Elizabeth Bagatin Veleda Bermudez; Elizabeth Cordeiro Fernandes; Halley Ferraro Oliveira; Lilian Day Hagel; Patrícia Regina Guimarães; Tamara Beres Lederer Goldberg. Colaboraram na produção as dras. Alexsandra Costa; Maria de Fátima Marinho de Souza e Regina Coeli de Oliveira.
CAMPANHA – A divulgação do texto está em consonância com a missão da SBP de promover a vida saudável de crianças e adolescentes de forma ampla e em todos os aspectos. Para tanto, foi criada a campanha permanente de Prevenção da Violência contra Crianças e Adolescentes com o lema “Violência é covardia – as marcas ficam na sociedade”.
“Entende-se que o pediatra, especialista que tem como foco o cuidado e atenção à saúde de crianças e adolescentes, deve ter como preocupação a busca por conhecimentos científicos e desenvolver o sentimento de solidariedade na lida com a vida de seus pacientes e familiares. Afinal, impedir a violência é também um ato de Cultura da Paz”, destaca a presidente da SBP, dra Luciana Rodrigues da Silva.
TEMAS – O documento científico divulgado traz perguntas e respostas e também fluxogramas com orientações para o acolhimento de pacientes vítimas de agressões físicas, sexuais, psicológicas ou homicídios. No Relatório Mundial sobre Violência e Saúde em Bruxelas, de outubro de 2002, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou a violência como um dos cinco maiores problemas de saúde pública mundial.
No documento, são abordadas a relevância do tema para a pediatria; os fatores epidemiológicos implicados nas ocorrências violentas; as diferentes classificações para os casos e suas respectivas características; o perfil dos agressores de crianças, adolescentes e jovens; as situações onde os adolescentes são autores da violência; entre outras questões. O trabalho aborda ainda dados sobre a mortalidade por violência no Brasil.
“Decidimos abordar a violência, os maus tratos e os abusos por serem as principais causas de mortalidade na adolescência por fatores externos. Isso vem culminando com diferentes fatos ocorridos na sociedade e por ser um assunto frequente nos ambulatórios pediátricos”, explica a presidente do DC de Adolescência da SBP, dra. Alda Elizabeth Iglesias Azevedo.
Segundo ela, muitos pediatras não sabem ainda como proceder diante dessa situação dos diferentes tipos de agressões. “Por isso, no documento, abordamos como deve ser a atuação do pediatra diante dos casos de maus tratos e violência contra crianças e adolescentes”, observa.
De acordo com a análise divulgada, a ameaça ou uso de força contra criança ou adolescente, em todas as fases do desenvolvimento cerebral-mental-emocional, provocarão alterações e danos com repercussões negativas na saúde física e emocional e na integração social, podendo ser permanentes. Respostas à dor, ao medo, à ansiedade do abandono e ao estresse emocional causadas por todas as formas de violência influenciarão comportamentos e o aprendizado, principalmente quando persistentes, ressaltam os especialistas.
FATORES - A violência decorre da interação fator humano-ambiência, o que remete a conceitos primordiais da Epidemiologia. Nesse sentido, ocorre um interjogo entre fatores de risco, fatores protetores e vulnerabilidade ao desenvolvimento, que têm interferência mútua e dinâmica, até mesmo antes do indivíduo nascer, como representados no Mapa Conceitual 1.
Segundo o Departamento, em geral, os algozes são próximos das vítimas (consanguíneos ou com algum laço afetivo com a pessoa ou sua família, sejam genitores ou outros cuidadores). Comumente, esses agressores sofreram ou sofrem de algum transtorno psíquico, mesmo que não aparentem, como sociopatia, transtornos de personalidade, abuso de drogas (especialmente álcool e crack) ou passaram por abusos na sua própria infância.
