Documento aos presidenciáveis 2014

Excelentíssimo (a) Senhor (a) Digníssimo (a) Candidato (a) a Presidente da República do Brasil Senhor (a) Candidato (a), A Sociedade Brasileira de Pediatria, entidade representativa dos pediatras que atuam em todo o território nacional, ciente da responsabilidade que lhe cabe, e no momento em que se desencadeia a sucessão presidencial no país, propõe a Vossa …

Excelentíssimo (a) Senhor (a)

Digníssimo (a) Candidato (a) a Presidente da República do Brasil

Senhor (a) Candidato (a),

A Sociedade Brasileira de Pediatria, entidade representativa dos pediatras que atuam em todo o território nacional, ciente da responsabilidade que lhe cabe, e no momento em que se desencadeia a sucessão presidencial no país, propõe a Vossa Excelência, caso venha a se eleger para o exercício da nobre missão de Presidente da República, o conjunto de medidas a seguir descritas, entendidas como essenciais ao desenvolvimento sustentável da nação brasileira, posto que fundadas na prioridade dos cuidados com a infância e adolescência de nossa sociedade.

Contando com o respeitável apoio e decisiva acolhida ao que estamos a propor, registramos respeito e o apreço por Vossa Excelência.

Atenciosamente,
Eduardo da Silva Vaz
Presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria

​PROPOSTAS DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA (SBP) PARA O PRÓXIMO GOVERNO DO BRASIL

I – INTRODUÇÃO

Infância e adolescência nunca foram prioridades para os governos brasileiros. Correspondem, no entanto, ao ciclo de vida mais importante para a formação da cidadania plena. É o período em que a originalidade potencial do ser humano se revela com linguagem própria, dinamismo verdadeiro, e ousadias benfazejas. As evidências científicas do caráter insubstituível dos cuidados com esta faixa etária são sobejas. Mostram, com dados irrefutáveis, que a sociedade só terá futuro se entender a infância e a adolescência na dimensão que, de fato, possuem. Caso contrário, seguirá mergulhada nas águas do atraso, na ilusão de umprogresso só de aparências, no auto‐engano de uma pseudo‐evolução social.

Com efeito, a base científica sobre a qual devem ser fundamentadas as políticas públicas não deixa dúvida. Aponta o investimento prioritário na infância e na juventude como único caminho seguro para as transformações rápidas que a realidade social do país está a requerer. É a grande medida inovadora que caberá aos próximos governos implantar. É por meio dela que será respeitada a lógica do compromisso com as grandes causas, sempre esquecidas, capazes de projetar e realizar, em curto espaço de tempo, a desejada revolução, sem a qual o Brasil continuará como eterna nação emergente.

No Brasil não há políticas públicas comprometidas com os requisitos vitais do ser humano em fase de crescimento e desenvolvimento. As inexpressivas ações que os dirigentes realizam nesse mister não guardam coerência com os objetivos de um projeto nacional maior. São desqualificadas. Expressam apenas a dinâmica limitada de indicadores quantitativos. São dispersas. Desencontradas. Diluídas nas inúmeras instâncias do poder público, sem definição de primazia, desprovidas de estruturas apropriadas à especificidade de sua natureza singular.

Os recursos com tal destinação, constantes das peças orçamentárias, são simbólicos, inespecíficos. Não explicitam objetivos, estratégias, métodos e prazos de execução. Pulverizam‐ se no vazio do desperdício, na inconsistência de atividades governamentais que se esgotam em si mesmas. Não há resultados, somente ações modestas e discursos imodestos. Enquanto isso, fetos crescem em ambiente uterino desfavorável, crianças nascem e desenvolvem‐se ao acaso,

adolescem na incerteza do futuro, quando não são alvos da violência que os dizima no presente.

Esse é, em sínt​ese, o panorama da insignificância atribuída pela sociedade brasileira ao período decisivo para a construção sólida do mais valioso patrimônio da nação, a cidadania plena. A reversão do gigantesco equívoco histórico que vem condenando o país à mediocridade é inadiável. Protelá‐la é atropelar as chances de um Brasil criativo, inovador, educado, original, independente, sólido, igualitário, saudável e solidário.

