Diagnóstico precoce para o Transtorno do Espectro do Autismo é tema de novo documento do DC de Desenvolvimento e Comportamento

O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é caracterizado por dificuldades de comunicação e interação social e pela presença de comportamentos e/ou interesses repetitivos ou restritos. Esta é a definição geral apresentada no Manual de Orientação intitulado “Transtorno do Espectro do Autismo”, publicado pelo Departamento Científico de Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

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Segundo o documento, a gravidade de apresentação do transtorno é variável. “Trata-se de um transtorno pervasivo e permanente, não havendo cura, ainda que a intervenção precoce possa alterar o prognóstico e suavizar os sintomas”, afirma a publicação.

TRAJETÓRIA - O Transtorno origina-se nos primeiros anos de vida, no entanto, sua trajetória não é uniforme. Algumas crianças apresentam sintomas logo após o nascimento, contudo, na maioria dos casos, eles apenas são consistentemente identificados entre os 12 e 24 meses de idade. Não obstante essa evidência, o diagnóstico do TEA ocorre, em média, aos quatro ou cinco anos de idade.

“A intervenção precoce está associada a ganhos significativos no funcionamento cognitivo e adaptativo da criança. Alguns estudiosos têm até mesmo sugerido que a intervenção precoce e intensiva tem o potencial de impedir a manifestação completa do TEA, por coincidir com um período do desenvolvimento em que o cérebro é altamente plástico e maleável”, enfatizam os especialistas.

Nesse sentido, portanto, a busca por sinais precoces do autismo continua sendo uma área de intensa investigação científica. Alguns marcadores potencialmente importantes no primeiro ano de vida incluem anormalidades no controle motor, atraso no desenvolvimento motor, sensibilidade diminuída a recompensas sociais, afeto negativo e dificuldade no controle da atenção. A avaliação formal do Desenvolvimento Neuropsicomotor (DNPM) é fundamental e indispensável e faz parte da consulta pediátrica.

PREVALÊNCIA – Nos últimos anos, as estimativas da prevalência do autismo têm aumentado dramaticamente. Segundo o documento, nos Estados Unidos, por exemplo, de 1 para cada 150 crianças de 8 anos, entre 2000 e 2002, a prevalência do TEA aumentou para 1 para cada 68 crianças, entre 2010 e 2012, chegando à prevalência de 1 para cada 58, em 2014. Esse aumento é, em grande parte, resultado da ampliação dos critérios diagnósticos e do desenvolvimento de instrumentos de rastreamento e diagnóstico com propriedades psicométricas adequadas.

A publicação traz ainda o que deve ser feito para a avaliar se a criança possui o TEA e como os pediatras devem proceder caso seja detectado na criança um atraso do DNPM ou MCHAT-R alterado. “O diagnóstico do transtorno do espectro do autismo (TEA) deve seguir critérios definidos internacionalmente, com avaliação completa e uso de escalas validadas. A complexidade enfrenta a heterogeneidade etiológica e fenotípica dos casos”, esclarece o texto.

Segundo o Manual, em estudo recente realizado no Brasil, as mães apontaram que suas primeiras preocupações observadas no desenvolvimento atípico de suas crianças foram: atraso na linguagem verbal, falha em responder ao seu nome, falta de contato visual e agitação. Estas preocupações iniciais aconteceram em uma média de idade de 23,6 meses e o diagnóstico formal só foi estabelecido próximo dos 6 anos (59,6 meses), o que corresponde a um atraso significativo médio de 36 meses.

INSTRUMENTO - A SBP orienta o pediatra o uso do instrumento de triagem Modifield Checklist for Autism in Toddlers (M-CHAT), validado e traduzido para o português em 2008. O M-CHAT é um teste de triagem e não de diagnóstico e é exclusivo para sinais precoces de autismo e não para uma análise global do neurodesenvolvimento. A recomendação da SBP é o Questionário Modificado para Triagem do autismo em Crianças entre 16 e 30 meses, revisado, com Entrevista de Seguimento (M-CHAT-R/F).

“O M-CHAT-R pode ser aplicado pelo pediatra durante uma consulta de rotina e seu principal objetivo é de aumentar ao máximo a sensibilidade, ou seja, detectar o maior número de casos possíveis de suspeita de TEA. Mesmo assim, ainda existem casos de falso positivo, que terão o rastreio positivo para o TEA, mas não terão o diagnóstico final de autismo. Para isto foi acrescentada, nesta nova revisão a Entrevista de Seguimento (M-CHAT-R/F), para melhorar a sensibilidade e especificidade diagnóstica do TEA”, afirmam os autores.