Os tipos de violência mais comuns são negligência, maus tratos ou espancamento, Síndrome de Münchausen por procuração, alienação parental, violência física e sexual. Nas situações de violência física, a autora mais frequente é a mãe, embora os casos mais graves sejam perpetrados pela figura paterna (pai ou padrasto); nos abusos sexuais, os autores geralmente são homens, sendo cerca de 90,0% o pai ou companheiro da mãe.
VULNERABILIDADE – O Atlas da Violência de 2017, estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), expõe um recorte racial e etário para os fatores de risco, especialmente por homicídios. Os resultados apontam que os maiores índices fatais ocorreram em pessoas entre 15 e 29 anos, do gênero masculino e entre pardos e negros.
O Índice de Vulnerabilidade à Violência desse mesmo ano constatou que, em quase todo o território nacional, as negras (entre 15 e 29 anos) apresentaram maior risco de exposição à violência do que as brancas na mesma faixa etária. Para esse grupo, o risco relativo de serem vítimas de homicídio foi 2,19 vezes maior do que de uma garota branca.
AUTORES DA VIOLÊNCIA – Entre as injúrias impetradas por adolescentes e jovens, se destacam autoagressão (cutting), tentativas de suicídio e bullying - presencial ou virtual (veja o Mapa Conceitual 2). Ambos os temas já foram trabalhados pelos DCs de Desenvolvimento e Comportamento e de Saúde Escolar, respectivamente, da SBP em dois documentos científicos distintos.
De acordo com a OMS, o suicídio é um ato intencional de um indivíduo de qualquer idade para extinguir a própria vida. Constitui importante questão de saúde pública no mundo inteiro, estimando-se que mais de 1,5 milhão de pessoas o cometerão até 2020. No Brasil, as regiões Sul e Centro-Oeste apresentam as maiores taxas e as tentativas são mais significativas entre mulheres e jovens.
RISCO – Dentre os fatores de risco que levam ao suicídio estão os transtornos de personalidade, especialmente a limítrofe (antiga borderline), e esquizofrenia; associação de várias condições, como depressão e alcoolismo; coexistência de depressão, ansiedade; tentativas anteriores de suicídio, ausência de apoio social, histórico de suicídio na família, forte ideação suicida, deficiente base social com desemprego e baixo nível educacional.
O lar é o cenário mais frequente de suicídios (51%), seguido por hospitais (26%). Os principais meios utilizados por homens são enforcamento (58%), arma de fogo (17%) e envenenamento por pesticidas (5%). Entre as mulheres, enforcamento (49%), seguido de fumaça/fogo (9%), precipitação de altura (6%), arma de fogo (6%) e envenenamento por pesticidas (5%).
PEDIATRA – A violência afeta a saúde de crianças e adolescentes causando lesões e traumas físicos, agravos psíquicos e morte; diminui a qualidade de vida individual e coletiva; e afeta a dignidade humana. Isso exige readequação a novos paradigmas no atendimento médico preventivo ou curativo, com atuação interdisciplinar, multiprofissional e intersetorial, inclusive do pediatra, orientam os especialistas. Além disso, os diversos elementos envolvidos em atos agressivos precisam ser reconhecidos tanto para a abordagem quanto a elaboração de estratégias direcionadas a empoderar a resiliência de crianças e de adolescentes no enfrentamento (coping) ou prevenção à violência.
De acordo com o documento, os objetivos do atendimento médico pediátrico são: cuidar das lesões; desculpabilizar a criança/ adolescente (esclarecer que a responsabilidade é de quem causou o fato) e proteger a vítima de novas agressões; fazer a profilaxias contra Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) e de gestação, mediante a anticoncepção de urgência em caso de abuso sexual; oferecer suporte psíquico, à reorganização dos vínculos familiares; dentre outros.
“É preciso que o pediatra faça o atendimento, o acolhimento, identifique as agressões e notifique, por meio da ficha disponibilizada pelo Ministério da Saúde, os casos de agressão para que a pasta possa implementar as políticas públicas de proteção às vítimas de violência. Não é papel do pediatra acusar, mas notificar a família e os órgãos competentes” orienta a dra. Alda.
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