 

II – JUSTIFICATIVA

Crianças e adolescentes encontram‐se no ciclo da vida humana marcado pelos fenômenos naturais do crescimento e do desenvolvimento. É a fase em que as estruturas do organismo aumentam em dimensão, diferenciam‐se, amadurecem fisiologicamente, compartilham funções que conferem ao corpo humano as características projetadas pela singularidade de sua carga genética. O êxito desta verdadeira metamorfose está estreitamente ligado ao suprimento adequado das necessidades biopsicosociais que demanda, no universo de interações estabelecidas de forma equilibrada com os diversos componentes do meio ambiente. Os conhecimentos científicos permitem identificar, com precisão e segurança, o conteúdo de tais necessidades e a forma mais eficiente de atendê‐las.

A neurociência revela peculiaridades do crescimento cerebral, a complexidade das conexões de que depende a aquisição normal das funções mentais que propiciam o desenvolvimento cognitivo, requisito para o equilíbrio comportamental do novo ser. Comprova ainda o papel relevante da nutrição em termos quantitativos e qualitativos, além da dinâmica decisiva da estimulação sensorial, lúdica e afetiva, indispensável à estruturação da inteligência que evolui do embrião ao cidadão.

A epigenética atesta o cunho imprescindível do vínculo afetivo mãe‐filho nos primeiros tempos de vida para a harmonização peculiar dos genes próprios do novo ser, fenômeno claramente descrito nos estudos feitos com mamíferos. É a chave para o desempenho sólido do perfil de cada indivíduo ao nascer.

A demografia ressalta importância    de uma taxa de fertilidade mínima, sem a qual a sociedade não se renova, enfraquece, perde a perspectiva de desenvolvimento, entra em decadência. Conclui que uma taxa de fertilidade inferior a 2,1 expõe ao risco de inviabilidade econômica em médio prazo. Ora, o país vive declínio vertiginoso da fertilidade de sua população. Atingiu o nível de 1,8. Taxa inferior à de 2,2 atingida pela França, para que se tenha idéia clara do estado de alerta que deve ser reconhecido, sob pena de se pagar o preço da decomposição econômica subjacente a esse indicador.

Trabalhos científicos no âmbito da economia, realizados pelo prêmio Nobel James Heckman, demonstram que o melhor investimento econômico para garantir o avanço irreversível de uma sociedade é aquele que se faz em educação e saúde na primeira infância. É o que assegura maior retorno em termos econômicos, sem falar da qualificação progressiva que projeta    para a vida das novas gerações. Rui Barbosa já havia percebido a certeza de retorno seguro para essa destinação dos recursos orçamentários. Formulou, em 1882, o primeiro projeto de educação infantil de que se tem notícia no país. Para justificá‐lo, chegou a afirmar que sem investimento prioritário nessa iniciativa, a sociedade brasileira não teria futuro. No entanto, 132 anos após, apenas 17% da população na faixa etária de 0 a 6 anos tem acesso à educação infantil. Um atraso inegável. Um desafio gigantesco a ser enfrentado.

Na era pós‐industrial que se delineia no horizonte da civilização, a geração da riqueza que sustenta a sociedade humana passa a depender primordialmente da produção de conhecimentos. É a nova característica assumida pela evolução da espécie que ingressa no terceiro milênio. A riqueza decorrerá cada vez menos da linha de montagem, a lógica industrial que preponderou durante todo o ativo capítulo da sociedade industrial. Doravante prevalecerá a produção de conhecimentos. As nações que assumirem essa capacidade estarão à frente do novo processo gerador de riqueza. Para fazê‐lo, dois componentes são essenciais. Um deles é o desenvolvimento de energia renovável. O outro é a fonte de inteligência renovável. Ora, a única fonte de inteligência renovável, requisito para a produção de conhecimento e geração de riqueza nos tempos pós‐industriais, é a criança, cujo cérebro traz originalidades e inovações potenciais ilimitadas que se sucedem ininterruptamente. Fica bem evidente o valor econômico potencial da criança no milênio que se inicia. Sem viabilizá‐lo, a sociedade não ingressará na nova era. Estará ultrapassada. Não sairá da condição de consumidora dos conhecimentos produzidos por aquelas que souberam identificar o valor da criança e a prioridade de investir nessa fonte de inteligência renovável.