Além disso, é necessário realizar alguns exames durante essa investigação, como a anamnese e o exame físico, por exemplo. Para que possa ser feito um diagnóstico diferencial é necessário que haja uma busca de informações, colhidas dos pais ou cuidadores, sobre a gestação e as condições do parto destas crianças, por meio de uma anamnese detalhada.

AVALIAÇÃO - É importante também que na avaliação física da criança sejam checados todos os sistemas, além da investigação minuciosa da presença de dismorfias, que remetam o pediatra à suspeita de síndromes genéticas associadas. Outras questões abordadas são as relacionadas à cognição, comportamento, socialização e rotinas; comunicação e linguagem; e sensoriais.

O documento traz também cinco escalas e instrumentos que podem ser utilizadas no diagnóstico do TEA, cada um com suas especificidades e usos: ADI-R (Autism Diagnostic Interview™ Revised); Childhood Autism Rating Scale (CARS); GARS Gilliam Autism Rating ScaleSecond Edition; ADOS-G (The ADOS™ - Generic); e Modified Checklist for Autism in Toddlers (M-CHAT-R).

AMPARO FAMILIAR – O estabelecimento de um vínculo entre o paciente, a família e o pediatra é muito importante no momento da revelação diagnóstica, visto que a qualidade das informações pode repercutir positivamente na forma o problema é enfrentado no lar, encorajando-os questionamentos e a participação na tomadas de decisão quanto ao tratamento.

De acordo com a publicação, o tratamento padrão-ouro para o TEA é a intervenção precoce, que deve ser iniciada tão logo haja suspeita ou imediatamente após o diagnóstico por uma equipe interdisciplinar. Ele inclui modalidades terapêuticas que visam aumentar o potencial do desenvolvimento social e de comunicação da criança, proteger o funcionamento intelectual reduzindo danos, melhorar a qualidade de vida e dirigir competências para autonomia, além de diminuir as angústias da família e os gastos com terapias sem bases de evidência científicas.

Algumas das modalidades terapêuticas elencadas no documento são o “Modelo Denver de Intervenção Precoce para Crianças Autistas”; a “Estimulação Cognitivo Comportamental baseada em (ABA)”; “Coaching Parental”; “Comunicação suplementar e alternativa”; “Método TEACCH (Tratamento e Educação para Crianças Autistas e com outros prejuízos na comunicação)”; e “Terapia de integração sensorial”.

OUTROS ASPECTOS – O Manual de Orientação aborda ainda a relevância da equipe multidisciplinar no tratamento e condução adequada de crianças com TEA; as intervenções dietéticas em virtude das alterações no hábito alimentar; o tratamento medicamentoso, que ocorre para controle de sintomas associados ao quadro, quando estes interferem negativamente na sua qualidade de vida; os tratamentos alternativos; e o adolescente com TEA.

Conforme afirma a publicação, o TEA não possui cura. No entanto, as descobertas da neurociência e as terapias de intervenção precoce podem apresentar resultados de ganhos significativos no desenvolvimento neuropsicomotor das crianças. Quanto mais precoce a detecção das alterações no DNPM, maior a capacidade de organização neural através da neuroplasticidade e potencial de mielinização cerebral, uma vez que nos primeiros anos de vida que a formação sináptica apresenta maior velocidade e resultados satisfatórios.

JANELAS - “A estimulação precoce aproveita o período sensitivo determinado pelas janelas de oportunidades no cérebro da criança. Dessa forma, de forma precoce e intensiva, é possível formar as redes neurais que servirão de base da arquitetura cerebral da criança, moldando a tendência genética através da epigenética, com resultados de indivíduos mais capacitados, com seu potencial máximo aproveitado e com qualidade de vida”, concluem os especialistas.

O DC de Desenvolvimento e Comportamento da SBP é formado pelos drs. Liubiana Arantes de Araújo (presidente); Livio Francisco da Silva Chaves (secretário); Adriana Auzier Loureiro; Ana Márcia Guimarães Alves; Ana Maria Costa da Silva Lopes; João Coloriano Rego Barros; e Ricardo Halpern. O documento contou ainda com a colaboração dos drs. Ana Amélia Cardoso; Cássio Frederico Veloso; Cláudia Cardoso-Martins; Fernanda Dreux Miranda Fernandes; Maria Luísa Magalhães; e Marilene Félix Nogueira.