Infância e adolescência bem cuidadas são os pré‐requisitos inegociáveis para o desenvolvimento que se espera da nação brasileira. A valorização dos cuidadores dessa preciosa reserva humana não pode mais ser descuidada. Os argumentos são irrecusáveis. As evidências científicas, irretorquíveis. Uma questão de escolha. Uma opção que se coloca ao país com a força da lógica que transcende a visão imediatista e conservadora, largamente superada pelos fatos.

 

III – PROPOSTAS

1. Criar o Ministério da Infância e Adolescência ‐ Destina‐se a integrar as atividades interministeriais e manter presente o engajamento com a causa prioritária a ser defendida por essa instância governamental.

2. Carreira de Estado para medicina – A perspectiva de uma valorização condizente com a qualidade do desempenho profissional, na abrangência e na dimensão meritória que possui, motivará o médico a trabalhar no SUS.

3. Acesso universal de fetos, crianças e adolescentes à atenção pediátrica – Edificar uma sociedade com gerações saudáveis, diferenciadas e criativas requer especialistas bem formados na atenção à saúde da infância e da adolescência.

4. Licença‐maternidade de 6 meses ‐ É importante conquista da pediatria brasileira. Mas, caminha lentamentente. O Governo tem que universalizar esse direito sagrado.

5. Programa de residência médica em pediatria, com duração de três anos – Visa elevar o nível de saúde da infância brasileira. Baseia‐se em competências, habilidades e atitudes a serem adquiridas pelo médico que cuida de crianças e adolescentes. O presidente eleito deverá acelerar a viabilização desse modelo de formação pediátrica, aumentar o número de vagas oferecidas e desenvolver estímulos atraentes para os médicos recém‐formados.

6. Hospitais Infantis em pontos estratégicos do país - Precisam ser projetados e construídos em todo o território nacional com as características peculiares da alta especificidade de que se reveste o atendimento pediátrico.

7. Credenciar pediatra para atender demanda do SUS em consultório ‐ A estratégia reproduzirá padrões dos planos de saúde. Será assim ampliada a assistência pediátrica no Sistema Único de Saúde, sem gastos com rede física, encargos trabalhistas, e manutenção. Incentivo deverá ser dado preferencialmente aos que atuarem em áreas consideradas carentes de profissionais.

8. Consulta de puericultura feita por pediatra ‐Pesquisa do DataFolha constata que 70% das mães querem levar os filhos ao acompanhamento pediátrico quando sadios (Puericultura). Não apenas quando doentes. E 97% delas veem o pediatra como profissional mais habilitado para cuidar de suas crianças.

9. Programa Nacional de Educação Infantil (PRONEI) – Esse PL, concebido pela SBP em 2007, ampliará a rede de creches e pré‐escolas de qualidade em todos os municípios. Ainda tramita no Congresso. Aprovado e executado, contribuirá para mudar a realidade do país.

10. Criar a profissão de cuidador da primeira infância - A nova profissão proposta absorverá pessoas, de nível médio, para atuar nas creches e pré‐escolas. Serão formadas em curso regular, por entidades públicas ou privadas, em parceria com instituições universitárias.

11. Ensino fundamental de qualidade, em tempo integral ‐O modelo dos CIEPs é referência. Há de ser retomado. Se o país considerar apenas indicadores quantitativos na educação, o prognóstico será sombrio.

12. Carreira federal do magistério – O bom professor é que faz a diferença nos resultados do ensino. Carreira federal do magistério dignificará um exercício profissional decisivo para o país. Urge investir na capacitação do mestre, oferecer‐lhe condições dignas de trabalho e remunerá‐lo à altura do seu valor.

13. Prevenção do alcoolismo e do uso de drogas ilícitas ‐ Incumbe à mídia incluir o tema na programação regular, a partir de conteúdos sugeridos pelos centros universitários com maior experiência e por entidades médico‐científicas.

14. Fim de propaganda com crianças ‐O mundo dos negócios não tem limites éticos. Não respeita a imaturidade do infante. Explora sua bela e tenra imagem. Quer modelar o comportamento consumista das gerações nascentes, desde a vida intrauterina. O governo só terá o reconhecimento da sociedade se impedir prática propagandística tão abusiva.

As ações propostas são eivadas de potencial transformador. Infância não pode mais ser omitida pelos governos. Criança significa ato de criar, como governança é o de governar. A consciência do povo emerge forte. Sem criança não haverá governança.

Baixar documento em PDF